O Programa Alimentar Mundial da Organização das Nações Unidas (PAM) alertou hoje que as reservas alimentares remanescentes na Faixa de Gaza permitem apoiar as atividades durante um período máximo de duas semanas. “Centenas de milhares de pessoas em Gaza estão novamente em risco de fome e subnutrição graves, uma vez que a expansão da atividade militar israelense interrompe seriamente as operações de assistência alimentar, afirmou o PAM.

“O PAM e os seus parceiros do setor da segurança alimentar não conseguem levar novos fornecimentos de alimentos para Gaza há mais de três semanas”, diz o comunicado da organização.

Israel rompeu unilateralmente o cessar-fogo em Gaza no dia 18 de março, e proibiu há semanas atrás a entrada de qualquer ajuda humanitária e bens essenciais além de cortar a eletricidade, o que não permite o funcionamento das instalações para dessalinização de água, no sul da região, privando centenas de pessoas de acesso à água potável. Segundo os recentes cálculos divulgados pelo Painel IPC (Integrated Food Security Classification), organização que mede a fome no mundo, estima-se que 95% da população de aproximadamente 2,1 milhões de habitantes estejam enfrentando algum nível de fome, com 344 mil palestinos com fome extrema.

 A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina diz que o cerco é total e nunca foi tão apertado.  “Desde 2 de março que vemos essas alegações do governo israelense de que há assistência humanitária entrando em Gaza. Nada entrou, nem comida, nem água, nem outro tipo de mantimento. Há três semanas e meia que não entra nada”, denunciou Juliette Touma, responsável pela comunicação da UNRWA, que pediu à presença de jornalistas internacionais em Gaza para investigar as violações dos direitos humanos.

Já o Catar, um dos principais países mediadores nas conversações, também fez diversas acusações contra o governo israelense sobre a situação de fome em Gaza. O primeiro-ministro catari, Mohammed bin Abdulrahman Al-Thani, inclusive declarou que a fome vem sendo imposta sistematicamente aos habitantes do enclave e considera ser parte integral da guerra brutal contra o povo da Palestina. Al-Thani apelou recentemente à comunidade internacional e a urgência de todos nas Nações Unidas para assumirem as suas responsabilidades diante desta catástrofe humanitária na região.

A volta dos ataques israelenses também já causou mais de 800 mortos e cerca de 1787 feridos. O número total de mortos no enclave desde o início da guerra superou 50 mil palestinos.

O Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (OCHA), que coordena a resposta a emergências humanitárias, informou que o sistema de saúde em Gaza está sob uma enorme pressão, lutando para fornecer o tratamento necessário aos pacientes, num contexto de aumento acentuado de vítimas, de uma grave queda nas reservas médicas por causa da interrupção na entrada de mantimentos e de falta de equipamento médico, unidades de sangue e pessoal médico especializado. “O estoque existente de medicamentos anestésicos, que são essenciais para as cirurgias, o trabalho de parto, a gestão da dor e os cuidados na UTI estão se esgotando, juntamente com os principais produtos médicos necessários. Não há vacinas rotavírus e é urgente obter a aprovação das autoridades israelenses para o seu envio", diz a nota emitida pela OCHA.

O porta-voz do secretário-geral da ONU, Stéphane Dujarric, declarou ainda que em apenas uma semana pelo menos 142 mil pessoas foram deslocadas em Gaza após o recomeço das operações militares israelenses. “E esperado que este número aumente. O espaço disponível para as famílias sobreviverem está diminuindo”, apontou. Dujarric afirma que 17% da população se encontram atualmente sob ordem de evacuação das autoridades de Israel. Mas, o porta-voz ainda recordou que 90% dos palestinos no enclave já foi forçado a se deslocar pelo menos uma vez desde o início da guerra.

Enquanto isso, uma delegação do Egito, um dos mediadores nas negociações de Gaza, mantém os esforços para restaurar a trégua. As autoridades egípcias viajaram para o  Catar para negociações sobre a libertação de reféns, a permissão para entrar ajuda humanitária no enclave e a tentativa para o avanço da segunda fase de um cessar-fogo.

Quebra do acordo de cessar-fogo

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, avisou que a retomada dos ataques em Gaza foi apenas o início e que as negociações, a partir de agora, serão realizadas debaixo de fogo. Netanyahu justificou as ofensivas porque o Hamas recusou libertar os restantes dos reféns e por ter rejeitado as propostas dos Estados Unidos para prolongar a primeira fase do cessar-fogo, em vez de passar à segunda fase do acordo, como originalmente havia sido acertado entre as partes.

Por outro lado, o Hamas exigiu que Israel cessasse imediatamente as hostilidades e que a segunda fase prevista no acordo de tréguas começasse. O grupo reiterou que não tinha necessidade de novos acordos, pois já existe um acordo assinado por todas as partes. O acordo de tréguas, que entrou em vigor no dia 19 de janeiro, tinha três etapas. A primeira fase terminou em 1 de março, sendo que Israel e o Hamas não chegaram a um entendimento sobre como prosseguir. Das 251 pessoas raptadas durante o ataque em 7 de outubro de 2023, 58 permanecem ainda em Gaza, sendo que 34 das quais foram dadas como mortas pelo exército israelense. Na segunda fase do acordo, o Hamas libertaria os restantes dos reféns e Tel Aviv retiraria as tropas de Gaza.  Mas, ao invés de se avançar para a segunda etapa, Israel e os EUA pressionaram por uma extensão da primeira fase até meados de abril, com mais reféns a serem libertados em troca de mais prisioneiros palestinos. O Hamas não aceitou a proposta e insistiu que seja cumprido o acordo inicial.

O grupo, além do mais, alegou que faz tudo o que é possível para manter vivos os prisioneiros da ocupação, mas que os bombardeios israelenses aleatórios estão a pôr em perigo as suas vidas. “Sempre que a ocupação tenta recuperar os seus prisioneiros pela força, acaba por trazê-los de volta em caixões”, argumentou.