Presidente é ovacionado em casa, mas recebe apenas um convidado de peso

Igor Gielow
FOLHA DE SÃO PAULO
UOL

A festa de abertura da Copa do Mundo traduziu o momento político de Vladimir Putin à perfeição: o presidente foi ovacionado em casa, mas recebeu pouquíssimos convidados para a festa.

Gritos de “Rússia, Rússia” enchiam o Estádio Lujniki, e Putin foi ovacionado durante seu breve discurso. Nele, voltou ao tema da véspera e pediu para que os visitantes aproveitassem “a estadia na Rússia, um país aberto, hospitaleiro e amigável com pessoas que têm valores em comum”.

Putin parecia inusualmente nervoso em sua fala, movendo-se de lado a lado no pódio.

Mas as palmas e gritos de apoio, de resto previsíveis num país que lhe deu 77% dos votos na sua eleição para um quarto mandato em março e onde o dissenso é reprimido, formaram um conjunto bem distinto daquele de quatro anos atrás, com Dilma Rousseff sendo xingada no Itaquerão.

A unanimidade parou por aí. Se o boicote à realização da Copa foi uma ideia britânica que não colou, a abstenção de líderes ocidentais na abertura do evento foi notável.

A lista de autoridades divulgada pela Fifa reflete o momento de isolamento diplomático de Putin. Apenas 15 chefes de Estado ou governo foram anunciados, e o nome mais vistoso politicamente é o do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman.

Nenhum deles é de país ocidental. Desde que o Reino Unido acusou o Kremlin de envenenar um ex-espião russo e sua filha na Inglaterra, o que Moscou nega, o distanciamento entre Rússia e Ocidente só fez crescer. Houve expulsões mútuas de diplomatas e muita retórica agressiva.

O episódio coroou anos de desconfiança mútua, em especial depois que a Rússia reagiu ao que considera interferência ocidental em sua esfera de interesses e agiu militarmente na Geórgia (2008) e na Ucrânia (2014).

Entre os presentes, diversos representantes de ex-repúblicas soviéticas, um alto membro do governo do ditador Kim Jong-un (Coreia do Norte) e dois sul-americanos, Evo Morales (Bolívia) e Mário Abdo Benítez (Paraguai).

Não é exatamente um “dream team” diplomático. Curiosamente, a China, aliada da Rússia, não enviou ninguém —Putin e o líder do regime de Pequim, Xi Jinping, estiveram juntos na semana passada em encontro.

A presença de MBS, como o herdeiro saudita é conhecido, poderia se explicar apenas pelo fato de que a seleção de seu país irá jogar a abertura da Copa contra a anfitriã. Mas o calibre do visitante, o homem mais poderoso de seu país depois do rei, mostra o prestígio que Riad está emprestando a Moscou.

Aliada tradicional do Irã, rival da Arábia Saudita pela primazia estratégica no Oriente Médio e no mundo muçulmano em geral, a Rússia tem se aproximado recentemente do país árabe.

O faz de forma cuidadosa, pois precisa de Teerã para operar sua intervenção militar na guerra civil da Síria. Do mesmo jeito, Putin mantém boas relações com Israel, considerado adversário geopolítico principal do Irã.

O namoro com os sauditas tem ocorrido com o intermédio do polêmico autocrata da república russa da Tchetchênia, Ramzan Kadirov. Ele foi um dos articuladores da visita do rei saudita ao Kremlin em 2017, a primeira da história.

A aproximação vem dando frutos: ação coordenada entre o reino e Moscou cortou a produção de petróleo e aumento o preço do barril do produto, cujos níveis baixos ajudaram a provocar a recessão russa de 2014 a 2016.

Agora, o barril está num nível que é considerado confortável pelo governo russo para a gerência de seu orçamento. Para os sauditas, há esse lucro e também a possibilidade de enfraquecer paulatinamente a posição de seus rivais iranianos em Moscou.

Com o mando de campo, Putin ganhou o jogo do dia. Mas o campeonato ainda terá muitas partidas.