TRADIÇÃO

Com os seios nus e algumas canas de junco, milhares de jovens se apresentaram neste sábado (17/9) para o rei dos zulus, o líder tradicional da principal etnia da África do Sul, em um rito que antigamente servia para que o soberano escolhesse suas esposas.


Interrompida pela pandemia de covid-19, a "dança dos juncos" é realizada normalmente todo mês de setembro, que marca o início da primavera neste país do sul do continente africano.


Diz a lenda que se a jovem não é realmente virgem, o junco não ficará apontado para o céu. Correio Braziliense


A maioria das jovens chegaram na véspera em grupos chefiados por uma responsável mais velha. Ao amanhecer, banharam-se no rio para "purificar" seus corpos.


Com os pés nas águas rasas, Amahle Shange, de 16 anos, mergulha as mãos na corrente. "Não posso acreditar que por fim chegou" a hora, diz à AFP esta moça que participa da dança pela primeira vez.


"Via as moças mais velhas irem ao 'Umhlanga' (junco em zulu) e tinha muita curiosidade", conta.


Ela e suas amigas se enfiam em barracas para acabar de se arrumar, com saias curtas plissadas e pérolas multicoloridas no pescoço, na cintura e nos cabelos.


A cerimônia ocorre nas colinas de KwaZulu-Natal, província no sudeste do país, voltada para o oceano Índico, em um palácio do povoado de Nongoma, reduto da família real zulu.


Antes da dança, as jovens são examinadas: apenas as que são virgens podem participar do rito.


Os defensores dos direitos humanos consideram que estes testes de virgindade são uma violação da intimidade e um ato degradante para as jovens.


"As moças participam de testes de virgindade se quiserem, é o corpo delas. Os que dizem que nossas tradições são antiquadas têm o direito de dar sua opinião", explica por telefone o doutor Nomagugu Ngobese, que realiza os testes.


Mas "isto faz parte da nossa cultura, não precisamos da opinião de ninguém", completa.


Disputa palaciana


Uma vez preparadas, cada uma das jovens pega um junco antes de se dirigir ao palácio real de Enyokeni. De um círculo de guerreiros com lanças e escudos, surge o rei MisuZulu kwaZwelithini, com pele de leopardo, e aceita o primeiro junco em meio a uma multidão de cerca de 10.000 pessoas.


"Desde que nasci, esta é a primeira vez que vejo um número tão grande de jovens e guerreiros assistindo a uma dança dos juncos", diz diante das mulheres.


O soberano, de 47 anos, que já tem duas esposas e pelo menos quatro filhos, foi coroado, segundo a tradição, no mês passado, após a morte de seu pai, Goodwill Zwelithini, que reinou por 50 anos.


A cerimônia é celebrada em meio a uma disputa sobre a legitimidade do novo rei zulu, que há um ano envenena o ambiente palaciano.


MisuZulu kwaZwelithini é filho da terceira esposa do antigo soberano, sua favorita. A primeira mulher denunciou a sucessão nos tribunais, que desconsideraram a contestação.


O príncipe Simakade, primogênito do falecido rei, mas nascido fora do casamento, também apresentou um recurso de urgência esta semana por se considerar o herdeiro legítimo.


Os irmãos de Goodwill Zwelithini também reivindicaram o trono para outro candidato que eles escolheram.


O país tem 11 milhões de zulus, um quinto da população sul-africana.


Nesta jovem democracia com onze línguas oficiais, os soberanos e líderes tradicionais são reconhecidos pela Constituição. Reis sem poder executivo, exercem grande autoridade moral e são profundamente respeitados.