Toda história épica tem vilões e mocinhos, passagens boas e ruins, momentos históricos e protagonistas indispensáveis ao final feliz, ou triste, da jornada que se quer ou se pretende narrar. A Arena MRV, estádio do Galo em fase final de construção no bairro Califórnia em Belo Horizonte, não poderia ser diferente; só não precisava ser “tão sofrido assim”, como diria Mário Henrique Caixa, o narrador dos jogos do Atlético Mineiro pela Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte.

Idealizada durante a dor (na derrota para o Raja Casablanca, no Mundial de Clubes do Marrocos em 2013), forjada nas idas e vindas e obstáculos aparentemente intransponíveis (como a pandemia do novo coronavírus), e finalmente vitoriosa em meio à crise financeira mundial, decorrente da guerra na Ucrânia, além de um pra lá de conturbado momento político-social no Brasil, a casa da Massa atleticana insiste em “lutar, lutar, lutar, com toda a nossa raça pra vencer”.


Orçado inicialmente em 410 milhões de reais, o estádio do alvinegro mineiro sofreu acréscimos de custos impensáveis e inimagináveis até mesmo para o mais pessimista dos pessimistas. Insumos como o aço, por exemplo, subiram, desde o início da construção, estupendos 200%. Cimento, 100%. Mão de obra, 70%. A engenharia financeira projetada para fazer frente à obra foi para as brecas, e novas fontes de financiamento tiveram de ser pensadas para bancar o quase 1 bilhão de reais atuais.


O Galo havia composto o orçamento inicial com a venda de metade do shopping Diamond Mall (250 milhões de reais), venda de cadeiras e camarotes (100 milhões de reais) e “naming rights” (60 milhões de reais). Tudo parecia perfeito até que, além dos imprevistos acima, surgiram as famigeradas contrapartidas impostas pelo Poder Público, no âmbito estadual (meio ambiente e social) e municipal (infraestrutura viária e outras condicionantes). Foram exigências inéditas e cifras na casa das centenas de milhões de reais,


Estamos falando aqui, caros e caras, de 250 milhões de reais, sendo 80 milhões, ou mais, dispensáveis não fossem o extremo e excessivo rigor, para não dizer arbitrariedade, da prefeitura de Belo Horizonte, e a burocracia infernal que atrasou o início das obras em pelo menos dois anos, gerando custos extras, a valor presente, da ordem de mais de 150 milhões de reais. Tudo somado, pasmem e lamentem os atleticanos, a Arena MRV custará, ao final, 400 milhões de reais a mais do que poderia ter custado.


Para que o torcedor tenha uma ideia do montante de dinheiro que estamos falando, a venda da segunda metade do Diamond Mall irá gerar, se muito, o mesmo valor aos cofres do Clube. Todo esse dinheiro será usado para abater a chamada dívida onerosa do Galo, que draga, anualmente, cerca de 90 milhões de reais em juros. Imaginem esse dinheiro todo sendo utilizado para quitar o débito do Atlético e minimizar o impacto da dívida. Imaginou? Passou muita raiva? Pois é. Eu também. Lembremos dos políticos na hora do voto. 



No âmbito estadual, as condicionantes custaram cerca de 50 milhões de reais e jamais foram questionadas ou lamentadas pelo Clube, afinal, tratam-se de contrapartidas sociais (projetos sócio-educativos, assistenciais etc.) e ambientais (parques, jardins e árvores), boas causas que já fazem parte da filosofia da administração do CAM, que tem, inclusive, ligado a si o Instituto Galo, entidade filantrópica inédita no País, cujos resultados já ultrapassam todas as expectativas. 


Tampouco é, ou jamais foi objeto de reclamação e contrariedade, as inúmeras obras viárias necessárias para o bom deslocamento de entrada e saída da Arena nos dias de jogos e outras atividades, além da melhoria de trânsito em geral da região. O Atlético entende ser um benefício à população do entorno da Arena o alargamento de calçadas, a construção de viadutos e passarelas e diversas outras obras de melhoria urbana na área de influência do estádio. Será um verdadeiro legado para Belo Horizonte.


A revolta gira em torno dos excessos. Como comparação, as arenas do Palmeiras e do Corinthians tiveram, em valores atuais, 25 e 40 milhões de reais, respectivamente, de contrapartidas. E continua complicada a relação com o Poder Público, que permanece exercendo enorme pressão a despeito de todos os esforços e dinheiro gastos. O Comam, órgão ligado à PBH, por exemplo, obrigou o Atlético a plantar cerca de 50 mil mudas (10% de todas as árvores que existem na cidade!!) e cuidar delas por treze anos.

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Alexandre Kalil, ex-prefeito de BH(foto: Túlio Kaizer / Superesportes )


Em cidades administradas de forma dinâmica, moderna e liberal, um equipamento desse porte seria recebido com pompas e circunstâncias, haja vista os impactos positivos para a cidade: geração de emprego, pagamento de impostos e desenvolvimento da região. Infelizmente, foi exatamente o oposto que se viu por aqui desde o início. Sabiam que o Galo terá de edificar e manter um parque linear por 30 anos? E que deverá construir uma passarela na BR-040? Por quê? Ora, porque o prefeito, lá atrás, quis assim.


Arena e Atlético enfrentaram até mesmo a mudança de uma legislação federal, que além de atrasar o processo de licenciamento, custou-lhes dezenas de milhões de reais a mais, e ainda assim, em meio a desapropriações não previstas e investimentos espetaculares em tecnologias inéditas no País, entregarão um estádio com custo por assento inferior às das arenas construídas para a Copa do Mundo de 2014. Outro número estupendo e desprezado pelo Poder Público: mais de 4.4 mil funcionários e 150 empresas envolvidas na obra.  


Prevista para ser inaugurada em março de 2023, a Arena MRV encontra-se cansada, é verdade, jogando com nove em campo, enquanto seu adversário joga com onze, contando com a ajuda do juiz e do VAR, e ainda terá de aguentar mais oito minutos de acréscimos. Mas Ela é brava, é resiliente… é Galo! E empurrada por um time de excelência nos bastidores e por uma torcida que não desiste nunca, sairá campeã e dará aos mais de oito milhões de atleticanos apaixonados muito mais que um estádio, mas uma casa, um lar.