Descrito como “explosivo” por seu coreógrafo, Rodrigo Pederneiras, o balé Benguelê, do Grupo Corpo, estreou no ano de 1998, tendo como referência as danças populares brasileiras, criadas e recriadas pelo cantor, violonista e compositor João Bosco. A coreografia tem marcações de pé, de pélvis, de ombro, muita mão no quadril e remelexo de cintura se desdobram no festivo, no ritualístico, no ancestral mesmo, com figuras humanas vergadas pelo tempo. A ocupação do espaço é, na maior parte do tempo, frenética. Já a cenografia de Fernando Velloso e Paulo Pederneiras, em tons escuros de breu e grafite, faz contraponto com a mistura final de todas as cores nos figurinos de Freusa Zechmeister, que adota o branco como matriz e trabalha com a sobreposição de tecidos.

Dois anos depois, quando a companhia de dança belo-horizontina celebrava 25 anos, o público se deleitava com O Corpo, em que Pederneiras arquitetou movimentos mais secos e vertiginosos, emulando uma pulsação ao mesmo tempo tribal e futurista, indo do fetal ao autômato. Na montagem, com trilha sonora assinada pelo músico, poeta, compositor e artista visual Arnaldo Antunes, o linóleo é vermelho e o cenário virtual, projetado por Paulo Pederneiras, faz a sincronização de luzes vermelhas em diversas saturações, acompanhando a trilha e dialogando com graves e agudos.

Agora, os dois espetáculos, velhos conhecidos da plateia belo-horizontina, figurando entre as remontagens mais pedidas, voltam a ser apresentados na capital mineira a partir desta quarta-feira (11), quando o Grupo Corpo inicia sua temporada anual na cidade, que se estende até domingo (15), no Grande Teatro Palácio das Artes. Ambas as peças, aliás, voltam à cidade, após um longo hiato, com um renovado elenco de bailarinos – para os quais, diga-se, a apresentação tem até um gostinho de “grande estreia”. 

No caso, a apresentação mais recente de Benguelê em BH ocorreu há 8 anos, em 2016. Já O Corpo não é remontado na cidade há mais tempo ainda: a última vez foi há 13 anos, em 2011. “O Benguelê eu vi, como plateia, na última vez que ele foi montado”, recorda Vitória Lopes, que, com 24 anos, é dois anos mais jovem que o referido balé, para o qual vem se preparando para apresentar.

Quando assistiu ao espetáculo, pela primeira vez, ela conta ter ficado “chocada” com a maneira como os bailarinos ocupam o palco, criando uma sensação de que os movimentos são uma projeção ou, ainda, gerando a sensação que o tablado é ocupado não por cerca de 20 bailarinos, mas por um grupo muito maior. “É uma caminhada, uma travessia que parece infinita”, reflete a belo-horizontina que, à época, não imaginava que um dia trocaria de papéis, saindo do conforto contemplativo da plateia para o desafio do palco.

Antes, claro, fez a sua própria travessia: tornou-se bailarina profissional, mudou-se para o Rio de Janeiro e integrou a Companhia de Dança Deborah Colker. O retorno à sua cidade-natal aconteceu há um ano e meio, quando finalmente entrou para o Grupo Corpo.

Por sua vez, Davi Gabriel, 23, há dois anos na companhia de dança, nunca havia assistido, pessoalmente, a nenhum dos dois espetáculos que, agora, ele interpretará. “Eu só os conhecia por vídeos e a impressão que eu tinha, sempre que assistia, era de que, mesmo sendo criados antes de eu ter nascido, eles poderiam ser refeitos a qualquer momento, porque são completamente atemporais”, garante ele que, nascido em Belém, no Pará, mudou-se para a capital mineira há dois anos, quando tornou-se membro do Grupo Corpo. “Se alguém me dissesse que as peças estavam estreando, eu acreditaria”, crava.

‘Como se fosse uma grande estreia’
Universalismo e atemporalidade, diga-se, são adjetivos usados também por Edésio Nunes, 30, para descrever os balés O Corpo e Benguelê. Embora já esteja na companhia há mais tempo, precisamente, há 6 anos, ele também nunca havia realizado nenhuma das duas remontagens.

“São coreografias completamente novas para mim porque, da última vez que foram realizadas, eu ainda não era do grupo”, situa o bailarino nascido em Prata, cidade localizada na região do Triângulo Mineiro, que, em seguida, ratifica os apontamentos de Davi: “Estamos falando de peças que não ficaram datadas, que se mantém atuais, de maneira que, para mim, mesmo sendo uma remontagem, é como se fosse uma grande estreia”.

Veterano na companhia, Rafael Bittar, 33, por outro lado, já realizou as duas montagens e garante: “O nosso corpo realmente tem memória. Já fazem 10 anos que apresentei Benguelê e só de ouvir a música, agora, já recordei os movimentos, como se os movimentos viessem de um jeito quase involuntário, quase como um reflexo”. 

Mas, mesmo estando mais familiarizado as peças, ele também é do time que defende que cada nova apresentação é, por si, também carregada de novidade. “Sempre tem corpos novos em cena. Dessa vez, inclusive, serão 10 novos bailarinos, o que faz tudo ficar mais interessante”, comenta, mencionando que o papel que cumpriu na primeira vez que dançou esses balés é muito diferente daquele que cumpre agora. “Enquanto, lá atrás, eu tinha acabado de chegar na companhia e eu buscava muita referência com quem tinha mais experiência, agora, eu é que estou nesse papel, dialogando muito com os que estão chegando”, comenta.

De fato, enquanto a reportagem acompanhava os ensaios, na última segunda-feira (9), era perceptível como, espontaneamente, enquanto aqueciam e recordavam marcações, os bailarinos trocavam experiências. Geralmente em duplas ou quartetos, eles se observavam antes de seguir por um tempo em exercícios solo, até voltar a se agrupar, já com outras pessoas. À certa altura, Rafael orienta um novo integrante da companhia. “Esse é o segredo”, diz, apontando para a forma como a mão de outro bailarino se apoia no seu corpo, dando sustentação para uma série de movimentos feitos a dois.

SERVIÇO:
O quê. Grupo Corpo apresenta O Corpo e Benguelê
Quando. De quarta (11) a domingo (15). Quarta a sábado, às 20h; domingo, às 18h
Onde. Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, centro)
Quanto. A partir de R$ 20 (meia entrada, Plateia Superior). Até R$ 220 (inteira, Plateia I - Central). Ingressos na bilheteria do teatro ou pela plataforma Eventim.