As forças de segurança lançaram nesta terça-feira (26) à noite bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes que bloqueavam uma rodovia em Cartum, capital do Sudão, para protestar contra o golpe de Estado.

O primeiro-ministro deposto, Abdala Hamdok, retido desde a véspera, foi levado para sua casa na capital sudanesa, e "foram tomadas medidas de segurança no perímetro de seu domicílio", afirmou sob anonimato uma fonte militar, sem querer informar se agora está em prisão domiciliar.

O gabinete do premier confirmou a informação, acrescentando que Hamdok e sua esposa estão "sob estreita vigilância".

"Vários ministros e dirigentes políticos continuam detidos em locais desconhecidos", prosseguiu o gabinete em nota. 

Na segunda-feira, os militantes detiveram quase todos os dirigentes civis do Sudão, antes de seu líder, o general Abdel Fattah al Burhan, anunciar a dissolução de todas as instituições do país.

Em Nova York, o Conselho de Segurança da ONU iniciou uma reunião a portas fechadas sobre o golpe de Estado no país africano, condenado pela comunidade internacional.

Pelo segundo dia consecutivo, milhares de sudaneses protestaram contra o exército em Cartum, bloqueando ruas do centro da capital com pedras, galhos e pneus em chamas. As forças de segurança foram mobilizadas com blindados em pontes e grandes rodovias.

À noite, as forças de segurança dispararam bombas de gás lacrimogêneo contra pessoas que bloqueavam uma rodovia, segundo testemunhas. Mas os manifestantes continuaram com o protesto.

Na segunda-feira, ao menos quatro manifestantes morreram atingidos por tiros "disparados pelas forças armadas" e mais 80 ficaram feridos, informou um sindicato de médicos pró-democracia.

Os manifestantes querem "salvar" a "revolução" que depôs o ditador Omar al Bashir em 2019, após uma repressão que matou 200 pessoas.

"Não sairemos das ruas até que o governo civil seja reinstalado", declarou à AFP Hocham al Amin, um engenheiro de 32 anos.

- "Atacar o exército" -
Durante coletiva de imprensa, o general Abdel Fattah al Burhan, novo homem forte do Sudão, defendeu nesta terça o golpe um dia depois de ter destituído as autoridades de transição (o Conselho soberano) e detido ministros e autoridades civis.

Ele afirmou ter destituído as autoridades, que deviam conduzir o país para a transição porque "alguns atacavam o exército contra este componente essencial da transição".

O futuro político deste país pobre do leste da África é uma incógnita. Por enquanto, todos os voos com origem e destino no aeroporto de Cartum foram suspensos "até 30 de outubro", informou à AFP Ibrahim Adlan, diretor de aviação.

Para a troika de países (Estados Unidos, Grã-Bretanha e Noruega), que mediou conflitos sudaneses previamente, "as ações dos militares traíram a revolução e a transição".

Para aumentar a pressão sobre os golpistas, os Estados Unidos anunciaram a suspensão de uma ajuda de 700 milhões de dólares, destinada à transição, que devia levar este país a suas primeiras eleições livres.

A União Europeia também ameaçou suspender o apoio financeiro "se a situação não se inverter imediatamente".

- Processo frágil -
Apensa Moscou se descolou das críticas e atribuiu o golpe a "uma política equivocada" e à "ingerência estrangeira" neste país, onde russos, turcos, americanos e sauditas disputam a influência, atraídos por seus portos estratégicos no Mar Vermelho.

O processo de transição no país, motivo de orgulho para muitos sudaneses ante o desenlace decepcionante de outras revoltas pró-democracia no mundo árabe, claudicava há tempos.

Em abril de 2019, militares e civis acordaram expulsar Bashir do poder e formar o Conselho Soberano, composto equitativamente por membros dos dois grupos para organizar as primeiras eleições livres no fim de 2023.

O golpe freia a transição e expõe com toda clareza o racha crescente entre os que pediam um governo exclusivamente civil e os que reivindicam um Executivo de generais que tirariam o Sudão do marasmo político e econômico.

Segundo Jonas Horner, pesquisador do International Crisis Group, "é um momento existencial para os dois lados", em um país onde já houve uma tentativa de golpe há um mês. "Este tipo de intervenção [...] reintroduz a ditadura como opção", disse.

Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, afirmou que houve um "desastre".

Diante das críticas, o general Burhan afirma que serão respeitados os acordos internacionais assinados pelo Sudão, um dos quatro países árabes que normalizaram recentemente suas relações com Israel.