Cerca de 13,7 milhões de pessoas deixarão de pagar o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) na fonte, a partir de maio, com a isenção para contribuintes com rendimentos de até R$ 2.640,00. A medida, anunciada nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atingirá cerca de 40% do total de contribuintes, de acordo com estimativas da Receita Federal.

A nova faixa de isenção leva em consideração o reajuste do salário mínimo, dos R$ 1.302 atuais para R$ 1.320, também a partir do dia 1º de maio. A alteração será proposta por meio de Medida Provisória, que precisa do aval do Congresso Nacional para se tornar lei. A expectativa é que a MP seja editada nos próximos dias.

Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, explicou, no entanto, que a faixa de isenção será ampliada de R$ 1.903,98, em vigor desde 2015, para R$ 2.112. Em um mecanismo para amenizar as perdas de arrecadação, o cálculo da Receita considera, além da isenção ampliada para R$ 2.112, um desconto mensal de R$ 528 direto na fonte. Na prática, somando os dois mecanismos, quem ganha até R$ 2.640 não pagará IR — nem na fonte, nem na declaração de ajuste anual.

Segundo a Receita, o contribuinte não precisará fazer nada para garantir a isenção. Até maio, os sistemas serão atualizados para permitir a concessão automática do desconto de R$ 528.

Com a proposta, o governo deixará de arrecadar R$ 3,2 bilhões neste ano, considerando que a medida entrará em vigor a partir de maio, e R$ 6 bilhões em 2024. Segundo cálculos prévios do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), o impacto fiscal seria mais que o dobro sem o mecanismo do desconto, podendo chegar a R$ 14 bilhões anuais.

"A metodologia que nós estamos utilizando concede o benefício para quem ganha até dois salários-mínimos, com responsabilidade fiscal, sem prejudicar as contas públicas", defendeu o secretário da Receita, que afirmou que o aumento da faixa de isenção para R$ 2.112 vai beneficiar todos os contribuintes, independentemente do rendimento. Como a tabela do IR é progressiva, significa que todos que contribuem não vão pagar imposto sobre a fatia isenta.

De acordo com o Sindifisco, a correção visa amenizar os efeitos corrosivos da inflação no poder de compra da população de baixa renda. Também diminui a defasagem acumulada da tabela do IR, que não era atualizada desde 2015, de 148% para 79,88%.

O presidente Lula afirmou que a ideia do governo é aumentar gradativamente a faixa de isenção, até alcançar R$ 5 mil, uma de suas promessas de campanha. Segundo as projeções do Sindifisco, caso fosse realizada a correção total da tabela, nenhum contribuinte do IRPF cuja renda tributável mensal fosse inferior a R$ 4.683,95 pagaria o imposto, o que implicaria no impacto fiscal de R$ 101,6 bilhões.

Compensação

O presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, destacou que a correção da tabela do IR é benéfica para a sociedade, principalmente para o contribuinte de menor capacidade contributiva. Contudo, ela deve vir acompanhada de medidas de compensação da perda de arrecadação, principalmente tributando os mais ricos, que possuem parcelas elevadas de rendimentos isentos.

"A medida pode ser financiada integralmente pelos recursos provenientes da volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). A falta do voto de qualidade no ano passado custou, apenas com o benefício de 26 empresas, R$ 22 bilhões, em um ano com poucos julgamentos", afirmou Falcão.

O déficit do governo federal neste ano, estimado na Lei Orçamentária Anual (LOA), chegará a R$ 231,6 bilhões, com a expansão das despesas por meio da PEC da Transição. O reajuste do salário mínimo para R$ 1.320, por si só, deve gerar um impacto nas contas federais de R$ 4,8 bilhões até dezembro de 2023, de acordo com estimativas da Warren Renascença. O aumento do mínimo impacta, por exemplo, em despesas como seguro-desemprego, abono salarial, benefícios assistenciais e previdenciários, que se somam à perda de arrecadação com a isenção do IR.

O governo federal não é o único que terá que arcar com mais despesas por conta do reajuste do salário mínimo. O aumento custará também R$ 4,8 bilhões para os cofres das prefeituras brasileiras em 2023, segundo cálculos da Confederação Nacional de Municípios (CNM).

A CNM diz que o maior impacto ocorre nos municípios de menor porte. Isso porque as cidades menos populosas são as que possuem funcionários com remunerações próximas ao valor do salário mínimo, implicando aumento do gasto de pessoal decorrente do reajuste. Segundo estimativas da entidade, 2,3 milhões de servidores na esfera municipal recebem remuneração de até um salário mínimo e meio.

Com um cenário fiscal desafiador e os efeitos de uma reforma tributária que ainda devem demorar, o economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, ressalta a necessidade de encontrar formas de compensação. "Uma das formas de amenizar o impacto é por meio da volta da tributação de PIS/Cofins sobre combustíveis, ou mesmo a partir da criação de uma nova faixa de cobrança de IRPF para os que recebem salários maiores. É claro que, politicamente, aumentar a faixa de isenção gera bastante apoio popular e mesmo político. O problema está na viabilização das compensações", avaliou.

De acordo com Viana, também tem sido ventilada a possibilidade da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos para cobrir o buraco fiscal. "Além da dificuldade política de uma aprovação dessa medida no Congresso, há que se observar, também, que a volta da tributação da distribuição de lucro e dividendos deve ao menos ser compensada pela diminuição do IRPJ/CSLL cobrada das empresas, caso contrário haverá majoração da carga tributária das atividades empresariais no Brasil", afirmou.