WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Alvo de fritura por setores do Partido Republicano, após um resultado abaixo do esperado nas midterms e uma série de investigações que ganham corpo contra ele, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump deu um jeito de subir ele mesmo a temperatura do óleo.
 
O político recebeu na última semana em seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida, Nick Fuentes, notório supremacista branco, em um jantar que contou ainda com a presença do rapper Kanye West -que hoje se apresenta como Ye.

O encontro se deu dias depois de Trump se apresentar como pré-candidato à Presidência em 2024 e ver crescerem as cobranças pelo desempenho ruim do partido nas eleições de meio de mandato -ele bancou candidatos inexperientes e extremistas, que afastaram eleitores moderados dos republicanos.

Nesse contexto, receber um racista declarado e um rapper envolto em controvérsias de mesmo quilate na semana do Dia de Ação de Graças, um dos feriados mais importantes do país, só aumentou a pressão.

Fuentes, 24, é considerado supremacista branco pelo próprio Departamento de Justiça dos EUA. Ele foi expulso de redes sociais como o YouTube e hoje usa seu podcast para propagar abertamente um discurso antissemita e racista -entre outras coisas, negando o Holocausto.

Ele participou da marcha racista "Una a direita", na Virgínia em 2017, que reuniu supremacistas e neonazistas e terminou com três mortos. Depois que Trump perdeu a eleição para Joe Biden, em 2020, instou apoiadores do republicano a "invadir o Legislativo de todos os estados até 20 de janeiro", data em que o democrata tomou posse, e liderou manifestantes nas imediações do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, em Washington, quando o prédio foi invadido.

Críticos do ex-presidente foram rápidos em subir o tom nos últimos dias. "Andar por aí com um supremacista branco antissemita e pró-Putin não é complicado; é indefensável", disse a deputada Liz Cheney, da ala mais anti-Trump do Partido Republicano e que integra o comitê da Câmara que investiga o ataque ao Congresso.


Senadores também se manifestaram e até um governador, Asa Hutchinson, do Arkansas, criticou o jantar. "Não acho uma boa ideia um líder, que é visto como exemplo pelo país e pelo partido, se encontrar com um racista e antissemita declarado", disse à rede CNN. "Fique longe disso." Hutchinson é republicano, e se prepara para dar lugar a Sarah Huckabee Sanders, do mesmo partido.

Mesmo aliados próximos fizeram questionamentos, caso de David M. Friedman, advogado do político e ex-embaixador em Israel. "Ao meu amigo Donald Trump: você é melhor do que isso", escreveu no Twitter, chamando Fuentes de escória humana e o encontro de inaceitável. "Conclamo que você [Trump] rejeite esses vagabundos e relegue-os para a lata de lixo da história, onde pertencem."

Cresce dentro do partido a dúvida quanto à capacidade do ex-presidente de ganhar uma nova eleição, enquanto nomes como o de Ron DeSantis ganham cada vez mais força. O governador reeleito da Flórida, visto como uma espécie de Trump da nova geração, preferiu se manter distante da controvérsia.

Outro pré-candidato, o ex-vice de Trump, Mike Pence, não fez o mesmo. "O presidente errou em dar um lugar à mesa a um nacionalista branco, antissemita e negador do Holocausto. Pesno que ele deve pedir desculpas."

O político até tentou se distanciar e escreveu em rede social que não conhecia Fuentes. "Kanye West me ligou para jantar em Mar-a-Lago. Pouco depois, apareceu de forma inesperada com três amigos, dos quais eu não sabia nada", afirmou. "Jantamos na noite de quinta-feira com muitas pessoas no pátio. O jantar foi rápido e desimportante. Depois eles foram para o aeroporto."

A questão aqui é que, além de Fuentes, Ye é acusado de racismo e antissemitismo -e sua aproximação com o ex-presidente também incomoda a ala centrista do partido.

O rapper se lançou pré-candidato à Presidência na última semana e disse que foi a Mar-a-Lago pedir que Trump seja seu vice –o que, segundo o próprio músico, foi rejeitado de pronto. "Trump começou basicamente a gritar comigo e dizer que eu iria perder. Isso já funcionou com alguém alguma vez na história?", disse, em um vídeo publicado no Twitter e apagado depois. "Eu disse: 'Calma, calma, calma, calma, calma, Trump. Você está falando com Ye'."

A oposição aproveitou as deixas do jantar. Biden, questionado no fim de semana sobre o caso, foi seco: "Vocês não querem ouvir o que eu acho disso". Nesta segunda (28), a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, afirmou que "não há lugar para esse tipo de forças vis na sociedade" e que não se manifestar contra o racismo "também é incrivelmente perigoso".

O caso coroa uma nova fase ruim para Trump, que viu voltar ao noticiário uma antiga acusação de agressão sexual. No mesmo dia em que entrou em vigor em Nova York uma lei que permite que vítimas de crimes do tipo processem seus abusadores mesmo que o episódio tenha acontecido há muito tempo, a jornalista E. Jean Carroll abriu uma ação contra Trump por difamação e agressão.

O estupro teria ocorrido em 1995, e ela já havia processado o ex-presidente por difamação em 2019. Ele nega as acusações.