"TODOS COM MEDO"

Brasileiros em status irregular nos Estados Unidos relatam estar vivendo dias de tensão com a intensificação da fiscalização do ICE (serviço de imigração e alfândega do país). Uma das promessas de campanha de Donald Trump é deter e deportar imigrantes com documentação irregular. Assim, brasileiros estão criando estratégias para escapar de agentes e deixando de frequentar espaços públicos com receio de serem pegos. 

Um brasileiro que vive nos Estados Unidos há 28 anos contou, sob anonimato, que deixou de frequentar a igreja e diminui a frequência aos mercados pelo receio de ser deportado. Ele tentou regularizar a situação no país há cerca de 20 anos, mas teve o processo arquivado.

"Tivemos que mudar as rotinas. Tem lugares que não frequentamos mais, agora é só trabalho e casa, porque precisamos trabalhar. E é uma atenção bem grande. A maioria das pessoas está com medo, está assustada. Trabalho em restaurante há 23 anos. Vamos trabalhar com medo, mas tem que sair de casa para trabalhar, não tem outra forma. Tá todo mundo com medo", disse brasileiro de 53 anos que está em Massachusetts.

Cerca de 230 mil brasileiros vivem sem permissão formal nos EUA. O número foi estimado em 2022 pelo Departamento de Segurança Interna. O Brasil é o oitavo país com maior grupo de pessoas indocumentadas.

No entanto, o medo não impede da população continuar atividades. Outra brasileira, que vive em Maryland e está no país desde 2013 conta que, apesar da sensação de medo, tem que seguir trabalhando.

"Estamos todos assustados. Não tenho status regular, mas também não tenho ordem de deportação, nada que possam reclamar. Não me sinto tranquila, porque corro o risco todos os dias de estar aqui, especialmente com pessoas que acreditam que tem esse poder [de deportar], mas eu também não estou deixando de viver, eu saio, vou trabalhar", disse brasileira, 33, em Maryland.

Igrejas e mercados

A comunidade brasileira tem adotado estratégias para continuar vivendo no país. Segundo os brasileiros ouvidos pela reportagem, mercados voltados ao público latino e igrejas foram locais citados como aqueles que têm sido evitados por quem não tem status regular nos Estados Unidos.

"Os grupos [de WhatsApp] tentam alertar quando tem fiscalização, mas isso também aconteceu no primeiro governo do Trump. Não com tanta visibilidade e tanto medo. Dessa vez está mais forte, até porque a disseminação das informações é maior que em 2017. Estão dizendo que, se você tem um conhecido que tem algum problema no país, é para evitar o contato. Tenho amigos que ouviram dos pastores: 'se você tem ordem de deportação, não venha para igreja, para não colocar a sua vida e a de outras pessoas em risco'", disse a brasileira de 33 anos que está em Maryland.

Além dos grupos de WhatsApp, uma plataforma colaborativa também tem ganhado destaque entre os imigrantes indocumentados. Nela, as pessoas contribuem compartilhando onde houve fiscalizações do ICE em tempo real.

Já um comunicador que apoia brasileiros nos EUA tem notado vazão em palestras. Ronaldo Felício, conhecido como Ronaldo Absoluto, 48, está no país há mais de 20 anos e trabalha ajudando brasileiros a realizarem o sonho americano. Com um perfil no Instagram, ele divulga serviços e oportunidades de emprego, além de tirar dúvidas sobre processos regulatórios de migração.

"Fiz uma palestra pensada para 150 pessoas e no final apareceram cerca de 30. Era uma palestra sobre migração, as pessoas estavam interessadas, mas acabou que elas ficaram com medo de ir, apreensivos de serem presos ou deportados", disse.