Congestionamentos e falta de recursos sacrificam a produção no país
De casa para o trabalho, Paulo Henrique, 24, gasta cerca de 120 minutos. Do trabalho para casa, entre o Buritis, na região Oeste de Belo Horizonte, e o Riacho, em Contagem, na região metropolitana, são mais 150 minutos, por causa do horário de pico. Apesar de estar acima da média de tempo de deslocamento do trabalhador brasileiro – que, segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), é de 114 minutos –, a rotina de Paulo é um retrato de muitas realidades no país. Na região metropolitana de Belo Horizonte, o tempo médio do trajeto casa-trabalho-casa é de 125 minutos.
“Eu poderia dedicar esse tempo ao estudo, ao aumento da produtividade no trabalho e até ao descanso. Esse desgaste impacta meu rendimento, principalmente nos últimos dias da semana”, diz Paulo.
A economia também perde. O levantamento da Firjan aponta que, todo ano, os congestionamentos e a precariedade do transporte coletivo tiram da economia brasileira cerca de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados mais recentes foram compilados há três anos. Considerando esse mesmo percentual sobre o PIB de 2017 (R$ 6,6 trilhões), estima-se que as perdas seriam de R$ 290,4 bilhões por ano.
“O tempo que as pessoas perdem no trânsito por causa da imobilidade poderia ser usado para gerar riqueza. Mas também poderia ser aproveitado com suas famílias, e essa perda não dá nem para mensurar”, afirma o sócio da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios Cláudio Frischtak, autor do livro “Mobilidade Urbana: Desafios e Perspectivas para as Cidades Brasileiras”.
“Nossas cidades estão em processo de espraiamento, com pessoas morando mais longe. O transporte público é ruim; os governantes se sentem na obrigação de facilitar o uso do automóvel e acham que estão resolvendo, enquanto, na verdade, estão contratando uma crise de mobilidade no longo prazo. Tem é que investir em transporte de massa, criar pedágios urbanos e cobrar mais caro pelo estacionamento”, avalia Frischtak.
Segundo o estudo “Desafios da mobilidade urbana do Brasil”, feito em 2016 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para priorizar o transporte coletivo também é importante onerar o uso de carros por meio de medidas como a taxação da gasolina – algo que seria certamente mal recebidp pela população e, portanto, difícil de ser bancado por políticos. Outras soluções seriam implantar mais faixas e corredores exclusivos para ônibus e investir em financiamento extratarifário da operação.
De acordo com o Ipea, várias políticas reforçaram o estímulo ao transporte individual no país, como a atração de investimentos da indústria automobilística na década de 90, a redução de impostos para incentivar a venda de motos e carros e o reajuste das tarifas de ônibus acima da inflação. Diante desse modelo, aumentam os congestionamentos, a poluição e as mortes no trânsito – são mais de 37,3 mil todos os anos no Brasil, conforme o DataSUS.
De 2013 para 2018, a frota de automóveis cresceu 24% em Belo Horizonte, e as tarifas de ônibus aumentaram 44% – de R$ 2,80 para R$ 4,05. O metrô da cidade não avança desde 2002 e, para atender ao aumento da demanda, teria que saltar dos atuais 28,1 km para 199,5 km, segundo estimativa da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Volume de usuários cai 38% em 11 anos
Nos últimos 11 anos, o volume de pessoas que reduziu ou suspendeu totalmente o uso do transporte coletivo mais do que dobrou no Brasil. Segundo pesquisa da CNT sobre a mobilidade da população urbana, em 2006 14% admitiram que diminuíram ou pararam de usar o ônibus. Em 2017, subiu para 38,2%.
Com menos demanda, cai também o investimento. Em 2017, 85,9% das empresas de ônibus tiveram queda no volume de passageiros. Por isso, 90% delas não aumentaram a frota. “O sistema de ônibus fica cada vez mais precário porque é financiado pelo usuário. Quanto mais pessoas saem, menos pessoas têm que arcar com o custo”, avalia a integrante do movimento Tarifa Zero Letícia Domingues. “Os 20 centavos que motivaram os protestos de 2013 são simbólicos, pois mostram a contradição nos investimentos públicos voltados para os carros, enquanto os mais pobres, usuários de ônibus, eram onerados”, diz Letícia.
Plano de interligação é a saída
Diante da dependência que o transporte de cargas do país tem de rodovias e de um quadro que dificilmente será revertido em curto prazo, é consenso entre especialistas a necessidade de desenvolvimento de um plano de longo prazo, a eleição de projetos prioritários e a atração de investimento da iniciativa privada. Para o professor de estratégia da Fundação Dom Cabral Paulo Vicente, é preciso um plano que contemple todos os modais e faça a interligação entre eles – principalmente ferrovias e hidrovias, para o transporte de cargas por longas distâncias.
“O governo federal está quebrado. Não tem dinheiro, e tem um rombo de R$ 200 bilhões em seu orçamento. Como vai conseguir gastar com isso? Estamos em ano de eleição, e o próximo governo dificilmente conseguirá investir no que o transporte precisa”, aponta.
Para o diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Bruno Batista, sem fôlego orçamentário, o governo precisa oferecer condições para que a iniciativa privada invista. “A maior limitação é fiscal. É preciso facilitar o acesso ao crédito do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, para que empresas privadas façam construções e as administrem. Os modelos de concessão precisam ser mais atraentes e com participação mínima do Estado, uma vez que o governo não tem credibilidade para honrar sua parte em investimentos”, ressalta. Procurado, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil não comentou sobre a dependência que o país tem das rodovias. (Raphael Ramos)