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Até na China, origem da pandemia, há casos de preconceito contra estrangeiros, desde que o país conseguiu reduzir a transmissão local e começou um esforço para evitar uma segunda onda de contaminação, desta vez vinda de fora.
Uma reportagem do jornal inglês The Guardian traz casos de pessoas expulsas de restaurantes, lojas e hotéis, e um vídeo que circula na internet mostra três russos impedidos de entrar em uma loja para comprar máscaras.
Na Índia, onde quase 180 brasileiros tentam ser repatriado após o fechamento das fronteiras, parte conta ter vivido momentos tensos, especialmente em cidades menores.
A servidora pública Claudia Segobia, 50, foi pressionada para sair do hotel onde estava havia mais de um mês em Vrindavana, no norte do país. "Começaram a me perseguir lá dentro. Fui chamada por três homens da administração, pediram meu passaporte, eu ingenuamente dei na mão deles. Disseram que teriam que entregar o documento à polícia e que viriam me buscar para fazer exame e me colocar em quarentena."
Hoje, ela está na casa de uma amiga. "No caminho para lá, começaram a apontar para mim na rua e a gritar: 'Corona, vá para casa!'", lembra. "Descobriram meu telefone, não sei como, e me ligaram dizendo que sabem onde estou e que vão chamar a polícia."
Em vídeo enviado à reportagem, ela mostra um tecido que colocou na janela do quarto onde está, para não ser vista do lado de fora. "Estou com muito medo, não saio para nada. E a situação tende a piorar. Nenhum relato consegue expressar o que estou sentindo. Foi muita humilhação."
Cláudia diz que informou a embaixada brasileira e que tem recebido suporte do corpo diplomático. "Mas precisamos sair daqui. Espero que algo possa ser feito por nós."
Em outra pequena localidade no leste da Índia, o fotógrafo Tiago Mendonça, 38, foi expulso com um amigo mexicano que o acompanha na viagem. "A dona do hostel começou a nos pressionar para sairmos. Ela estava muito ansiosa, acho que estava sendo pressionada também. Um dia, saímos para comer, e três adolescentes pegaram uma pedra no chão e nos olharam, dizendo: 'Você não é bem-vindo aqui'."
Na noite seguinte, alguém jogou uma pedra no telhado do hostel. "Era um paralelepípedo enorme, fez um barulho muito alto." A dupla saiu da cidade e está em um lugar seguro.
"A paranoia está criando um sentimento de repúdio aos estrangeiros. Não os culpo, estão com medo. É um problema no mundo todo, mas as pessoas não deveriam procurar um culpado", afirma.
Em uma enquete feita por um dos brasileiros que aguardam repatriação na Índia, respondida por 140 pessoas na mesma situação, 23 relataram ter sofrido hostilidades por parte da população e 13, por parte da polícia. Ao menos 30% temem que as hostilidades aumentem à medida que surgirem mais casos no país.
Um dos depoimentos reunidos pelo grupo é de uma brasileira que se hospedou na casa de um guru de ioga após seu curso ter sido suspenso. Um grupo de 20 policiais foi até a residência, obrigando todo mundo a ficar de quarentena, e divulgou para a população local que a casa estava infectada por tê-la recebido. "Estamos vendo muitos atos xenofóbicos por autoridades na Índia. Para os mesmos, se você for estrangeiro, é um coronavírus ambulante", diz o relato.
A embaixada na Índia conseguiu negociar cerca de 15 lugares para brasileiros em um voo da Air France. O valor da passagem, porém, é impeditivo para alguns: entre US$ 1.500 (R$ 7.800) e US$ 2.000 (R$ 10.500). "Normalmente a passagem de ida e volta custa uns R$ 4.000. A maioria não tem condições de arcar com esse valor", diz Cláudia.
Em nota, o Itamaraty afirmou que a embaixada em Nova Déli e o consulado em Mumbai estão buscando meios de superar as restrições do governo indiano para possibilitar o retorno dos brasileiros.
O órgão diz que tem negociações em curso com companhias aéreas para buscar soluções de repatriamento e que está apoiando os brasileiros com compra de medicamentos e alimentos para quem precisa, "resgate de brasileiras expulsas de seus hotéis e em situação de vulnerabilidade em cidades próximas a Nova Déli e obtenção de alojamento em local seguro na capital" e "atendimento de brasileiros detidos pela polícia".
Em alguns países africanos, viajantes que se sentiam bem recebidos relataram uma mudança de atitude da população após a chegada da pandemia ao continente. A jornalista Marina Pedroso, 27, que faz uma viagem de volta ao mundo e parou no Quênia durante o isolamento, conta que o primeiro caso que ouviu de constrangimento a estrangeiros foi na Tanzânia.
"Aconteceu com três asiáticas que conheci. Disseram para elas: 'Corona, volte para seu país'. Aqui no Quênia, depois que descobriram o primeiro caso, comecei a sentir eu mesma essa hostilidade", conta. "Eles falam 'hello'; se não dou bola, soltam logo um 'corona!'. Tenho medo de sair, compro comida no máximo uma vez por semana."
Marina conta um episódio quando ela estava com uma viajante de Hong Kong em um ônibus. "Um homem sentou do lado dela, cobriu a boca e o nariz com a camiseta e começou a falar 'corona'. Depois o pessoal pediu desculpas pelo comportamento dele."
Em Botsuana para fazer trabalho voluntário, Lucy Mazera, 49, doutora em serviço social, foi outra que notou a mudança de tratamento. "Quando vou ao mercado, ficam me olhando como se fosse um vírus. Não chega a ser agressivo, mas percebo que eles têm medo. Já me disseram: 'good morning, coronavírus' [bom dia, coronavírus]. Sou loira de olhos claros, acho que eles pensam que sou europeia."
Lucy afirma, porém, que entende o lado da população. "Não é proposital, é questão de sobrevivência. Os brancos sempre trouxeram doenças."
Acostumada a ser bem tratada em Gana, onde vive temporariamente, a professora de dança Ana Carolina Ussier, 30, diz que a mudança foi "da noite para o dia". "Normalmente existe aqui até uma espécie de reverência às pessoas brancas. Com a confirmação dos primeiros casos, isso mudou."
Há cerca de um mês, ela passeava com um grupo de brasileiras em um mercado de rua e uma mulher saiu correndo ao vê-las. "Uma vendedora perguntou: 'Você entendeu o que aconteceu? Ela ficou com medo de vocês, porque coronavírus é doença de branco'."
A brasileira também ajudou um chinês que estava viajando o mundo de bicicleta e não conseguiu hospedagem.
Em três semanas de isolamento, Ana Carolina saiu de casa duas vezes. "Peguei transporte público e todas as fileiras lotaram, menos a minha. Estava com vontade de tossir, fiquei morrendo de medo."
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Uma reportagem do jornal inglês The Guardian traz casos de pessoas expulsas de restaurantes, lojas e hotéis, e um vídeo que circula na internet mostra três russos impedidos de entrar em uma loja para comprar máscaras.
Na Índia, onde quase 180 brasileiros tentam ser repatriado após o fechamento das fronteiras, parte conta ter vivido momentos tensos, especialmente em cidades menores.
A servidora pública Claudia Segobia, 50, foi pressionada para sair do hotel onde estava havia mais de um mês em Vrindavana, no norte do país. "Começaram a me perseguir lá dentro. Fui chamada por três homens da administração, pediram meu passaporte, eu ingenuamente dei na mão deles. Disseram que teriam que entregar o documento à polícia e que viriam me buscar para fazer exame e me colocar em quarentena."
Hoje, ela está na casa de uma amiga. "No caminho para lá, começaram a apontar para mim na rua e a gritar: 'Corona, vá para casa!'", lembra. "Descobriram meu telefone, não sei como, e me ligaram dizendo que sabem onde estou e que vão chamar a polícia."
Em vídeo enviado à reportagem, ela mostra um tecido que colocou na janela do quarto onde está, para não ser vista do lado de fora. "Estou com muito medo, não saio para nada. E a situação tende a piorar. Nenhum relato consegue expressar o que estou sentindo. Foi muita humilhação."
Cláudia diz que informou a embaixada brasileira e que tem recebido suporte do corpo diplomático. "Mas precisamos sair daqui. Espero que algo possa ser feito por nós."
Em outra pequena localidade no leste da Índia, o fotógrafo Tiago Mendonça, 38, foi expulso com um amigo mexicano que o acompanha na viagem. "A dona do hostel começou a nos pressionar para sairmos. Ela estava muito ansiosa, acho que estava sendo pressionada também. Um dia, saímos para comer, e três adolescentes pegaram uma pedra no chão e nos olharam, dizendo: 'Você não é bem-vindo aqui'."
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"A paranoia está criando um sentimento de repúdio aos estrangeiros. Não os culpo, estão com medo. É um problema no mundo todo, mas as pessoas não deveriam procurar um culpado", afirma.
Em uma enquete feita por um dos brasileiros que aguardam repatriação na Índia, respondida por 140 pessoas na mesma situação, 23 relataram ter sofrido hostilidades por parte da população e 13, por parte da polícia. Ao menos 30% temem que as hostilidades aumentem à medida que surgirem mais casos no país.
Um dos depoimentos reunidos pelo grupo é de uma brasileira que se hospedou na casa de um guru de ioga após seu curso ter sido suspenso. Um grupo de 20 policiais foi até a residência, obrigando todo mundo a ficar de quarentena, e divulgou para a população local que a casa estava infectada por tê-la recebido. "Estamos vendo muitos atos xenofóbicos por autoridades na Índia. Para os mesmos, se você for estrangeiro, é um coronavírus ambulante", diz o relato.
A embaixada na Índia conseguiu negociar cerca de 15 lugares para brasileiros em um voo da Air France. O valor da passagem, porém, é impeditivo para alguns: entre US$ 1.500 (R$ 7.800) e US$ 2.000 (R$ 10.500). "Normalmente a passagem de ida e volta custa uns R$ 4.000. A maioria não tem condições de arcar com esse valor", diz Cláudia.
Em nota, o Itamaraty afirmou que a embaixada em Nova Déli e o consulado em Mumbai estão buscando meios de superar as restrições do governo indiano para possibilitar o retorno dos brasileiros.
O órgão diz que tem negociações em curso com companhias aéreas para buscar soluções de repatriamento e que está apoiando os brasileiros com compra de medicamentos e alimentos para quem precisa, "resgate de brasileiras expulsas de seus hotéis e em situação de vulnerabilidade em cidades próximas a Nova Déli e obtenção de alojamento em local seguro na capital" e "atendimento de brasileiros detidos pela polícia".
Em alguns países africanos, viajantes que se sentiam bem recebidos relataram uma mudança de atitude da população após a chegada da pandemia ao continente. A jornalista Marina Pedroso, 27, que faz uma viagem de volta ao mundo e parou no Quênia durante o isolamento, conta que o primeiro caso que ouviu de constrangimento a estrangeiros foi na Tanzânia.
"Aconteceu com três asiáticas que conheci. Disseram para elas: 'Corona, volte para seu país'. Aqui no Quênia, depois que descobriram o primeiro caso, comecei a sentir eu mesma essa hostilidade", conta. "Eles falam 'hello'; se não dou bola, soltam logo um 'corona!'. Tenho medo de sair, compro comida no máximo uma vez por semana."
Marina conta um episódio quando ela estava com uma viajante de Hong Kong em um ônibus. "Um homem sentou do lado dela, cobriu a boca e o nariz com a camiseta e começou a falar 'corona'. Depois o pessoal pediu desculpas pelo comportamento dele."
Em Botsuana para fazer trabalho voluntário, Lucy Mazera, 49, doutora em serviço social, foi outra que notou a mudança de tratamento. "Quando vou ao mercado, ficam me olhando como se fosse um vírus. Não chega a ser agressivo, mas percebo que eles têm medo. Já me disseram: 'good morning, coronavírus' [bom dia, coronavírus]. Sou loira de olhos claros, acho que eles pensam que sou europeia."
Lucy afirma, porém, que entende o lado da população. "Não é proposital, é questão de sobrevivência. Os brancos sempre trouxeram doenças."
Acostumada a ser bem tratada em Gana, onde vive temporariamente, a professora de dança Ana Carolina Ussier, 30, diz que a mudança foi "da noite para o dia". "Normalmente existe aqui até uma espécie de reverência às pessoas brancas. Com a confirmação dos primeiros casos, isso mudou."
Há cerca de um mês, ela passeava com um grupo de brasileiras em um mercado de rua e uma mulher saiu correndo ao vê-las. "Uma vendedora perguntou: 'Você entendeu o que aconteceu? Ela ficou com medo de vocês, porque coronavírus é doença de branco'."
A brasileira também ajudou um chinês que estava viajando o mundo de bicicleta e não conseguiu hospedagem.
Em três semanas de isolamento, Ana Carolina saiu de casa duas vezes. "Peguei transporte público e todas as fileiras lotaram, menos a minha. Estava com vontade de tossir, fiquei morrendo de medo."