NOVAS REGRAS

O mercado de combustíveis no Brasil celebrou a decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), nesta quarta-feira (25), que aprovou o aumento do percentual de etanol na gasolina, de 27% a 30%. O colegiado também autorizou a elevação da mistura do biodiesel, ao diesel, dos atuais 14% para 15%. As alterações já eram esperadas, já que integram a pauta de transição energética do país e foram balizadas por estudos de viabilidade técnica. 

No entanto, a falta de recursos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para fiscalizar a qualidade dos produtos vendidos preocupa parte do setor. As mudanças aprovadas pelo CNPE tem validade já a partir do dia 1º de agosto, na próxima semana. O presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig Bioenergia), Mário Campos, reforça que a medida já era aguardada pelo setor, após a aprovação da Lei Combustível do Futuro, no ano passado. A legislação garantiu a possibilidade de aumento da mistura de etanol anidro à gasolina em até 35%. 

“A nossa expectativa é que no ano safra a gente tenha aí um aumento em torno de um bilhão de litros na demanda de anidro, um pouco mais de um bilhão de litros. Demanda essa que vai ser suprida pela nossa produção”, garante Mário ao lembrar o crescimento da produção de etanol a partir do milho e não só da cana-de-açúcar. “É uma excelente medida e que torna o nosso segmento de transporte bastante descarbonizado, principalmente o segmento de veículos leves”, completa. 

A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) calcula que com o percentual de 30% de etanol sobre a gasolina será possível zerar as importações de gasolina no Brasil. Atualmente, 8% do volume consumido no mercado nacional vem de outros países. A entidade acredita que as alterações aprovadas pelo CNPE podem representar uma queda de quase 3,5 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.

“Além dos benefícios ambientais e de saúde pública, esta passou a ser uma decisão estratégica de um projeto de desenvolvimento econômico nacional e de redução da dependência de importância de derivados de petróleo. Temos na mão a oportunidade de começar um novo ciclo de crescimento como um legado para as futuras gerações. Ele só depende de nós”, disse Francisco Turra, presidente do Conselho de Administração da Aprobio. 

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA) diz que a aprovação representa um avanço histórico e estratégico à agenda de transição energética brasileira. A entidade disse, ainda, que os estudos técnicos, realizados pelo Instituto Mauá de Tecnologia, comprovaram a compatibilidade dos motores flex do Brasil com o novo percentual e “impacto zero” no desempenho dos veículos. “Em um país com frota flex consolidada e liderança global em bioenergia, esse avanço faz sentido: é tecnicamente viável, ambientalmente inteligente e economicamente estratégico”, salienta. 

Fiscalização preocupa 

Apesar dos aspectos positivos, o setor demonstra preocupação com a fiscalização do setor no país. A ANP enfrenta restrições financeiras e acumula uma queda de mais de 80% no orçamento nos últimos. Em função da escassez de recursos, as atividades de fiscalização serão reduzidas e o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis será paralisado em julho. 

O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) diz que a mudança determinada pelo CNPE, apesar de estratégica para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e estimular o desenvolvimento da bioeconomia no Brasil, deve ser acompanhada de um fortalecimento da estrutura da ANP. “O aumento dos teores da mistura dos biocombustíveis exigirá um acompanhamento técnico mais rigoroso, com maior capacidade de fiscalização, monitoramento da qualidade dos combustíveis e garantia de segurança ao consumidor final”, pede. 

O economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) Eric Gil Dantas segue o mesmo tom. “O não cumprimento destes percentuais são uma das principais infrações do setor. Sem a ANP poder continuar a fazer o seu trabalho plenamente, poderemos criar uma situação em que vendedores que cometam fraude ganhem mercado em relação aos que cumprem a legislação”, detalhou. O TEMPO, inclusive, mostrou em janeiro deste ano que parte do mercado nacional descumpria o percentual de biodiesel sobre o diesel. 

A fraude, à época, gerava um prejuízo entre R$ 0,30 e R$ 0,40 por litro comercializado às empresas que seguiam as especificações técnicas. Em nota, o Instituto Combustível Legal (ICL) afirma que a decisão representa um avanço no uso de fontes renováveis no setor, mas acende um alerta para a necessidade de reforço nos mecanismos de controle e fiscalização da qualidade dos combustíveis. 

“Expandir o uso de biocombustíveis sem garantir a integridade do produto e a fiscalização das misturas é abrir espaço para fraudes, perdas ambientais e prejuízos aos consumidores”, critica o presidente do ICL, Emerson Kapaz.