Todo mineiro sabe que a Serra da Canastra produz bons queijos. Mas até o resultado inédito no Mondial du Fromage, realizado a cada dois anos na pequena cidade de Tours, região central da França – três medalhas superouro – poucos questionavam o motivo. Além das características naturais da região, que envolve clima, altitude e vegetação, encontramos por lá produtores que estão empenhados em melhorar sempre para atender a um mercado cada vez mais exigente.
 
Por três vezes, Silmar de Castro Mota quase desistiu de fazer queijo. “Não é fácil ser produtor rural. Admiro os que estão há mais tempo aqui, é desafio todo dia, no curral, na queijaria. Só estando aqui para saber.” Primeiro vieram duas medalhas de prata no Prêmio Queijo Brasil, agora superouro e prata na França e ela entendeu que precisa continuar. “Se Deus quiser, não vou desanimar mais, o universo já mostrou três vezes. É difícil, sim, mas tem recompensa”, diz, emocionada.


Silmar é da terceira geração de uma família que fabrica queijos na Canastra. “Está no sangue da gente fazer queijo.” Há dois anos, ao lado do marido, Vicente, ela retomou a produção com o compromisso de não danificar a natureza. A fazenda guarda um “pedacinho” (quase 18 hectares de vegetação e dois quilômetros do Rio São Francisco) do Santuário do Mergulhão, área verde preservada que dá nome ao queijo. A queijaria fica em uma área de pastagem.


Não tem uma peça que não passa pelas mãos de Silmar. Para ela, é um prazer juntar os ingredientes e ver a massa ganhar forma e expressão. “Os queijos são como nossos filhos. Você vê nascer, crescer, vira pelo menos duas vezes no dia, está ventando tem que proteger senão trinca. Acabo conversando com eles: nossa, você ficou bonito, hein?”, conta. Atualmente, ela produz 10 por dia.


 

A região também é conhecida pelo queijo amarelinho, de casca lavada (foto: Bruno Magalhães/Divulgação )

 

Da fazenda, em São Roque de Minas, saem queijos amarelinho (lavado) e fungado (com mofo branco), mas nenhum é igual ao outro. “Como queijo todo dia e a cada vez tenho uma sensação diferente.” Os dois queijos premiados são com mofo branco: o de três para quatro meses ganhou a superouro e o de cinco para seis meses ganhou a prata. “Todos os meus queijos são bem macios, mesmo com todo esse tempo de maturação. O segredo não é deixar duro, é envelhecer e ficar com umidade.” 

Quando foram mandar um queijo para o concurso na França, Lúcia e Ivair Oliveira chegaram a um impasse: ela queria o da tarde (mais gordura e sabor intenso), ele preferia o da manhã (menos gordura e mais suave). No fim das contas, ela venceu. “Quando veio medalha, brinquei: não disse que o meu era melhor?. Os franceses gostam de sabor mais forte”, diverte-se Lúcia. Segundo a produtora, queijo de leite cru é uma surpresa a cada dia, já que muitos fatores externos (do gado ao clima) influenciam o trabalho.


Produzido em São Roque de Minas, o queijo do Ivair (como é conhecido) envolve uma história de persistência. O casal começou a produção numa época em que queijo não tinha valor. O atravessador ia até o sítio e pagava o que queria. Lúcia se lembra de outra fase difícil, quando eles deixaram os fungos agir e tudo ficou “mofadinho”. “Quando o queijo ficou mofado, todas as portas se fecharam em BH, ninguém nem quis experimentar. Aí fomos abrir mercado em São Paulo.”

COM MOFO - Lúcia não fica chateada com os antigos clientes, nem os próprios produtores conheciam queijo mofado. “Chegava a época da chuva, muita unidade, o meu pai falava que era para lavar o queijo, porque estava criando casca e ia estragar. Por falta de conhecimento, a gente lavava.” Ivair demorou uns três meses para comer o queijo mofado, achava a casca feia e se incomodava com o cheiro.


O casal não pensa em aumentar a produção, que no auge chega a 37 por dia. “Se estivéssemos fazendo 100 peças por dia, venderíamos tudo, mas não é isso que queremos. A nossa produção é artesanal, bem familiar, e vamos manter a qualidade para continuar no mercado”, analisa. Lúcia largou o trabalho para cuidar da queijaria e Ivair fica responsável pela ordenha. “Fazer queijo não é para qualquer um, tem que gostar muito e mais um pouco. É um serviço que não tem folga.”

Queijo com pingo

O legítimo queijo canastra deve ser produzido na região que engloba sete municípios (Bambuí, Delfinópolis, Medeiros, Piumhi, São Roque de Minas, Tapiraí e Vargem Bonita) e seguir a receita com leite cru, coalho, pingo e sal. Nada a mais ou a menos. “Pingo é o soro que escorre da produção do dia anterior e vira fermento natural. Tem esse nome porque fica pingando da banca de queijo”, explica o gerente de projetos da Associação dos Produtores de Queijo da Canastra (Aprocan), Higor Freitas.


São vários os fatores que fazem da Serra da Canastra um lugar propício para a produção de queijos. Primeiramente, por ser uma região de montanhas, com vegetação bem preservada, na área de transição entre cerrado e mata atlântica. Higor também cita a alimentação do gado, que inclui pastagem nativa (como o capim-gordura) e água limpa (quase toda chega de minas). “Tem também o saber fazer queijo. Há mais de 200 anos existem produtores por aqui”, acrescenta.


Há 20 anos, iniciava-se um novo capítulo da história na Canastra. A Aprocan chegava para mostrar que o queijo tinha valor, sim, e que era preciso profissionalizar a produção, antes resumida a consumo próprio e subsistência. “Nesses últimos anos conquistamos um resultado muito bacana, chegando a um lugar que há 20 anos não imaginávamos. Ninguém pensava que os nossos queijos poderiam disputar com suíços e franceses.”


Já na primeira participação no Mondial du Fromage, em 2015, um queijo da região conquistou medalha de prata. “Uma parceira nossa pegou um queijo do Estância Capim Canastra e levou para o concurso. Foi surpresa até para o produtor”, destaca Higor. Dois anos depois, a Canastra ganhou três medalhas de prata. Agora, chegou-se a um total de 24 prêmios, entre superouro, ouro, prata e bronze. A Aprocan já está de olho em outros concursos mundiais para apresentar os queijos a outros países.


Delfinópolis não tinha nenhum produtor de queijo até Arnaldo Ribeiro abraçar a ideia. Incentivado pela Aprocan, ele montou uma queijaria em sua fazenda. “Essa prática estava morrendo na Serra da Canastra, porque os filhos dos produtores vão estudar fora e não voltam. O meu objetivo é incentivar os meus vizinhos e criar um polo do meu lado”, aponta o paulistano, que acompanha, feliz, a transformação da cidade, agora com quatro produtores. Três ganharam medalha na França.


Os queijos Vale do Gurita são mofados e têm casca esbranquiçada, textura macia, leve picância e baixa acidez. Com o tempo, ficam com sabor mais intenso e mais firmes, até virar quase um parmesão. “Comparando com europeus, que estão há séculos nisso, o queijo artesanal no Brasil e na nossa região está engatinhando. Mas temos amor, dedicação, terroir e vontade e podemos fazer muita coisa ainda.”


Arnaldo já pensa em dobrar a produção, chegando a 50 queijos por dia, e buscar mais clientes em Minas (a maioria está concentrada em São Paulo).

Broa doce de fubá
Dona Silda (mãe da produtora Silmar Mota)

Ingredientes

4 copos americanos de açúcar; 3 copos americanos de óleo; 12 ovos; 4 copos americanos de queijo; 6 copos americanos de fubá de moinho; 12 copos americanos de farinha de trigo com fermento; 2 colheres de sopa cheia de fermento; 2 pitadas de sal; 2 copos americanos de coalhada

Modo de fazer

Misture todos os ingredientes, menos a coalhada, utilizando uma colher de madeira. Adicione aos poucos a coalhada para dar o ponto de enrolar a massa. Pode ser necessário usar mais ou menos do que o que está indicado na receita. Coloque cravo moído. Enrole a massa como se fosse um bolinho. Leve ao forno preaquecido por cerca de 25 minutos.