PANDEMIA DE CORONAVÍRUS

Madri -


No dia 15 de maio, o partido de ultradireita Vox divulgou um vídeo comemorativo do Movimento 15-M, uma série de protestos organizados pelas redes sociais na Espanha em 2011, que levou às ruas multidões dos chamados indignados, em sua maioria jovens, que reivindicavam uma mudança política no país, num momento em que o desemprego juvenil chegava alarmante cifra de 40%. Apesar de o partido de ultradireita gostar de aniversários (da batalha de Covadonga até a tomada de Granada), seu tributo ao movimento que ocupou a Puerta del Sol em 2011 e deu origem ao esquerdista Podemos desconcertou muita gente. Mas, embora possa parecer uma piada, a tentativa de se apresentar como herdeiro dos indignados de nove anos atrás era resultado de uma estratégia.

Assim como o Podemos de Pablo Iglesias, o Vox se vangloriou em sua origem de ser um movimento cultural mais do que político. Não se tratava apenas de ocupar o poder, mas de combater o suposto pensamento hegemônico da esquerda em questões como a violência de gênero ou a imigração. Mas a entrada nas instituições ― nas últimas eleições gerais se tornou a terceira força política ― acabou domesticando-o e o próprio Santiago Abascal, presidente do Vox, foi visto na tribuna do Congresso defendendo o respeito à diversidade sexual.


O refluxo do tsunami independentista catalão e a guinada do PP para a direita, conduzida por Pablo Casado, atual presidente do partido, privaram-no de oxigênio político. Em comunidades autônomas como Madri, Andaluzia ou Múrcia, o Vox se tornou uma mera muleta do PP; e, diante das próximas eleições bascas e galegas, seu papel não é apenas marginal, mas irrelevante.

No entanto, o mal-estar provocado pela gestão do socialista PSOE na crise do coronavírus e o longo e penoso confinamento deram-lhe a oportunidade de se reinventar. Não é mais necessário apelar a supostos veteranos do 15-M convertidos às ideias do Vox, o caldo de cultura está muito mais à mão: nos atuais indignados que todas as noites manifestam seu mal-estar em panelaços.

Foi na Rua Núñez de Balboa, no bairro madrilenho de Salamanca, onde há 10 dias os moradores começaram a descer das varandas e terraços para protestar na rua, envoltos em bandeiras espanholas e sem respeitar a distância de segurança exigida pelas autoridades sanitárias. Logo a faísca saltou para outros bairros da capital e se espalhou para muitas cidades espanholas.

Dirigentes do Vox, como Iván Espinosa de los Monteros e Rocío Monasterio, participaram dos panelaços, mas de maneira discreta, juntando-se a concentrações “lideradas pelos próprios moradores”, nas palavras do porta-voz parlamentar.

O partido de extrema direita já tem seu “movimento transversal” de indignados, incentivado por sua televisão de sempre, El Toro (a antiga Intereconomía, que mudou de nome, mas não de estilo); e por outros veículos de comunicação de ar mais moderno, como o canal de YouTube Estado de Alarma, protagonizado por debatedores ativistas e políticos ativos ou aposentados como Rosa Díez e Esperanza Aguirre.

Juntamente com associações recém-criadas, como a autodenominada Resistência Democrática, à qual se atribuem os panelaços do bairro de Salamanca, em Madri, aderiram grupos veteranos; entre outros a ultracatólica Hazte Oír e a Asociación de Militares Españoles (AME), promotora do manifesto de apologia a Franco assinado por centenas de militares aposentados.

Mas o risco dos movimentos transversais é que saiam do controle. Enquanto Santiago Abascal aplaude a “revolta das máscaras”, outros falam em “revolução das máscaras”, convertendo assim em revolucionário o movimento de protesto dos bairros mais ricos. E o Vox teve que se distanciar publicamente das manifestações de protesto protagonizadas por alguns de seus hooligans diante da casa do vice-presidente Pablo Iglesias ou do ministro José Luis Ábalos; uma prática copiada do Movimento 15-M, que a ultradireita agora quer emular.