Integrantes da cúpula da ONU Mulheres, incluindo a diretora-executiva do órgão, Phumzile Mlambo-Ngucka, afirmam que o governo brasileiro não demonstrou interesse em participar do fórum internacional que estabelecerá uma agenda de combate à desigualdade de gênero para os próximos cinco anos.

"Estamos em contato com o governo, mas não tivemos muito sucesso. Apesar disso, estamos abertos caso eles queiram negociar a participação", disse Mlambo-Ngucka. "Embora o governo não esteja presente, a iniciativa privada e a sociedade civil vão representar o Brasil."
A diretora-executiva falou a jornalistas durante conferência sobre o fórum Generation Equality, que acontecerá entre 30 de junho e 2 de julho, em Paris, com transmissão pela internet.

De acordo com a organização do evento, o Brasil foi contatado pela França e informado sobre como participar institucionalmente do fórum. Para isso, seria necessário que as autoridades brasileiras se dispusessem a fazer um compromisso relacionado às discussões do fórum.

O Canadá, por exemplo, comprometeu-se a investir R$ 10 milhões num fundo da ONU de combate à violência contra a mulher. O México, por sua vez, prometeu lançar um programa para fomentar o estabelecimento de creches e subsídios que diminuam a "crise do cuidado" agravada pela pandemia.

O evento reunirá chefes de Estado e de governo, órgãos internacionais e representantes da iniciativa privada e da sociedade civil para firmar acordos concretos para o cumprimento da chamada ODS 5, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de Igualdade de Gênero estabelecido pela ONU em 2015.

O programa é parte de uma lista de 17 metas globais que compõem a agenda internacional até 2030, adotada por todos os membros da ONU, inclusive o Brasil. "Agora nós temos que criar um plano técnico, muito mais específico, para executar o que está na ODS", disse a diretora-executiva. A primeira etapa do evento foi realizada no México, em março, à qual o Brasil também não compareceu.

 De acordo com a secretária-geral da etapa mexicana do fórum, a diplomata Yanerit Morgan, o governo brasileiro não demonstrou interesse em participar do lançamento de nenhuma das ações, divididas em seis eixos: violência contra a mulher, direitos sexuais e reprodutivos, justiça econômica, ação climática e gênero, tecnologia e inclusão e fomento a lideranças e movimentos feministas.

"A petição para a participação estava aberta a todos os Estados membros da ONU. É um acordo com Estados que estejam comprometidos com os objetivos do fórum. Então, os participantes no México foram aqueles que estavam realmente compromissados com o objetivo", afirmou a secretária-geral.

"No caso do Brasil, nós não recebemos nenhum tipo de interesse em participar pelas razões que nós sabemos: os objetivos de política pública não são os mesmos no momento." No dia 8 de março, por exemplo, o Brasil se aliou a nações como Polônia, Hungria e Arábia Saudita e se recusou a assinar um compromisso mundial em defesa da saúde feminina, por conter referências a "saúde sexual e reprodutiva".

Ao fórum esnobado pelo Brasil comparecerão os presidentes de França, México, Argentina, Chile, África do Sul, Quênia, República Democrática do Congo e Tunísia, além da primeira-ministra alemã, Angela Merkel, e dos premiês de Canadá, Espanha e de quase todos os países escandinavos.

 Também devem ir à cerimônia de abertura, a ser realizada presencialmente em Paris, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional) e representantes de entidades filantrópicas, como a Fundação Ford. Os EUA devem enviar um representante, e há a expectativa de que o presidente Joe Biden grave uma fala em vídeo.

Procurado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), chefiado por Damares Alves, afirmou não ter participado da primeira parte do fórum, no México, por "dificuldades operacionais" e que estava trabalhando para estar em Paris. A organização do evento, no entanto, disse não ter recebido contato do governo brasileiro para viabilizar a participação.

A reportagem questionou então o ministério sobre como seria a presença brasileira e foi informada que a pasta havia feito a inscrição de servidores da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres e da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais por meio do formulário de participação geral, dirigido ao público.

De acordo com o fórum, isso significa que os representantes do governo brasileiro poderão apenas assistir às mesas de discussão, como qualquer outro cidadão, o que não configura adesão do país à agenda proposta pelo Generation Equality.

O MDH informou ainda que mandará uma delegação a Paris e que a lista de nomes será enviada ao Itamaraty, que afirmou à reportagem ainda não ter recebido comunicação oficial da pasta a respeito do assunto.

A falta de interesse em participar do evento não foi a única preocupação expressada pelas responsáveis do fórum na entrevista coletiva realizada nos dias 16 e 17 de junho. Ao falar sobre mudança climática e gênero, a ex-primeira-ministra da Irlanda Mary Robinson, primeira mulher a presidir a Elders, associação criada por Nelson Mandela para reunir ex-governantes, afirmou que "o mundo precisa colocar mais pressão sobre o Brasil para evitar que o dano feito à Amazônia seja permanente".

Ela e a ativista mexicana Maria Reyes, membro do Sextas-feiras pelo Futuro, movimento de jovens contra a mudança climática, disseram não esperar mudanças em políticas ambientais até o fim do governo Bolsonaro. "Nós precisamos de uma mudança política, e não climática, no Brasil", afirmou Reyes.

A agenda final firmada pelo Generation Equality poderá ser complementada e aderida por outros países membros da ONU, como o Brasil, durante os próximos cinco anos.