Nos primeiros dias de cobertura, de certeza tínhamos só os mísseis que cruzavam os céus de Bagdá

JUCA VARELLA
FOLHA DE SÃO PAULO
UOL

Na madrugada de 20 de março de 2003, eu e o Sérgio Dávila, atual editor-executivo da Folha, entramos agitados no Palestine Hotel, no centro de Bagdá, depois um périplo de mais de três dias.

O que era para ser uma reportagem especial sobre um país ameaçado estava virando cobertura de guerra, uma das mais violentas desde a Segunda Guerra (1939-45).

Pouco antes das 6h daquele dia, caíam os primeiros Tomahawks, fazendo a cidade estremecer. Era o começo de uma cobertura assustadora, na qual todo o ódio resultante do 11 de Setembro seria despejado sobre um país fragilizado por mais de uma década de sanções econômicas.

Nenhum avião militar iraquiano decolou para tentar defender o país contra a investida que se descortinava. As poucas aeronaves que havia estavam inoperantes por falta de manutenção.

Para os cerca de 180 jornalistas que trabalhavam ali — eu e o Sérgio do Brasil, toda vez que um cheiro diferente ou que uma fumaça pairava sobre o local onde estávamos, disparava-se um alerta interior de que um ataque químico estaria ocorrendo. Preparávamos nossas máscaras.

A informação recorrente era a de que poderia, sim, haver um arsenal de armas químicas e nucleares no Iraque, já que essa fora uma justificativa para a invasão, além da presença da AlQaeda.

Nada disso se confirmaria, mas, nos primeiros dias de cobertura, de certeza tínhamos apenas os mísseis que cruzavam os céus de Bagdá.

Assim foi por mais de 30 dias, reportando o cotidiano dos bagdalis sob bombardeio intenso (apoiado no pretexto de uma "guerra preventiva"). Até que, em 9 de abril, o Iraque foi declarado ocupado, e o regime de Saddam Hussein já não existia. O país estava entregue ao caos.

Hospitais e museus eram saqueados à luz do dia. A desordem social estava instalada, e a resistência armada começava a se organizar.

Voltei outras três vezes ao país. Em 2005, quando ocorreram as primeiras eleições parlamentares, Bagdá ainda estava se reconstruindo e o perigo maior eram os sequestros. Foi quando o engenheiro brasileiro João José Vasconcellos Júnior foi raptado. Em 2007, seus restos mortais seriam encontrados e trazidos ao Brasil.

Em 2010, retornei para cobrir as segundas eleições, e os sequestros de ocidentais seguiam em alta. Bagdá buscava manter sua identidade em meio aos costumes ocidentais que já começavam a despontar nas ruas, enquanto a AlQaeda, agora sim instalada, organizava ataques e comandava a resistência contra a ocupação. O Estado Islâmico viria em seguida.

Em 2013, retornamos, eu e Sérgio Dávila, para cobrir os dez anos do início dos ataques e da ocupação norte-americana. Sinais da devastação de 2003 e de um país fragilizado estavam à mostra.

No dia que marcou o aniversário, dezenas de carros-bomba explodiram pela cidadeum deles, bem atrás do Sérgio, enquanto fazíamos uma reportagem multimídia. O subsolo do Palestine, antes um bunker, agora abrigava um clube de strippers.