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Lisboa — Mais de 100 mil brasileiros estão em situação irregular em Portugal, à espera do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão responsável por conceder as autorizações de residência e trabalho no país europeu. O dado foi repassado ao senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR) pelos três consulados e pela embaixada do Brasil em território luso. O número coincide com o divulgado recentemente pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, ao qual o órgão responsável pelo sistema de imigração português está subordinado. Ele afirma que a lista de pendências do SEF passa de 200 mil pessoas, sendo a maior parte, de brasileiros.
A demora do SEF para a regularização de estrangeiros está criando problemas sociais enormes. "Sem a documentação necessária, essas pessoas não conseguem arrumar empregos formais, abrir contas em bancos nem alugar imóveis", diz o senador. "O resultado é o aumento da vulnerabilidade dos imigrantes. O que observamos nas visitas a Lisboa, ao Porto e a Faro, onde estão os três consulados, foi uma situação dramática entre os brasileiros. Constatamos pessoas vivendo em condições sub-humanas", ressalta o parlamentar, encarregado de apresentar um dossiê ao Senado sobre a realidade dos brasileiros em Portugal.
Os relatos dos indocumentados comovem. Há 15 dias, um casal, com uma criança, foi resgatado dormindo em uma estação de trem próxima a Lisboa. Marido e mulher desembarcaram em Portugal certos de que um dos dois arrumaria imediatamenteemprego, garantindo recursos para o aluguel e a alimentação. Dois meses se passaram e o esperado trabalho não veio. Sem dinheiro para bancar o aluguel do local onde estavam provisoriamente, foram despejados.
"É fato que todas as comunidades de estrangeiros que vivem em Portugal estão enfrentando dificuldades", destaca o deputado português João Moura, do PSD. "Portugal e toda a Europa passam por um momento muito especial, com inflação alta (na casa dos 10% ao ano) e aluguéis caros (alta média de 37% em 2022)", acrescenta. Ele reconhece, porém, que Portugal "precisa, mais do que nunca, dos brasileiros, pois enfrenta uma crise demográfica". Há falta de mão de obra para serviços básicos, como no setor de turismo.
De nada adianta ter essas oportunidades no mercado de trabalho se as autoridades portuguesas não se empenham por oferecer condições dignas aos imigrantes que chegam ao país, pondera José Vicente, integrante do coletivo Rede de Apoio Mútuo. "Há pessoas que estão esperando pela regularização pelo SEF há mais de dois anos", enfatiza.
Repatriação
Diretor-geral da Organização Internacional para Migrações (OIM), Vasco Malta reforça esse quadro alarmante. Ele apresentou dados ao senador Chico Rodrigues nos quais estima que ao menos 10% dos 233,1 mil brasileiros registrados oficialmente em Portugal enfrentam dificuldades para se manter no país. Ou seja, 23,3 mil não conseguem fechar as contas do mês. "Se aqueles que têm registro formal, que podem trabalhar legalmente, enfrentam problemas, imagine aqueles que estão na ilegalidade. Esses estão entregues à própria sorte", afirma o parlamentar.
O aperto vivido por brasileiros tem sido tão forte que muitos estão preferindo abandonar os sonhos no meio do caminho e fazer o caminho de volta. Nos cálculos do diretor-geral da OIM, no ano passado, 903 cidadãos oriundos do Brasil foram repatriados com a ajuda do órgão, o triplo do observado três anos antes. Somente em janeiro de 2023, que ainda não acabou, 1.050 brasileiros se inscreveram no programa da organização para retornar ao país.
"São dados assustadores. E chama a atenção que os pedidos de repatriação têm partido de pessoas que chegaram a Portugal há pouco tempo, alguns, há semanas. É uma vulnerabilidade precoce", comenta o senador. Nesses casos, acredita ele, a maioria é de vítimas de youtubers, que espalham fake news pela internet. A propaganda enganosa está tão forte que a Justiça portuguesa abriu investigações contra 22 influencers brasileiros.
Para Chico Rodrigues, tanto o Itamaraty quanto a Justiça brasileira devem requisitar às autoridades portuguesas informações sobre tais investigações, de forma a se contraporem às notícias falsas. "Outra ação importante é reforçar o quadro de pessoal dos consulados, para que possam dar o suporte necessário a quem precisa. Esses órgãos estão sem concursos há muito tempo", frisa.
"Eu existo"
Com o desespero batendo à porta, brasileiros que aguardam a regularização documental por parte do SEF decidiram unir forças e lançaram o movimento "Eu existo, com ou sem visto". Recentemente, tomaram as ruas de Lisboa numa passeata até a porta da Assembleia da República, o parlamento português, como forma de pressionar os deputados a avançarem com projetos que tornem o processo migratório mais fácil. A primeira reação veio do PSD, o maior partido da oposição, que colocou em debate um projeto para a criação de uma agência de imigração. A proposta, entretanto, foi derrubada pelo PS, a legenda do primeiro-ministro, António Costa, que tem maioria no Legislativo.
O governo, em contrapartida, prometeu colocar em prática a adiada reestruturação do SEF, que, se ressalte, está sobrecarregado ante o forte aumento da imigração — são 757,2 mil estrangeiros vivendo legalmente em Portugal. A proposta do PSD pretendia dar à agência de imigração a formulação de políticas públicas, deixando o poder de polícia, hoje também exercido pelo SEF, com o sistema de segurança. "A imigração tornou-se um problema público, que deve ser solucionado por meio de políticas públicas. A economia portuguesa é dependente dos imigrantes", assinala o advogado Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto.
Parte importante dos mais de 100 mil brasileiros que estão à espera da regularização junto ao SEF recorreu a um instrumento chamado manifestação de interesse. São pessoas que entraram em Portugal como turistas e foram ficando. "A legislação nos dá esse direito, mas o Estado não está preparado para cumprir o que promete", reclama a mineira Aisha Noir, 28 anos, há três em Lisboa. "Essa demora nos deixa numa enorme vulnerabilidade. Muita gente é explorada por não ter documento", conta.
Depressão
Não é só. Os indocumentados, por tudo o que enfrentam, acabam engolfados por sérios problemas emocionais, mergulhando na depressão. Isso abre caminho para uma série de questões, inclusive violência doméstica, que aumentou consideravelmente no país europeu. Muitos também ficam sem acesso adequado a serviços básicos, como saúde, educação e transporte. "Uma humilhação", destaca Débora Dias, do Coletivo Andorinha.
Na avaliação da psicóloga Bárbara Andrade, imigrar não é um ato trivial, é uma mudança estrutural de vida. "Quando se dão conta de que os planos no outro país não saíram como o esperado, muitos imigrantes acabam ficando fragilizados. Há aqueles que, mesmo enfrentando dificuldades, não admitem o fracasso e a frustração, e se recusam a dar um passo atrás e voltar para o país de origem, porque investiram muito nesse processo", explica. "Planejamento é tudo, rede social não é vida real", emenda.
Como não há, por parte do governo português, uma ação estruturada para o acolhimento dos imigrantes em dificuldades, o trabalho está recaindo sobre entidades civis. As igrejas também cumprem papel importante. O pastor Fabrizio Santos, da Associação Adonai Church, ressalta que nunca concedeu tantas cestas básicas para brasileiros em situação de vulnerabilidade como agora.
Na reunião de cúpula, Lula cobrará regularização
A situação alarmante dos mais de 100 mil brasileiros que vivem irregularmente em Portugal e estão à espera de atendimento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deverá ser um dos temas principais da Cúpula entre Brasil e Portugal, marcada para abril. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já foi alertado de que há cidadãos que migraram para o país europeu em busca de melhores condições de vida, mas que acabaram se frustrando. Vários não têm onde morar e passam fome.
Responsável por elaborar um dossiê para o Senado sobre a realidade dos brasileiros em terras lusitanas, o senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR) percorreu, nos últimos cinco dias, os três principais centros de Portugal — Lisboa, Porto e Faro. "E a constatação foi alarmante: há milhares de cidadão oriundos do Brasil passando necessidade", diz.
Os levantamentos feitos pelos três consulados e pela embaixada do Brasil em Portugal apontam que parcela importante dos mais de 100 mil brasileiros indocumentados entrou em território luso como turista. Agora, eles recorrem a um expediente da lei, a manifestação de interesse, para se legalizarem.
A expectativa no governo brasileiro é de que Lula repita o feito conquistado em seu primeiro mandato, quando conseguiu fechar um acordo com o governo português para a legalização dos brasileiros que viviam ilegalmente em Portugal até 2003. Foi o caso de Carlos Viana. "Vivia em Portugal havia anos, mas só depois do acordo entre os dois países pude me regularizar. Se a burocracia não atrapalhar, uma nova negociação nesse sentido pode avançar", destaca.
Estudantes
A agenda da Cúpula deve envolver, ainda, acordos de reciprocidade entre estudantes brasileiros e portugueses. Apesar de vários pontos nesse sentido estarem em vigor, pouco se cumpre por descaso do governo de Portugal. "Somente em Coimbra são mais de 3,5 mil estudantes brasileiros. Em Faro, há 1,5 mil", afirma o senador. As reclamações se estendem em relação à equivalência de notas e diplomas. "Tem, ainda, a questão da bitributação que recai, principalmente, sobre aposentados brasileiros que decidiram morar em Portugal", acrescenta.
Parte do descaso português com essas questões decorre da péssima relação do país com o Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro. Ele foi o único presidente eleito no regime democrático que não visitou Portugal. Quando Lula venceu a mais recente eleição, visitou Portugal, quando ficou acertada a reunião de cúpula entre os dois países.
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Diretor-geral da Organização Internacional para Migrações (OIM), Vasco Malta reforça esse quadro alarmante. Ele apresentou dados ao senador Chico Rodrigues nos quais estima que ao menos 10% dos 233,1 mil brasileiros registrados oficialmente em Portugal enfrentam dificuldades para se manter no país. Ou seja, 23,3 mil não conseguem fechar as contas do mês. "Se aqueles que têm registro formal, que podem trabalhar legalmente, enfrentam problemas, imagine aqueles que estão na ilegalidade. Esses estão entregues à própria sorte", afirma o parlamentar.
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"Eu existo"
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Como não há, por parte do governo português, uma ação estruturada para o acolhimento dos imigrantes em dificuldades, o trabalho está recaindo sobre entidades civis. As igrejas também cumprem papel importante. O pastor Fabrizio Santos, da Associação Adonai Church, ressalta que nunca concedeu tantas cestas básicas para brasileiros em situação de vulnerabilidade como agora.
Na reunião de cúpula, Lula cobrará regularização
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