Em depoimento à RFI Brasil, o curitibano Márcio*, que pediu para não ser identificado, disse que não sabia que estava fazendo algo ilegal. Ele é um dos 1.188 brasileiros que teve a cidadania italiana revogada depois de um escândalo envolvendo pagamento de propina a um policial da cidade de Ospedaletto Lodigiano, na Lombardia.
*Márcio pagou € 3 mil pelos serviços da agência de migração Monza, que pertence a um casal de brasileiros, em 2015. “Não tinha por que desconfiar. O trabalho foi correto”, declarou o curitibano, que está na lista dos 1.188 brasileiros que perderam a nacionalidade italiana.
Ele ainda não recebeu nenhuma comunicação oficial das autoridades italianas e não procurou o Consulado-geral da Itália na capital paranaense para obter mais informações. O brasileiro conta ter vivido 45 dias na pacata cidade de Ospedaletto Lodigiano, na Lombardia. Depois de uma semana da apresentação do processo, a polícia foi até sua casa para reconhecer o endereço declarado.
A prefeita de Ospedaletto Lodigiano, Lucia Mizzi, afirma que o atestado de residência dos brasileiros foi falsificado pelo comissário de polícia local e que por isso o funcionário da prefeitura não poderia ter reconhecido a cidadania. Fixar residência na Itália é um dos requisitos para todos os estrangeiros que têm direito à cidadania italiana “Iure Sanguinis”, ou seja, por descendência direta, e que pedem o reconhecimento em território italiano.
Porém, a lei não é clara sobre quanto tempo é necessário para ser considerado um morador de fato. A prática de pedir o reconhecimento na Itália é muito comum para evitar a morosidade dos consulados italianos no Brasil, que podem ir bem além dos 2 anos previstos por lei para finalizar o processo.
Este foi o motivo que levou *Márcio a optar pelo reconhecimento na Itália. Em Curitiba, o Consulado-geral levaria até 10 anos para o reconhecimento. O brasileiro queria ter a cidadania rapidamente reconhecida para “aproveitar das oportunidades que a Europa oferece”.
Segundo ele, a revogação foi ilegal, e ele nem foi intimado para prestar esclarecimentos. “Meu processo foi correto. A sentença do tribunal fala de crimes cometidos a partir de 2016. É motivação política”, conclui. A Itália elege o novo governo no dia 4 de março. Milhares de brasileiros com dupla cidadania podem votar para eleger deputados e senadores que representam os italianos da América do Sul no Parlamento italiano.
Comissário recebia propina do casal
A decisão de revogar a cidadania foi tomada pela prefeita da cidade depois de uma sentença do Tribunal de Lodi, que levou à prisão de 4 pessoas. Entre elas está um casal de brasileiros dono de uma agência de migração em Monza, além do comissário de polícia local e um funcionário da prefeitura, que eram subornados pelo casal. A revogação inclui processos reconhecidos entre julho de 2015 e julho de 2017.
Policial flagrado com € 500 mil em dinheiro
O cidadão brasileiro de 38 anos, dono da agência de Monza, pedia entre € 3 mil e 5 € mil por cada processo de reconhecimento da cidadania italiana. Ele subornava o comissário de polícia com € 1.250 para que ele confirmasse que o interessado em obter a cidadania italiana vivia regularmente no endereço indicado no processo.
Além disso, alguns dos endereços declarados eram de propriedade do próprio comissário de polícia, que no momento da prisão foi flagrado com mais de € 500 mil em espécie em casa. Já o funcionário da prefeitura, que também era subornado, com o parecer positivo do comissário de polícia, concedia a cidadania italiana aos interessados. Esquema que, segundo a prefeita Lucia Mizzi, “alterou completamente o processo de reconhecimento da cidadania italiana”.
Os brasileiros que deverão devolver o passaporte italiano às autoridades competentes são sobretudo dos estados de MS, SP, RJ, MG, ES, SC e PR. A maior parte vive no Brasil, e deverão ser comunicados oficialmente da decisão pelas autoridades italianas no país. Outros brasileiros vivem em territórios cobertos por 30 diferentes consulados italianos.
Dos 1.188 brasileiros que conseguiram o reconhecimento da cidadania em Ospedaletto Lodigiano, 889 transferiram a residência para o exterior. Outros 232 brasileiros que também obtiveram o passaporte italiano, continuam a constar na lista dos residentes da cidadezinha de poucos mais de 2054 habitantes, a cerca de 50 quilômetros de Milão, mas não vivem lá. Outros 57 são brasileiros que têm seus nomes inscritos entre os habitantes da cidade, mas que não tiveram a cidadania reconhecida.