Os dias seguintes à morte da rainha Elizabeth 2ª, repletos de cerimônias em homenagem à soberana, foram para o novo rei Charles 3º de um misto de sobriedade, protocolos e, com franqueza, flagras um tanto desajeitados. Passado o luto oficial, neste sábado (8) Charles completa um mês no trono, e poucas notícias oficiais saíram do Palácio de Buckingham nas últimas semanas.

Divulgou-se o novo monograma real, as moedas de libra com a face do monarca e uma ou outra foto oficial. Em condição de anonimato, membros do estafe real disseram que trabalham para que a coroação aconteça em 3 de junho, um domingo daqui a oito meses. Em meio à discrição –que afinal marcou o reinado da mãe–, pouco ficou claro sobre os rumos que se vislumbram para a monarquia.

Pesquisas de opinião, que regularmente medem a popularidade da instituição e da família, mostram uma recuperação na aprovação de Charles, com uma alta de mais de 20 pontos percentuais, chegando a 70% –ainda abaixo da do filho e sucessor direto, o príncipe William, porém. De março a setembro também subiram o desejo de que o Reino Unido mantenha o sistema político e a impressão de que a monarquia é boa para o país.

A questão é o quanto o impulso tem mais a ver com a comoção pela morte da rainha do que pela figura do novo rei em si.

Nas poucas agendas públicas até aqui, ele buscou demonstrar apoio tanto à diversidade quanto à tradição: recebeu líderes de comunidades asiáticas, visitou a cidade de Dunfermline, na Escócia, e se reuniu com políticos australianos. Passou ainda a impressão de um tom mais informal, se aproximando dos súditos para cumprimentos. Nos bastidores, por outro lado, histórias menos festivas também vêm surgindo.

Uma delas é a confirmação de que o rei não irá à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, no mês que vem no Egito. Segundo a imprensa britânica, a primeira-ministra Liz Truss teria sugerido ao rei que recusasse o convite –publicamente, ela disse apenas que a agenda de Charles concerne só a ele e que suas conversas com o monarca são privadas.

Uma fonte do Palácio disse que ele concordou em não ir, mas ficou desapontado, e um ministro afirmou que o rei "tem outras prioridades agora". Em seu lugar, deve viajar o príncipe William. O convite tinha sua razão: o primeiro discurso de Charles acerca do ambiente foi feito em 1970, quando ele tinha 21 anos, com alertas sobre as ameaças do descarte de plástico e de produtos químicos nos rios e no mar. No ano passado, ele fez a abertura da COP26 em Glasgow, substituindo a mãe, que precisou repousar.

Ao assumir o trono, o rei havia dito que deveria se afastar de atividades como a caridade e projetos de preservação do ambiente, para se dedicar aos assuntos de Estado.

Na Escócia, outra controvérsia está pegando mal: segundo o jornal The Guardian, o rei teria vetado um projeto em discussão no Parlamento que impediria donos de imóveis de aumentarem aluguéis pelos próximos seis meses, devido ao aumento do custo de vida. Uma antiga regra, chamada de consentimento real, determina que o monarca pode barrar –de forma secreta– qualquer projeto que atinja seus interesses pessoais, seu poder público ou sua propriedade privada.

E a família real é dona de muitas terras na Escócia. Ministros escoceses têm se recusado a confirmar para a imprensa se houve veto. Elizabeth 2ª usou do mecanismo para sustar ao menos 67 peças legislativas que a afetavam nos últimos 20 anos.

A imagem de Charles já tinha sofrido um baque em meados de setembro, quando um assistente anunciou a cerca de cem funcionários da Clarence House que eles poderiam ser demitidos porque, com a mudança do rei para o Palácio de Buckingham, suas funções redundariam com os funcionários da nova casa. O movimento foi chamado de "sem coração" por um sindicato, dado o momento de luto dos britânicos, mas a medida ainda não parece ter sido efetivada.

O caso se somou a seus episódios com canetas, que invadiram a internet na primeira semana de reinado. Em um deles, uma tinteiro vazou em sua mão e ele reagiu dizendo "Oh, Deus, odeio isso".
Nada demais, não houvesse o rei, três dias antes, ter acenado de forma brusca –e atrapalhadamente disfarçada– para que ajudantes retirassem um estojo da sua frente na mesa; o ato foi visto como o de uma pessoa que espera que façam tudo por ele.

A esses tropeços de comportamento a imprensa vem adicionando a lembrança de idiossincrasias de Charles Philip Arthur George (seu desconhecido nome pessoal). Uma dessas histórias diz que toda manhã seu chef cozinha meia dúzia de ovos, retirando cada um 30 segundos após o outro. Dessa forma, ele pode escolher, de acordo com a preferência naquela manhã, se quer um ovo quente molinho, um bem cozido ou qualquer meio-termo entre esses dois –isso foi negado pela Clarence House.

Paul Burrel, ex-mordomo da princesa Diana (1961-1997), já afirmou que Charles também espera que seus camareiros coloquem a pasta em sua escova de dentes. A preferência é de uma polegada de pasta, ou 2,54 centímetros.

Em um documentário sobre a realeza, o funcionário ainda contou que Charles acorda quando um camareiro abre as cortinas e prepara uma banheira com sete polegadas de água a 20 graus, com gotas do perfume Floris London Nº 89; suas toalhas são dobradas matematicamente em formato preestabelecido e os cadarços devem ser passados a ferro toda manhã.

Ele gosta que os vegetais sejam cozidos sempre com água mineral e demonstra ser contrário a desperdícios de comida –excedentes são guardados para a próxima vez que ele se sentar à mesa. E não dispensa um cracker com queijo após as refeições.

Segundo relatos, o novo rei não almoça; toma café tarde e trabalha direto até o jantar, o que obriga seus auxiliares diretos a no máximo engolir um sanduíche escondido no bolso, já que têm que estar à disposição todo o tempo. Reportagem do Guardian em 2002 apontou que Elizabeth 2ª achava o estafe do filho muito grande.

Outras curiosidades mais prosaicas também têm sido lembradas. Em 1975, Charles se tornou membro de uma sociedade de mágicos, passando na prova de admissão com um truque de bolas escondidas em copinhos. Certa vez, fez um curso de um dia para aprender como escapar de um submarino, incluindo um mergulho a 30 metros de profundidade num tanque.

Lembrando da verve ambientalista, seus carros –incluindo Jaguar, Audi e Range Rover– teriam sido convertidos para funcionar com biodiesel feito a partir de óleo de cozinha reaproveitado.

Jornais ainda destacaram seu gosto pela arquitetura. Poundbury, vilarejo nos subúrbios de Dorchester, no sudoeste da Inglaterra, foi desenhado a partir dos preceitos arquitetônicos de Charles. Com a construção iniciada em 1993, o lugar de 4.500 moradores não tem sinais de trânsito –à exceção de um, na rotatória central–, e as ruas curvas foram pensadas para que carros não corram e pedestres tenham preferência.

O tom invariavelmente irônico dos perfis de Charles, enfim, demonstra que o rei tem muito a fazer para conquistar uma boa imagem e liderar a monarquia.