Com a transferência da sede do governo para a Cidade Administrativa, o Palácio da Liberdade, a praça e os prédios ao redor deixaram de ser o centro do poder de Minas Gerais. Nos 102 anos que exerceram a função, os prédios e a praça receberam a visita do rei da Bélgica em 1920, assistiram manifestações - assistindo a episódios violentos, como a morte do cabo Valério dos Santos Oliveira com um tiro na cabeça após protesto por salários melhores - , e velaram Tancredo Neves.

A mudança foi uma oportunidade para se consolidar algo que sempre esteve presente: a vocação cultural da Praça da Liberdade, com o Museu Mineiro e a Feira Hippie.

“É um espaço que sempre teve a sua vocação cultural, sempre esse papel de ser quase uma síntese da diversidade cultural de Minas Gerais”, afirma Eliane Parreiras, ex-secretária de Cultura no governo Anastasia e atualmente presidente da Fundação Clóvis Salgado. 

 

Em razão disso, o governo estadual decidiu que os prédios vagos abrigariam espaços culturais diferentes. Assim surgiu o Circuito Liberdade. Dez anos depois, 12,9 milhões de pessoas já visitaram os 15 prédios que se dividem entre museus, centros culturais, biblioteca, o Arquivo Público Mineiro e o próprio Palácio da Liberdade.

“Quando cada um dos espaços foi pensado e idealizado havia uma intenção de que esses conteúdos fossem complementares. Então, um espaço é mais voltado para arte contemporânea, outro para a arte popular, outro voltado para produção histórica e para parte histórica de Minas Gerais, mas todos eles atuando de maneira integrada nesses conteúdos”, explica Eliane Parreiras, que também foi responsável por desenhar o modelo de gestão do Circuito em 2009.

De acordo com o ex-governador Aécio Neves (PSDB), ele se dedicou de forma especial ao Circuito, que considera um dos principais projetos de seu governo.

"A recuperação e restauração de prédios de inestimável valor histórico e arquitetônico, antes destinados ao uso exclusivo da burocracia do Estado, e, desde 2010, democraticamente abertos ao público como espaços de conhecimento, arte e cultura, contribuiu para uma verdadeira transformação da vida na capital. O circuito hoje é uma referência para todo o Brasil", disse Aécio, por meio de nota.

De acordo com Eliane Parreiras, mais do que a criação de equipamentos culturais em uma mesma área, o projeto destaca-se por, como o próprio nome diz, ter um conceito de circuito. Com uma governança centralizada, embora cada museu e centro cultural tenha autonomia, é possível estabelecer, por exemplo, que cada espaço feche em dias diferentes para realizar manutenção. Assim, um visitante nunca chegará ao local e encontrará tudo fechado. 

Além disso, o calendário pode ser planejado para que haja uma oferta cultural constante durante todo o ano, ao invés de períodos em que há muitos eventos ou períodos que não há oferta nenhuma.

Os prédios do entorno da Praça da Liberdade passaram por uma restauração para que pudessem ser utilizados como espaços culturais. Sete prédios são de responsabilidade do Estado, enquanto outros oito foram restaurados e são geridos por parceiros, públicos ou privados. 

Os edifícios foram adaptados às necessidades do Estado e da gestão administrativa ao longo dos anos: obras de manutenção, pinturas, instalação de redes de internet. As intervenções prejudicaram o caráter de patrimônio histórico e cultural das construções.

“Todos os prédios sofreram passaram por recuperação completa, recuperação de projetos originais, descobertas de pinturas que já estavam debaixo de 10, 15 mãos de tinta porque foram sendo utilizados como espaços de escritório”, lembra Eliane.

Além de uma opção cultural consolidada, o Circuito Liberdade também impacta a economia da capital mineira. São mais de 700 empregos diretos e 600 fornecedores, empresas de serviço, produtores culturais, técnicos e artistas mobilizados. Há ainda o comércio: ao atrair visitantes, sejam eles belo-horizontinos ou turistas, o Circuito estimula o consumo, afirma a professora de Turismo da UFMG, Diomira Maria. Atualmente, ela também é diretora científico-cultural do Espaço do Conhecimento UFMG,, que faz parte do Circuito da Liberdade.

“Há uma maior demanda por serviços de alimentação, hospedagem e transporte. Assim, estabelecimentos que ofertam estes serviços e estão localizados próximos da praça são beneficiados”, diz.

Ela identifica também um processo de transbordamento: algumas instituições que fazem parte do Circuito Liberdade estão se instalando em ruas adjacentes à Praça da Liberdade, em vez do seu entorno, como o Centro Cultural Minas Tênis Clube e o BDMG Cultural, na rua da Bahia. “Esse processo aumenta a densidade de possibilidades de cultura e lazer em uma área bem delineada, de fácil acesso, com pequenos deslocamentos”, afirma Diomira.

Michele Arroyo, presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), órgão responsável pela gestão do Circuito, identifica outro fenômeno nos últimos anos: a instalação de universidades privadas nas proximidades da praça da Liberdade, além da Escola de Design da Uemg, que integra oficialmente o projeto.

Para ela, o maior desafio atual do Circuito Liberdade é articular e integrar os museus e centros culturais já existentes com as instituições de ensino superior. Segundo ela, a vocação do circuito para as artes, memória, identidade e patrimônio cultural de Minas Gerais pode ganhar uma nova dimensão:

“O desafio é pensar um circuito educacional de ensino superior que pode interagir e se articular com os equipamentos culturais que já estão ali”, diz. “A centralidade da praça hoje passa pela ampliação desse público. Ela sempre foi lugar de fruição pública, para além da área administrativa. Mas esse lugar foi ampliado com a ocupação dos edifícios por espaços culturais e agora ainda mais de outros edifícios como espaços educativos”, conclui Michele.