SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A embalagem discreta demorou quase um mês para ser transportada da China até a casa de Stíphanie da Silva, 31, em Santo André, na Grande São Paulo, mas ainda assim chegou em boa hora. Isolada, a programadora ganhava a companhia do vibrador Monster Love, seu terceiro brinquedo sexual e a segunda compra do gênero desde o início da quarentena.

 
Mas esse monstro do amor não funciona só de modo solitário; as vibrações podem ser controladas via aplicativo pelo seu namorado, de qualquer lugar do mundo, desde que conectado ao Wi-fi. Silva imaginou que ia ficar em casa bastante tempo e conta que aproveitou a oportunidade para conhecer mais o seu corpo -e se distrair.

"Tenho aquela descarga de serotonina, gozo e vou fazer minhas atividades. Isso acaba reduzindo bastante minha ansiedade e nervosismo com a pandemia", diz.


Stíphanie da Silva não parece ser a única que investiu no uso de brinquedos sexuais na quarentena. Na contramão da crise, sex shops relataram à reportagem um aumento de vendas, em especial vibradores, masturbadores e produtos para casais. Algumas casas zeraram estoques, apostaram na venda online e adotaram cuidados de higiene.

Na esquina da rua Augusta com a Oscar Freire, na zona oeste de São Paulo, a loja Love Toys fechou as portas e suspendeu as vendas no site no início da quarentena. Após começar a receber emails de clientes interessados em produtos, a loja contratou motoboys e iniciou uma promoção: entrega até quatro horas com preço fixo. Foi um sucesso tão grande que o estabelecimento já não consegue prometer a mesma rapidez.

Se antes a boutique de luxo vendia principalmente produtos que estimulam o prazer feminino, agora, tem sido procurada por homens a fim de satisfazer seus desejos com masturbadores. Dentro das 115 opções de penetradores disponíveis no site da loja, 21 esgotaram só no último mês. Algumas opções custam mais de R$ 3.000.

Um começo incerto seguido de um boom nas compras também foi o que aconteceu na Loja do Prazer. O dono da empresa, Fabio Alves Moreira, foi pego de surpresa quando registrou um aumento de 30% nas vendas,"fiquei chocado porque eu penso diferente, tenho filho e quero guardar dinheiro, não gastar", diz.

Os vibradores continuam sendo o "carro-chefe", como na Love Toys, mas bombas penianas e masturbadores ganharam protagonismo. Moreira avalia que isso é reflexo da mudança de quem busca os seus produtos: se antes da pandemia 30% eram homens, hoje representam 40% do total.


Longe de companheiros ou parceiras, cosméticos podem ser menos atrativos. Pelo menos é o que indica os registros da fabricante Intt, especializada no gênero. No geral, a Intt teve um déficit, mas vendeu 40% mais vibradores e masturbores que o normal. "Como tem casal isolado, vendemos muitos produtos que funcionam em conjunto", diz Stephanie Seitz, diretora da empresa.

O publicitário Ricardo, 45, vive um relacionamento aberto com sua mulher, mas o casal está impossibilitado de ir a outros encontros devido à quarentena. A compra do vibrador neste período, ele conta, foi bom para reviver o tesão a dois.

Seja para uso partilhado ou solitário, perto ou à distância, a busca por brinquedos não para de crescer. Maisa Pacheco teve que chamar dois amigos para ajudá-la empacotar os produtos, tamanha a demanda. Dois modelos de vibradores -que podem custar até R$ 1.500- esgotaram das prateleiras. Havia mais de cem em estoque.

Ela, que é dona do sex shop que leva seu nome, localizado há 25 anos na esquina das avenidas Paulista e Consolação, contou à reportagem que suas vendas mais que duplicaram. A média de 350 produtos vendidos por mês saltou para quase 800 em abril.

A empresária ainda lançou uma plataforma com vídeos em que mulheres ensinam como usar vibradores. É tudo explícito: uma mulher nua descreve o material, explica como se liga e depois usa o brinquedo até atingir o orgasmo. Se a pessoa gostar, um link na tela direciona para o site da loja, onde pode comprar o produto.

A imagem que vem à cabeça pode parecer um script de um filme pornô, mas Pacheco é enfática ao explicar que o objetivo passa longe disso. "Você vê os vibradores nesse tipo de produção como coadjuvante, aqui ele que é o protagonista", diz.

Por isso Maisa Pacheco insistiu que as mulheres que aparecem não fossem atrizes pornô ou garotas de programa. Elas são clientes de seu sex shop que se voluntariaram para o projeto.

Os 80 vídeos foram feitos em duas semanas, durante a quarentena. Curtos, eles têm um estilo caseiro porque foram capturados por Pacheco, que não queria a presença de homens entre as mulheres. A maioria preserva a identidade usando máscaras.

"Estamos produzindo com a gordinha, a magrinha, a negra, a branca, a menina com mais peito. Vamos continuar a gravar e vai ter trans também porque temos produtos para elas e tem gente que não sabe", diz a empresária, que acha a representatividade de diferentes corpos importante para todas se identificarem. A plataforma se chama 9 e noventa -e custa o mesmo para acessá-la.

Enquanto a maioria das pessoas ouvidas pela reportagem fica em casa na quarentena, a médica Ana, 23, atua na linha de frente do combate ao coronavírus e passa a maior parte do tempo em um hospital em Londrina, interior de Paraná.

Ela, que pediu que o sobrenome fosse ocultado, começou se presenteando com uma prótese na segunda semana de isolamento. Na seguinte, comprou um vibrador que funciona à distância para usar com seu namorado. Depois, diversificou o seu acervo com itens como um prendedor de mamilos e um plug anal.

Para alguém que combate e vê os efeitos de uma pandemia todos os dias, os brinquedos funcionam como uma espécie de escape e proporcionam um raro momento em que ela pode focar em si mesma.

"Precisamos reprimir nossas sensações o dia inteiro [no hospital], como calor, dor, suor e vontade de urinar, pois não temos como retirar os EPIs (equipamento de proteção individuais) o tempo todo", relata a médica. "É uma forma de desligar da realidade sem pensar em mais nada."