Trata-se de uma questão que se arrasta ao longo dos séculos

No “faz de conta” da Fifa, futebol e política não se misturam. Na vida real, é diferente. Talvez por isso, algumas manifestações de jogadores da Croácia durante a Copa tenham gerado polêmica. O primeiro caso veio à tona quando o zagueiro Lovren divulgou vídeo em que jogadores cantam Bojna Cavoglave, música da banda Thompson, que “pede desculpas” ao regime fascista croata. Após a vitória sobre a Rússia nas quartas de final, o zagueiro Vida e o auxiliar-técnico Vukojevic, em vídeo nas redes sociais, proclamaram “Glória à Ucrânia”, referência à ex-república soviética que teve o governo pró-Moscou derrubado em 2014, “forçando” o Kremlin a intervir militarmente e anexar a Crimeia. A confusão estava armada. Mas o que muitos não sabem é que, na verdade, se trata de uma questão que se arrasta ao longo dos séculos.
As rivalidades nos Balcãs (principalmente entre croatas e sérvios) vêm desde a chamada batalha do Kosovo, em 1388, quando áreas sérvias foram dominadas por otomanos-muçulmanos. Mas a semente do ódio germinou durante a 2ª Guerra Mundial, quando a Iugoslávia foi invadida pelas tropas nazistas.
De olho nos recursos naturais da região e numa rota de passagem até a Grécia, os nazistas “distribuíram” o poder local. Em abril de 1941, em parte do território, foi fundado o Estado Independente da Croácia. Ante Pavelic, líder da Utasha (ou Ustase), partido nacionalista de extrema-direita, com tendências nacionalistas e separatistas, foi o escolhido para assumir o poder, desde que acatasse as interferências germânicas. Passou até a ser chamado de Poglavnik, correspondente a Fuhrer (Alemanha) e Dulce (Itália).
Seguindo a ideologia nazista, a Ustase, de caráter racista, xenofóbico, antissemita e anticomunista, espalhou o terror pelo país. Retirou direitos de cidadãos sérvios e tentou convertê-los à força ao catolicismo. Houve um processo de perseguição, com invasões de vilas, prisões arbitrárias, uso da violência física e extermínio em massa (de 300 a 600 mil pessoas).
Com a derrota do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), a Ustase teve seu destino selado. Os Partisans (iugoslavos comunistas liderados por Tito) assumiram o poder em 1945 e criaram a República Socialista Federativa da Iugoslávia. E a partir deste momento, houve “o reverso da moeda”. Os croatas partidários da Ustase foram duramente perseguidos pelo governo de Tito. E não foram poucas as vezes em que o futebol esteve no centro das rivalidades. Rivais nas ligas iugoslavas, equipes croatas e sérvias faziam confrontos que ultrapassavam o âmbito esportivo.
Se o ódio mútuo ficou congelado durante muitos anos da ditadura de Tito, mais tarde, com o esfacelamento do regime socialista e a desintegração da Iugoslávia a partir de 1990, a região voltou a ser palco de sangrentas guerras. A Croácia declarou sua independência no ano seguinte, em meio a uma violenta guerra civil, que lançou uma longa sombra de pobreza sobre o país e deixou 15 mil mortos, com registro de crimes de guerras de ambos os lados.
Os jogadores que hoje formam a Seleção Croata eram apenas crianças, mas nem por isso passaram ilesos pelos horrores da guerra. Modric tinha seis anos quando viu o vilarejo que morava ser praticamente dizimado. A casa de sua família foi queimada e eles tiveram que fugir para a costa do Adriático. Algo semelhante ocorreu com Corluka e Subasic, que também assistiram suas cidades serem destruídas. Outros tiveram até que deixar o país, vivendo no exílio, casos de Lovren e Mandzukic (foram para a Alemanha) e Rakitic (Suíça). É preciso ressaltar que as chamadas guerras balcânicas se estenderiam até 2001, custando a vida de mais 140 mil pessoas. Ainda que não justifique, fica fácil entender um pouco do rancor que ainda persiste. Antes de atletas, os jogadores são seres humanos e, como tal, não há como negar as suas origens.
*Frederico Teixeira é jornalista e historiador