EXCLUSÃO


A expectativa do primeiro dia de aula tem se tornado uma verdadeira batalha, especialmente para pais de alunos com algum tipo de deficiência ou transtorno de desenvolvimento, como o autismo, na hora de matricular os filhos em escolas particulares de Belo Horizonte.

A recusa das escolas em realizar as matrículas desses alunos e a angústia dos inúmeros e repetidos “nãos” afetam pais, alunos e tem movimentado o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública do Estado (DPMG) na criação de um fórum para atuar nesses casos.

A dona de casa Cristina, 44, conta que até o dia 10 de setembro havia recebido a negativa de 17 escolas particulares na capital mineira, mas ainda não desistiu. Os discursos são quase sempre os mesmos.

“Algumas falam que a escola não tem mais vaga na cota de alunos com inclusão, outras que não podem aceitar, outras simplesmente negaram. Teve uma escola que me disse: ‘A sua filha não vai ser feliz aqui, procure outra escola’”, conta.

A mãe conta que a filha de 9 anos tem uma síndrome genética, que gera atrasos múltiplos, cognitivos e motores e precisa de uma tutora. Uma das escolas chegou a sugerir que a mãe arcasse com esse custo.

“Em outra escola, eu levei para ela fazer um teste, ela estava na expectativa de ser aceita, e depois a pessoa falou que não poderia aceitá-la. Ela escutou e ficou muito triste”, lembra.

Legislação

De forma nenhuma a escola, seja pública ou particular, em qualquer nível ou modalidade de ensino, pode negar a matrícula em virtude da deficiência do aluno, segundo o advogado Thiago Elton, membro da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG).

O direito é garantido por diversos instrumentos, entre eles a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) – Lei 13.146/2015 e pela Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) – Lei 12.764/2012.

"O Brasil é muito poderoso no papel, mas, na hora de se efetivarem esses direitos, a gente não vê, na prática, acontecendo a dignidade e a garantia da pessoa com deficiência, sobretudo no âmbito da educação", afirma Elton.

Somente neste ano, pelo menos duas instituições de ensino particulares – no Distrito Federal e em Florianópolis – já foram condenadas a pagar indenização de R$ 20 mil e de quase R$ 30 mil, respectivamente, por danos morais às famílias que tiveram as matrículas de crianças diagnosticadas com autismo recusadas.

Sindicato de escolas opta pelo silêncio

Na tentativa de ouvir um posicionamento das instituições de ensino, a reportagem procurou o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG). Porém, a presidente da entidade, Zuleica Reis, informou que não conseguiria atender a O TEMPO, nem mesmo por telefone, por que estava fora de Belo Horizonte.

Em dezembro de 2013, o jornal já havia noticiado o drama das famílias na matéria “Escolas particulares se negam a fazer matrícula de autistas”.

Na época, a Associação dos Amigos do Autista de Minas Gerais (AMA) informou que havia recebido dez denúncias de casos assim.

 

MINIENTREVISTA: ‘Só pode haver negativa se não houver vaga'

 

Leia nossa conversa com Luís Renato Braga Arêas, defensor Público em MG, coordenador adjunto da Comissão Especial do Direito da Pessoa com Deficiência da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (AnadEP):

O TEMPO - Essas negativas são comuns?

LUÍS ARÊAS - Infelizmente, acontece muito nas escolas particulares. Essa negativa da matrícula não ocorre só com autismo, mas com deficiências em geral. E, nesses casos, só pode haver a negativa se não houver vaga para nenhum aluno. Preenchidas todas as vagas, aí nenhum outro aluno entra, mas, tendo a vaga, independentemente de processo seletivo ou prova de seleção, esses alunos têm direito à educação inclusiva.

Qual tem sido a atuação dos órgãos públicos de defesa nesses casos?

O artigo 79 da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) fala que a Defensoria Pública e o Ministério Público são responsáveis por assegurar os direitos da pessoa com deficiência e que o agente pode atuar em conjunto nessa conscientização. Cabe aos órgãos públicos fazer essa fiscalização e adotar providências para que as escolas respeitem a LBI.

São necessárias punições mais severas para que a lei seja efetivamente cumprida?

A punição já é alta. O crime já é severo. O que precisa é de fiscalização efetiva. Que as instituições comecem a fiscalizar e exigir o cumprimento da lei que, infelizmente, todo mundo descumpre. Se for fechar escolas, fechariam todas porque dificilmente vamos ter escolas cumprindo na integralidade o que determina a lei. Mas as famílias geralmente estão em um processo de fragilidade e dificilmente se mobilizam para cobrar isso. Também falta estrutura por parte das instituições de defesa. Na própria Defensoria Pública, a estrutura de pessoal para fazer esse trabalho é precária. Por isso veio a ideia de criar um fórum.

Como será esse fórum?

Ainda estamos em conversa, mas neste ano já devemos soltar algum posicionamento mais firme. Na verdade, a criação do fórum é para discutir a educação inclusiva com escolas e famílias. A ideia é conscientizar as instituições para que cumpram a lei. Muitas descumprem por desconhecimento.