Luis Kawaguti

Do UOL, no Rio

O secretário da Segurança Pública do Rio, general Richard Fernandes Nunes, disse em entrevista exclusiva ao UOL que o combate ao crime de roubo de veículos será "prioridade absoluta" na fase atual da intervenção. Ele também detalhou como pretende aumentar o efetivo da Polícia Militar e anunciou um reforço de 1.700 policiais para este mês.

Em fevereiro deste ano foram registrados no Rio 4.792 roubos de veículos, segundo dados mais recentes divulgados pelo governo. O número é 92% maior que o registrado no mesmo mês em 2015, quando teve início uma escalada dessa modalidade de crime no Estado.

Nunes, que assumiu a secretaria em 26 de fevereiro, afirmou ao UOL que o roubo de veículos influencia outros tipos de crime, entre eles o latrocínio, que é a tentativa de roubo que acaba em morte. Aumentar o patrulhamento é um dos meios para frear esse tipo de crime.

O secretário da segurança detalhou os cinco eixos de ação que estão sendo usados para aumentar o efetivo de PMs (policiais militares) nas ruas – uma das principais apostas da cúpula da intervenção. São eles:

  • Convocar em abril ao menos 1.000 PMs já aprovados em concurso público
  • Reintegrar à PM policiais emprestados a outros órgãos (700 só em abril)
  • Chamar policiais para trabalhar na hora da folga em troca de adicional no salário
  • Fazer um pente fino nas licenças médicas e chamar quem pode trabalhar
  • Transferir efetivos de Unidades de Polícia Pacificadora para o policiamento regular

Nunes disse, porém, que ainda não é possível quantificar o total de policiais que serão acrescidos ao efetivo da polícia e quando o processo será concluído. A Polícia Militar do Rio tem hoje cerca de 44 mil policiais.

O secretário também anunciou ainda um convênio entre a Secretaria da Segurança e a Polícia Federal para compartilhamento de dados de inteligência nesta semana e a entrega de cerca de 300 carros para a polícia na segunda quinzena do mês.

Leia abaixo os principais pontos da entrevista:

UOL - O senhor é carioca. Como quer ver o Rio de Janeiro ao fim da intervenção em dezembro?

General Richard Nunes - Às vezes a gente passa uma imagem de que, por sermos militares, a gente tem uma visão exclusivamente federal dos problemas. Mas nós vivemos nos mesmos bairros, nossos filhos estudam nas mesmas escolas que todo mundo, vamos nos mesmos supermercados, nós passamos pelos mesmos dramas. Então, eu sempre tento deixar claro que fui indicado para esse cargo, mas eu tenho vínculo com essa terra porque eu nasci e fui criado aqui.

Eu quero ver os órgãos de segurança pública ocupando o lugar devido que merecem dentro de uma sociedade democrática. Quero ver a polícia respeitada, acreditada pelos resultados de sua ação e plenamente integrada à vida da sociedade.

Pedro Teixeira/Agência O Globo
As polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro patrulham a comunidade Cerro-Corá, no Cosme Velho, na zona sul carioca.

A intervenção tem um prazo muito curto. O que é possível fazer?

O tempo é curto, mas dá para fazer muita coisa. O cuidado que eu tive aqui na secretaria foi aproveitar os bons planejamentos que já havia, porém que não foram implementados por falta de recursos ou por falta até mesmo de força política.

Nós acreditados que com os recursos -- tanto com a recuperação da economia do Rio de Janeiro quanto com os recursos federais alocados [R$ 1,2 bilhão] --, e do ponto de vista da influência que a gente pode ter em um quadro de intervenção federal, muito do que estava represado pode ser agora executado.

O senhor pode dar exemplos de legados que quer deixar na secretaria de Segurança?

Na pasta, em termos de pessoal, nós queremos reestruturar a carreira [dos policias]. Acabei de fazer uma reunião com a Polícia Militar para tratar da carreira do policial militar. Há necessidade premente de que sejam feitos ajustes que vão garantir a própria sustentabilidade da corporação. Nós temos que fazer ajustes importantes em termos de qualificação de pessoal, de fluxo de carreira para que nós tenhamos uma corporação permanentemente rejuvenescida.

Na área de inteligência, integração é a palavra de ordem, e este legado que nós estamos construindo entre as diferentes agências não pode se restringir ao período da intervenção. Quando a intervenção terminar, este legado prossegue.

PMERJ / Divulgação
Policial militar vigia orla da praia no Rio de Janeiro

No que a carreira do policial vai mudar na prática?

Ele vai ser promovido com critérios mais rigorosos de mérito. Esse é um objetivo nosso. Hoje as promoções ocorrem de uma maneira automática, por tempo de serviço e isso já é uma coisa muito antiga. Essa é uma ação que nós vamos ter que executar ainda este ano.

O mérito vai ser medido por produtividade?

O mérito é bastante abrangente. Ele envolve, sim, desempenho na sua área funcional específica, envolve desempenho nos cursos que realiza, envolve uma avaliação pelos pares, uma avaliação dentro de sua atribuição hierárquica, então é um critério complexo.

Mas, basicamente, vai se recompensar os mais comprometidos, aqueles que realmente têm uma demonstração mais evidente de que estão mais alinhados com os objetivos da corporação.

E eles vão ter mais cursos e treinamentos?

A educação de um profissional de uma carreira como essa deve ser continuada. Então, deve haver um processo permanente de educação, tanto mediante os cursos que são obrigatórios como com os de treinamento para o aprimoramento da sua atividade profissional. Isso aí nós já começamos, inclusive nessa área nós temos a ideia de aproximar mais essas instituições do próprio Exército, porque temos no Exército uma reputação enorme nessa área.

Então, estamos aproximando a nossa subsecretaria que cuida da educação, tanto da Polícia Civil como da Polícia Militar, do Departamento de Educação e Cultura do Exército e vamos ali interagir e ver quais oportunidades vão surgir. Quando a gente conversa, quando estabelece um mecanismo de diálogo permanente, as ideias vão brotar de baixo para cima. Eu acredito muito mais nas soluções que vão ser propostas de baixo para cima do que algo imposto por mim como secretário.

Gabinete de Intervenção Federal / Divulgação
Membros do Gabinete de Intervenção Federal fazem inspeção no Bope

O Exército começou a treinar o 14º Batalhão da PM (Bangu) inclusive com técnicas de combate a curta distância. Críticos dizem que o Exército não tem capacitação para atuar na segurança pública, o que o senhor diria sobre isso?

A nossa visão é sempre a da integração e da parceria. Não temos a pretensão de ensinar. Nós, do Exército, não vamos transmitir simplesmente as nossas ideias para a Secretaria de Segurança Pública. Por isso eu estou aqui. Nós vamos interagir, nós vamos dialogar, nós vamos buscar as melhores práticas de cada corporação.

O que está sendo feito no 14º Batalhão e vai ser ampliado para outros é isso: mostrar um olhar de fora e que esse olhar de fora, confrontado com o olhar de dentro, possa resultar em algo melhor. Nós no Exército fazemos isso com outras organizações.

A escala de trabalho de policiais em turnos de 24 horas de trabalho por 72 de folga é um ponto sensível. O que pode ser feito em termos de escalas?

Isso dá a impressão para o público de outros estados que alguns problemas são exclusivos do Rio de Janeiro. Não são. Esse é um problema abrangente, ele é nacional. Ocorre em todos os estados.

O problema de escala policial é um tema efetivamente polêmico. Esse regime de trabalho está em estudo e há outras soluções que outros estados adotam, mas, no fundo, a modificação não é tão relevante. Ele pode aumentar a produtividade? Pode. Por isso nós estamos estudando. Pode ser que mude? Sim, mas precisa ser um trabalho ainda mais amadurecido, que já começou. Quando estivermos prontos com uma proposta, nós vamos sentar à mesa e levantar vantagens e desvantagens. Se as vantagens preponderarem, nós vamos modificar.

Wilton Junior/Estadão Conteúdo
Movimentação de policiais militares na comunidade na Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro

Que tipo de dificuldades há para implementar esse sistema de georreferenciamento, o que dificultou a sua implementação até agora?

Eu não vejo grandes dificuldades, ele vem numa marcha muito boa. O problema não é ele, o problema é a utilização dele. O pessoal costuma falar em outras entrevistas que há uma falha de inteligência: "Temos que integrar a inteligência". A inteligência está muito bem integrada já.

Quando nós tivermos a posse do novo superintendente da Polícia Federal aqui no Rio de Janeiro [no dia 20], nós vamos assinar um termo de cooperação da Polícia Federal com a Secretaria de Segurança Pública tornando o compartilhamento de dados algo completo mesmo.

Não é que haja falta de dados de inteligência, não é isso. O que falta são meios suficientes para dar conta de tanta informação que nós dispomos. Esses meios vão chegar. Na segunda quinzena de abril nós, temos a previsão de entrega de quase 300 viaturas para a Polícia Militar. Nós estamos fazendo um trabalho de recuperação de efetivos, de reincorporação de efetivos, de modo a que essas notícias boas virão.

Todos os PMs que estão em órgãos não policiais voltarão ao patrulhamento?

Não é o caso de trazer todo mundo, não seria uma medida inteligente. Há policiais que estão em determinados órgãos porque é interesse da segurança pública, porque é interesse da sociedade. Ter policiais junto ao Ministério Público, junto ao Tribunal de Justiça, junto a determinados órgãos, para nós é essencial, porque eles estão num trabalho integrado.

Já há um número de quantos policiais retornarão?

Acreditamos que numa primeira fase a gente possa ter em torno de 700 policiais reincorporados à Polícia Militar inicialmente. Nós temos dado prazo inicial de 72 horas, mas logicamente que há flexibilidade.

Então vai ser algo rápido?

Vai ser durante o mês de abril. Mas não é só isso não, isso é pouco. Há muito mais que pode ser feito. Nós estamos trabalhando em cinco eixos de recuperação de efetivos. Esse é um deles.

Ricardo Borges/UOL
Richard Nunes trabalha em cinco eixos para recompor o efetivo da PM

O outro eixo é a da própria reinspeção de saúde. Nós temos muitos policiais afastados por razões médicas que nós precisamos reavaliar. Alguns precisam até de um tratamento melhor e outros podem ser requalificados dentro dessa capacidade médica.

Ele [policial] pode estar com alguma capacidade física que o limite para alguma ação policial ostensiva, mas ele pode perfeitamente ser aproveitado em uma atividade meio [burocrática, por exemplo] -- o que libera outros companheiros para trabalhar na atividade fim [patrulhamento e combate à violência].

Outra fonte de efetivo é a volta do Regime Adicional de Serviço, do chamado RAS [que permite que policiais trabalhem oficialmente no policiamento em dias que estariam de folga recebendo pagamento adicional].

Houve uma sinalização positiva do governo do estado de que os recursos vão voltar a ser implementados. Isso aí significa que a gente coloca na rua, por dia, cerca de 1.000 policiais. Se somado com os policiais civis são cerca de 1.200 por dia nas ruas. Isso é extremamente eficaz para nós.

É muito comparado ao efetivo de policiais que já está na rua?

É um percentual considerável, se nós considerarmos, por exemplo, que o efetivo da Polícia Militar é da ordem de 44 mil policiais; você ter 1.000 por dia a mais na rua, num ciclo de 24 horas por 72 horas, é cerca de 10% do efetivo da força total, é muita coisa.

Temos ainda outras iniciativas, eu já falei três. Temos ainda a questão da chamada de concurso [policiais militares que passaram em concurso público, mas não assumiram os cargos].

Nós temos alguns entraves, mas nós queremos ver se neste mês temos a notícia boa de convocar cerca de 1.000 concursados para iniciar o curso de formação de soldados.

Esse processo estava parado por causa de dívidas e questões burocráticas. Os entraves foram vencidos?

Foram vencidos. O entrave hoje é muito mais simples de se resolver, é uma questão da própria configuração do concurso, de alguns entraves que têm que ser resolvidos.

E nós temos uma quinta fonte de pessoal: as reformulações das UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora], que já estão em andamento.

Vila Kennedy é um exemplo clássico. Policiais que estavam nessas UPPs, muitas vezes com uma ação restrita -- porque essas UPPs não deram o resultado necessário --, também vão se incorporar aos batalhões que precisam mais de efetivo.

Eu não tenho esse dado ainda mas, quando nós somarmos essas fontes de complemento de efetivos, vai ser um saldo muito favorável.

Reginaldo Pimenta/Raw Image/Estadão Conteúdo
Unidade de Polícia Pacificadora no Complexo do Alemão

O senhor havia falado que metade das UPPs passariam por modificações, hoje são 38 delas.

É por volta disso, e aí não é desativação somente. Eu quero deixar isso muito claro. Às vezes é a reestruturação delas, UPPs que podem ser incorporadas, sofrer redefinição territorial. Então há situações diversas. Nós não vamos ter solução padrão. Pedi um aprofundamento desses estudos, de modo que a gente possa também ao longo do mês de abril ter uma definição mais clara do que vamos fazer. A definição a gente vai buscar agora, mas não vamos fazer tudo ao mesmo tempo.

A maior parte das mortes de policiais no Rio acontecem quando eles estão fora de serviço. O que pode ser feito para dar uma proteção maior para esses policiais?

Eu acredito que o RAS [Regime Adicional de Serviço] já é uma boa solução. Essa questão desse policial buscar uma outra atividade [bico] acaba induzindo a isso. Essa outra atividade, se puder ser feita pelo regime adicional de serviço, é muito mais saudável para todos.

O segundo ponto que eu vejo é que a sociedade brasileira em geral, e aqui no Rio de Janeiro em particular, atingiu índice alarmante de violência. O policial parte do princípio de que se ele for surpreendido, se ele for assaltado, ele não vai ter uma segunda oportunidade.

A minha recomendação é que eles passem por melhor treinamento, melhor capacitação, até uma mudança de hábitos, para reduzirmos esse tipo de ocorrência. No que diz respeito à criminalidade propriamente dita, nós precisamos atuar num determinado tipo de crime que eu vejo que normalmente está associado ao latrocínio [roubo seguido de morte], que é o roubo de veículos.

Nós precisamos urgentemente, de maneira impactante, reduzir esse índice e nós vamos fazer isso, com ações integradas, incluindo as tropas federais que vão participar desse esforço.

E do roubo de veículos você parte para outra prática criminosa: se usa o veículo roubado para prática de outros crimes. Então eu tenho uma expectativa muito favorável que, se nós reduzirmos consideravelmente o roubo de veículos, talvez esses episódios envolvendo os policiais se reduzam bastante.

É prioridade então o combate ao roubo de veículos?

Prioridade absoluta. E para quando? Para já. Para o mês de abril também.

LEONARDO COELHO/ESTADÃO CONTEÚDO
Secretário diz que Forças Armadas farão ações pontuais em favelas onde há conflito grupos criminosos

Os episódios de violência armada em locais como a Rocinha ou a Praça Seca inquietam a população. A solução para comunidades desestabilizadas, onde há disputa de facções, é o uso de forças federais ou passa por outros caminhos?

Eu vejo que a solução são sempre os órgãos de segurança pública do estado, porque são esses que têm essa missão e vão prosseguir com ela. As forças federais estão aqui para cooperar. Como atuar nessas áreas? Primeiro temos que ter um cenário mais definido e temos que ter as forças policiais capazes de sustentar aquela estabilidade que vai ser proporcionada [pelas Forças Armadas].

Então nós temos que priorizar as áreas e atuar ponto a ponto. Mas é difícil, realmente, ninguém aqui vai fazer uma promessa vã. Nós vamos ter dificuldades e essas dificuldades serão vencidas, quanto mais houver apoio da população também. A população tem que entender que nós precisamos estar juntos. O disque denúncia é fundamental.

Então pode haver ações pontuais [das Forças Armadas]?

Haverá. Isso eu afirmo. As comunidades não estabilizadas continuarão a ser objeto de ações integradas com esforço maior, com efetivo maior, isso é necessário. Agora, sempre calcadas em um estudo de inteligência mais profundo, com dados muito mais concretos, para que a gente possa agir sobre os alvos de uma maneira muito mais precisa.

Luis Kawaguchi/UOL
Favela da Vila Kennedy, zona oeste, ficará ocupada por militares até o fim de abril

Como está a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco?

O que eu posso dizer é que as investigações avançam permanentemente, a cada dia se dá um passo adiante e nós temos razões para acreditar que nós vamos chegar a bom termo nessas investigações. Dentro de uma média histórica, o tempo decorrido do crime até agora, aquilo que foi feito em termos de verificação, corresponde perfeitamente ao que foi feito em outros que foram elucidados anteriormente.