- Thaís trabalha como enfermeira em um hospital e sustenta a casa / Foto: João Leus
Thaís Diniz Rosa, 24, é uma enfermeira negra que arca com os gastos da família. A bombeira militar, Priscila Martins de Souza, 25, conquistou a casa própria. E a enfermeira Samire Lopes Pereira, 24, junta dinheiro para realizar o sonho do casamento. Contando assim, “pelo final”, as histórias delas não parecem ter qualquer ligação. Mas o que as une é o fato de as três fazerem parte da primeira geração de estudantes com reserva de vagas nas universidades federais do país, fruto da Lei de Cotas, de 2013.
Todas elas, assim como as 6.512 pessoas que conquistaram uma vaga em Minas Gerais graças à política inclusiva naquele ano, não tinham condições de pagar para estar na faculdade. E, atualmente, depois de formadas, elas começam a conquistar o mercado de trabalho. Em sete anos, 97.366 estudantes conseguiram uma cadeira em cursos superiores no Estado. Em todo o Brasil, foram 723.447, segundo o Ministério da Educação.
Para parte dessas pessoas, o estudo possibilitou o rompimento de um ciclo de pobreza. “Na UnB (Universidade de Brasília), nós implementamos as cotas em 2003, antes da lei. E, agora, começa a formar a primeira geração de doutores cotistas e de profissionais brilhantes que já podem dar uma vida melhor aos filhos”, explica a relatora do plano de cotas da UnB, Dione Moura.
Mas o caminho entre a conquista da vaga e a sonhada formatura é longo para esses bolsistas. Eles precisam enfrentar a falta de dinheiro, a necessidade de trabalhar e até o preconceito. “As cotas levaram diversidade para as salas de aula. Mas precisamos de programas de permanência para evitar que esses alunos abandonem os cursos por falta de condições, principalmente financeiras”, defende o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Uberlândia, Guimes Filho.
Ex-bolsista vira residente em maternidade
Para Samire Lopes Pereira, 24, tão importante quanto se destacar no mercado de trabalho é formar uma família. Ter filhos faz parte dos planos da jovem, que adora crianças. Após se formar em enfermagem, ela conseguiu outras duas vitórias: conviver com bebês ao fazer residência em uma maternidade e juntar dinheiro para o casamento.
“Eu e meu namorado queremos comprar nosso apartamento para nos casar”, conta. Ela entrou na faculdade em 2013. “A cota é um benefício e facilita o acesso às universidades, mas o resultado depende mais do aluno”, ressalta.
Jovem conquistou a independência
Priscila Martins de Souza, 25, estudou boa parte da vida em escola pública. Muito dedicada, ela conseguiu uma vaga no curso de Informática do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) quando estava no ensino médio. Foi lá que ela tomou gosto pela área e decidiu fazer faculdade de ciências da computação.
Mas havia um problema: “Meus pais não tinham dinheiro para pagar faculdade de dois filhos. Então, eu tinha que passar na federal”, conta. E, depois de muito estudo, ela foi uma das 4.854 pessoas aprovadas por cotas em Minas Gerais, no primeiro semestre de 2013.
A faculdade foi só o primeiro passo. “Eu sempre quis passar em um concurso para ter segurança, e foi graças ao que aprendi na UFMG que consegui isso”, lembra. Ela passou no concurso do Corpo de Bombeiros para atuar na área de informática. Na prova, caíram conhecimentos na área e inglês, que ela treinou em um curso gratuito que fazia na universidade e em um intercâmbio que fez também por intermédio da instituição.
Com a estabilidade, Priscila conseguiu dar mais um passo: montou a própria casa. “A independência é tudo”, comemora.
Estudante supera preconceito inicial
Filha de costureira e sem condições para arcar com os estudos, aos 17 anos Thaís Diniz Rosa, hoje com 24, decidiu que seria babá, pois sempre gostou de “cuidar de gente”. Afinal, pensava: faculdade não era sonho para uma garota negra, pobre e filha de pais separados.
Quando estava no ensino fundamental, em 2008, inclusive, só 26,75% dos alunos da graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) eram negros. Assim que concluiu o ensino médio, a jovem fez o vestibular e ficou surpresa quando foi aprovada na UFMG.
Thaís integrou a turma de cotistas no primeiro ano após a regulamentação da lei, em 2013.
Hoje, formada em enfermagem, Thaís “cuida de gente”. Ela faz pós-graduação na área de UTI e trabalha em um hospital. Com a mãe doente, é a jovem quem sustenta a casa. Chegar a esse ponto, no entanto, não foi fácil. Até para pagar ônibus e xerox ela precisava da ajuda de amigos e familiares.
“Eu sofri preconceito por causa da minha cor e da minha situação financeira. As pessoas não estavam acostumadas com diversidade nas faculdades”, lembra. No ano passado, a quantidade de alunos pretos e pardos da UFMG chegou a 49%.