CONSEQUÊNCIAS
 
O mundo moderno nunca esteve tão quente quanto nos últimos sete anos e, apesar de as consequências serem cada vez mais evidentes, com extremos de calor, inundações, secas e incêndios, as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa continuam subindo. O alerta é de um relatório multiagência coordenado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). Em uma mensagem de vídeo, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que o planeta "vai na direção errada" e denunciou o "vício da humanidade em combustíveis fósseis".


O relatório Unidos na Ciência 2022 foi divulgado às vésperas da 27ª Conferência do Clima (COP27), que será realizada em novembro, no Egito. "Sem uma ação muito mais ambiciosa, os impactos físicos e socioeconômicos das mudanças climáticas serão cada vez mais devastadores", alerta. Segundo o documento (veja quadro), as emissões de gases de efeito estufa seguem na direção de níveis recordes. As taxas de emissão de combustíveis fósseis estão, agora, acima dos níveis pré-pandêmicos após uma queda temporária devido aos bloqueios de 2020. Além disso, as agências da ONU afirmam que "a ambição das promessas de redução de emissões para 2030 precisa ser sete vezes maior para estar alinhada com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris".


Em 2015, no fim da COP21, os signatários das Nações Unidas concordaram em apresentar metas de redução das emissões, incluindo reduzir a dependência em combustíveis fósseis, para que o século 21 termine 2ºC ou, se possível, 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Porém, desde então, os termômetros estão subindo.


Segundo o relatório, há um risco de 48% de que, durante pelo menos um ano nos próximos cinco, a temperatura média anual ultrapasse 1,5°C, em relação à média registrada entre 1850-1900. À medida que o aquecimento global aumenta, pontos de inflexão no sistema climático não podem ser descartados, alerta a ONU. Trata-se de um momento em que não há mais como reverter os estragos provocados pelas mudanças climáticas.


Antonio Guterres lembrou que a Terra já enfrenta as consequências do aumento na temperatura. "Enchentes, secas, ondas de calor, tempestades extremas e incêndios florestais estão indo de mal a pior, quebrando recordes com frequência alarmante. Ondas de calor na Europa. Inundações colossais no Paquistão. Secas prolongadas e severas na China, no Chifre da África e nos Estados Unidos. Não há nada de natural na nova escala desses desastres. Eles são o preço do vício em combustíveis fósseis da humanidade", disse.


Mais vulneráveis


Segundo o documento, cidades que abrigam bilhões de pessoas e são responsáveis por até 70% das emissões causadas pelo homem enfrentarão impactos socioeconômicos crescentes. As populações mais vulneráveis sofrerão mais, afirma o documento, que dá alguns exemplos. Entre março e maio de 2022, Déli, capital da Índia, passou por cinco ondas de calor com temperaturas recordes chegando a 49,2°C.


"Com metade da população de Déli vivendo em assentamentos de baixa renda e altamente vulnerável ao calor extremo, essa onda de calor levou a impactos socioeconômicos e de saúde pública devastadores", diz o texto. "O relatório Unidos na Ciência deste ano mostra os impactos climáticos indo para um território desconhecido de destruição. No entanto, a cada ano, dobramos esse vício em combustíveis fósseis, mesmo quando os sintomas pioram rapidamente", destacou Guterres.


No lançamento do relatório, o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, insistiu na necessidade de sistemas de alerta precoce, que possam prevenir tragédias diante de eventos extremos. "A ciência do clima é cada vez mais capaz de mostrar que muitos dos eventos climáticos extremos que estamos enfrentando se tornaram mais prováveis e mais intensos devido às mudanças climáticas induzidas pelo homem. Vimos isso repetidamente este ano, com efeitos trágicos. É mais importante do que nunca que intensifiquemos a ação em sistemas de alerta precoce para construir resiliência aos riscos climáticos atuais e futuros em comunidades vulneráveis", afirmou.


Principais mensagens


– As emissões de CO2 no início de 2022 estavam mais altas que os níveis pré-pandêmicos (começo de 2019)
– De 2015 a 2021 foram os sete anos mais quentes da história
– As concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa continuam a aumentar
– As mudanças climáticas levaram a ondas de calor extremas e a grandes inundações em 2022
– As cidades são os maiores responsáveis pelas emissões globais e extremamente vulneráveis aos impactos climáticos
– À medida que o aquecimento aumenta, pontos de inflexão no sistema climático não podem ser revertidos
– Há um risco de 93% de ao menos um ano entre 2022 e 2026 seja o mais quente registrado
– O nível de ambição de redução de novas emissões terá de ser ao menos sete vezes maior para se atingir a meta de 1,5°C


Fonte: United Science


Alertas precoces


"Este relatório preocupante mostra que nosso lento progresso na redução do aumento dos gases de efeito estufa significa que o mundo não será capaz de conter o aquecimento global o suficiente para evitar pelo menos alguns impactos deletérios. Felizmente, a ciência meteorológica progrediu dramaticamente nos últimos 50 anos e, como resultado, agora temos sistemas de alerta precoce para ondas de calor, ciclones tropicais e até secas e inundações. Esses sistemas salvam vidas e melhoram os meios de subsistência e podem compensar o agravamento desses eventos extremos pelas mudanças climáticas. Mas precisamos continuar a melhorá-los, aumentar sua adoção e implementação, garantir que estejam disponíveis para todos e desenvolver outros métodos de adaptação às mudanças climáticas."


Neville Nicholls, professor da Escola da Terra, Atmosfera e Meio Ambiente da Universidade de Monash, na Austrália


Insetos em risco


Insetos adaptados a ambientes úmidos, como florestas tropicais, são extremamente sensíveis às mudanças climáticas, segundo um estudo publicado na revista Global Change Biology. O artigo traz o resultado de uma pesquisa de campo de cinco anos realizada no Peru: após curtos períodos de seca ou de aumento da precipitação resultou em um declínio de 50% na biomassa dos artrópodes. Segundo os pesquisadores, esses animais são mais suscetíveis às alterações do clima do que se suspeitava anteriormente.


"Na maioria das vezes, quando pensamos em mudanças climáticas, pensamos em temperaturas mais altas, mas os padrões de chuva também mudarão, o que é algo a que os insetos parecem ser especialmente sensíveis", disse Felicity Newell, pós-doutoranda e ex-aluna de doutorado com o Museu de História Natural da Flórida, que conduziu o estudo. "Estamos vendo que os extremos de chuva podem ter efeitos negativos em prazos muito curtos."


Nos trópicos


Newell e o coautor Ian Ausprey passaram dois anos e meio ao longo das encostas da Cordilheira dos Andes, no norte do Peru. Vivendo e trabalhando com os moradores das aldeias locais, eles coletavam insetos várias vezes ao ano em locais com mais de 1,4 mil metros de altitude. No total, acumularam 48 mil espécimes, que compararam com as medições de chuva e temperatura feitas ao longo do ano.


Os cientistas esperavam que a abundância de insetos estivesse fortemente ligada ao crescimento das plantas. Embora a maioria das árvores e arbustos não desfolhe nos trópicos, a produção de folhas jovens e flexíveis, favorecidas por pequenos invertebrados herbívoros, coincide com o início da estação chuvosa. Mas não foi isso que encontraram. Em vez disso, a chuva foi o maior preditor de quantos espécimes poderiam ser coletados em determinado local.


"A biomassa de artrópodes diminuiu após três meses de clima seco, mas também diminuiu após três meses de condições excepcionalmente úmidas", disse Newell. "Os insetos são incrivelmente diversos e importantes. Eles preenchem os papéis do ecossistema de polinização e decomposição e servem como recurso alimentar para muitas aves e mamíferos. Nosso modelo preditivo mostra que os insetos respondem aos extremos das chuvas, mas como eles respondem às mudanças climáticas a longo prazo ainda não se sabe."