O rombo nacional com os gastos na pandemia pode chegar a R$ 800 bilhões este ano, elevando a dívida brasileira a mais de 100% do PIB. Economistas preveem uma década para pagar a conta. Como? Isso ainda está por se definir. Mas, em qualquer cenário a saída do buraco terá que combinar as seguintes estratégias: acelerar o crescimento econômico, conter as taxas de juros, aumentar impostos, cortar gastos, vender ativos públicos e produzir inflação. Não há mais a fazer.

Quanto mais rápida a retomada da economia, maiores as receitas públicas e menor o peso relativo da dívida. Mas, no Brasil a recuperação pode ser lenta e a expansão do PIB demorar. Improvável que essa estratégia vingue, embora seja a mais desejável.

A segunda medida para pagar a conta da pandemia já vem sendo adotada pelo Banco Central. Semana passada, a Selic caiu a 2,25%, nova mínima histórica. Mas o juro já está perto do piso. Taxas zero ou negativas como ocorrem no mundo rico são difíceis em países como o Brasil que precisam de capitais externos e internos para acertar contas e manter estabilidade da moeda, não suportando fugas de investidores e poupadores. Com a disparada da dívida nos próximos meses, mesmo os juros atuais serão difíceis de manter.

A terceira medida também tem margem reduzida de manobra. Não dá para elevar impostos sobre a produção e o consumo, sob risco de deprimir mais a economia e a arrecadação pública. A opção existente é taxar rendas, lucros e fortunas, enfim, cobrar uma contribuição maior dos ricos.

Também dá para levantar dinheiro e abater dívida com a venda de estatais e ativos do Estado. Banco do Brasil e Eletrobras já entraram na mira. Mas, o esforço de privatização pode não avançar e render como se espera em função da crise mundial e da aversão internacional ao Brasil: o mercado não está para compra, sobretudo de bens brasileiros.

De todas as medidas, a mais promissora seria o corte de gastos com salários e custeio do Estado, que há décadas vêm crescendo mais que a inflação. O país se tornou uma espécie de república dos marajás, com os supersalários ou ganhos acima do teto legal virando regra em vários grupos de servidores. Há uma reforma gigantesca a se fazer no setor público. E uma baita economia.

A redução do custo do setor público, com desmonte do sistema de reajustes automáticos e acúmulo de benesses que resultou na república dos marajás, será essencial ao reequilíbrio financeiro do Brasil no pós-pandemia. Não sairemos do buraco sem isso. Mas a medida esbarra no corporativismo dos servidores, que têm mostrado domínio sobre o Congresso e governantes.

Se a elite dos servidores continuar resistindo a sacrifícios e os políticos à reforma do Estado, os eventuais ganhos com as demais medidas não serão suficientes para cobrir o rombo. O país pode se ver no pior dos mundos, que é tapar buracos com a criação de mais dinheiro. E riscos de mais inflação.

Para o Brasil evitar crises inflacionárias e deter o avanço da pobreza, a república dos marajás tem que acabar. Na realidade, ela já está sendo implodida na pandemia, inviabilizada por seu custo proibitivo no novo contexto sócio-econômico do país.

Depois do coronavírus, a república dos marajás só tem como sobreviver, moral e politicamente, no contexto de uma ditadura militar. Um governo repressivo pode cooptar os superservidores a darem uma capa de legitimidade institucional ao novo regime em troca da manutenção de benesses. Mas, mesmo sob cacetete, a continuidade do marajaismo condenará o país a uma ciranda de estagnação, inflação e pobreza.