PORTUGAL

Os brasileiros que vivem em Portugal estão em situação menos vulnerável que outros grupos de estrangeiros, afirma o prefeito de Lisboa, Carlos Moedas. Segundo ele, os cidadãos oriundos do Brasil, que representam um terço dos imigrantes que vivem no país europeu, conseguiram criar, ao longo dos anos, uma rede de proteção social. Ou seja, aqueles que enfrentam dificuldades acabam, em boa parte dos casos, conseguindo ajuda com conhecidos, igrejas e mesmo ONGs. Isso, no entender de Moedas, não ocorre com outros grupos de estrangeiros, como, por exemplo, os do Paquistão e de Bangladesh, que "enfrentam situações terríveis". O movimento migratório desses países é bem mais recente.

"Pela experiência do que vejo, os brasileiros já têm uma rede social diferente. Tem uma rede de ajuda, que lhes permite, em situações de aflição, serem socorridos. Mas é um fluxo que vem de décadas. Há imigrantes mais recentes, como é o caso de cidadãos do Paquistão, de Bangladesh", afirma Moedas. Nos cálculos dele, a prefeitura de Lisboa atende, hoje, cerca de 300 pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, que não têm o que comer nem onde morar. A maior parcela é de estrangeiros. "Tentamos ajudar essas pessoas todos os dias, por meio dos nossos próprios serviços e com apoio da Santa Casa da Misericórdia e de outras associações. Procuramos encontrar trabalho e uma casa para elas", ressalta.

O prefeito reclama que muitos desses estrangeiros em dificuldades são "despejados" em Lisboa por empresários que atuam à margem da legislação. Atraem as pessoas com promessas de trabalho, sobretudo na agricultura, mas, depois de encerradas as colheitas, dois ou três meses após a chegada deles em Portugal, os dispensam sem qualquer proteção. Ele lembra um caso recente, de muita repercussão, em que mais de 1 mil pessoas oriundas do Timor Leste aportaram no bairro de Martim Moniz completamente desprotegidas.

"Essas pessoas foram trabalhar em terras no Alentejo. Acabou o contrato e os empresários puseram essas pessoas em caminhonetes e as trouxeram para Lisboa, depositaram essa gente, sem se importarem para onde elas iam”, conta Moedas. Na avaliação dele, esse descaso decorre da falta de responsabilidade dos agentes públicos, que não controlam de forma adequada do sistema de imigração, e do descompromisso de agentes privados, que devem ser chamados pelo Estado para assumir suas responsabilidades. “Trazer pessoas para Portugal com contratos de dois meses e, ao fim, as deixarem na rua é inaceitável. Lisboa, obviamente, acaba por receber muitos dos que vêm nessa situação, pois somos o centro", ressalta, cobrando políticas migratórias mais consistentes, como atrelar a entrada de imigrantes ao mercado de trabalho.

Necessidade de mão de obra

Segundo o prefeito, as críticas nada têm a ver com algum tipo de preconceito, muito pelo contrário. "Portugal precisa de mais imigrantes, vamos ser claros. Temos a sorte de Lisboa ser uma das cidades mais internacionais da Europa: 20% da população é estrangeira. E isso é muito bom para a cidade", assinala. "Agora, temos de dar condições às pessoas que vêm para Lisboa para que vivam bem. Infelizmente, hoje, temos uma política de imigração em que as pessoas vêm para Lisboa de forma completamente precária, sem ter local para viver, sem ter emprego. Isto não é uma política de imigração", acrescenta.

Para ele, o prefeito (presidente da Câmara Municipal) não pode resolver problemas de imigração. "No meu caso, posso ajudar a pensar políticas, até pela experiência que tenho como comissário europeu. Mas é o Estado que tem de definir as políticas. Atualmente, o que vemos são estrangeiros em situação indigna", reforça. “O (recente) incêndio que houve (no bairro da) Mouraria — em que morreram dois indianos, um de apenas 14 anos — ainda é uma situação que não me deixa dormir à noite. Ver a situação indigna em que aquelas pessoas viviam revolta a todos”, emenda.

No entender de Moedas, Portugal deveria olhar para outros países europeus, como Alemanha e Suécia, e mesmo para o Canadá, que têm políticas de imigração bem definidas. Nesses países, os estrangeiros são atraídos por meio de contratos regulares de trabalho para áreas em que há demanda de mão de obra, de acordo com as necessidades. “Agora, as pessoas chegarem em Portugal sem ter absolutamente nada não é justo. Precisamos de uma política que defina em se setores os imigrantes podem trabalhar. Portugal precisa de muitas pessoas, mas tudo tem de ser definido pelo governo”, afirma.

Outro exemplo claro da falta de uma política consistente de imigração em Portugal, destaca o prefeito, é o fato de milhares de pessoas estarem há mais de dois anos esperando por uma entrevista no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “Enquanto esperaram, ficam precariamente na cidade. Nós ajudamos essas pessoas todos os dias, mas deixá-las esperando pela regularização por todo esse tempo é vergonhoso”, critica o prefeito. Para tentar resolver essas pendências, o governo lançou, nesta segunda-feira (13/03), um sistema on-line que permitirá a concessão de autorização de residência em até 72 horas para cerca de 150 mil cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre eles, o Brasil.

Melhores cidades

Moedas acredita que é necessário muito mais. “É preciso haver um acompanhamento para que todos os imigrantes tenham um contrato de trabalho. Saber, exatamente, a cada ano, as necessidades que o país tem de mão de obra. O que nós não podemos fazer é tratar as pessoas como hoje as tratamos, sem dignidade”, diz. “Estamos falando de pessoas que são essenciais numa cidade para a inovação e a criatividade”, frisa.

Ele acrescenta que as melhores cidades do mundo para se viver são as que têm muitos imigrantes. Exatamente porque, ao juntar formas diferentes de pensar, produzem riqueza. “Mas a política de imigração, como está, não funciona, está muito longe daquilo que deveria ser para uma cidade como Lisboa, que precisa de imigrantes. Lisboa, na sua gênese, é uma cidade aberta. Não há nada de fechado. Agora, é preciso tratar as pessoas com dignidade”, enfatiza.