GUERRA COMERCIAL

Em um cenário de fim da guerra comercial entre China e Estados Unidos, num primeiro momento, as exportações brasileiras para o país asiático podem recuar US$ 10 bilhões, segundo projeção feitas pelo Insper.
 
O impacto é calculado a partir do que o agronegócio do Brasil perderia se a China viesse a cumprir as medidas que foram anunciadas pelo governo americano na semana passada. Uma delas estabelece que os chineses devem elevar a importação de produtos agrícolas americanos.


Segundo o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, os chineses se comprometeram a incrementar o volume de importação em produtos agrícolas dos americanos em US$ 32 bilhões nos próximos dois anos.


Esse acréscimo ocorreria sobre uma base de US$ 24 bilhões -que equivale ao total de produtos agrícolas exportado pelos americanos em 2017, antes de guerra comercial.


Para cumprir essa parte do acordo, os chineses teriam que comprar entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões do agronegócio dos EUA em dois anos -valores que, mesmo se analisados anualmente, estão muito distantes dos US$ 13,2 bilhões exportados em 2018 pelos americanos aos asiáticos.


O problema, segundo análise feita pelo Insper, é que para recuperar os US$ 24 bilhões anteriores à guerra comercial e ainda acrescentar mais US$ 32 bilhões, em apenas dois anos, a China teria de deixar de comprar de outros fornecedores, como o Brasil.


"Em um cenário otimista para os americanos, em que eles consigam exportar US$ 30 bilhões para os chineses, como ocorreu em no seu maior pico, a China ainda teria que encontrar um caminho para os outros US$ 25 bilhões", disse Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global.


"Parte disso vai vir do que nós exportamos hoje. Então é possível que voltemos ao patamar anterior a guerra comercial, perdendo cerca de US$ 10 bilhões em exportações de produtos agrícolas."


As vendas do agronegócio brasileiro para os chineses tiveram um crescimento acentuado em 2018, enquanto as dos americanos despencaram. As exportações de produtos agrícolas do Brasil passaram de US$ 26,6 bilhões em 2017 para US$ 35,4 bilhões no ano passado. Enquanto isso, no mesmo período, os produtos americanos recuaram de US$ 24 bilhões para US$ 13,2 bilhões.


"Se a China suspender a taxação sobre os produtos americanos, a primeira coisa que vai ocorrer é o reequilíbrio nas vendas de soja [dos EUA aos chineses]. A soja devolve para os americanos entre US$ 11 bilhões e US$ 12 bilhões. Agora de onde virá todo o resto que o acordo prevê?", afirmou Jank.


Os valores restantes podem vir de outros produtos da pauta agrícola dominada pelo Brasil, e que têm os EUA como grande concorrente. Carne de frango e o algodão são os exemplos destacados pelo Insper.


No primeiro caso, o produto brasileiro domina o mercado chinês há quase uma década, sendo que no ano passado os produtores brasileiros exportaram mais de US$ 1,1 bilhão em frango, enquanto os americanos não chegaram em US$ 100 milhões.


Já na situação do algodão, os Estados Unidos dominaram por muito tempo o mercado do gigante asiático, mas neste ano o Brasil deve bater seu recorde e encostar nos americanos. A projeção é que a exportação brasileira fique em US$ 711 milhões em 2019, ante os US$ 714 milhões dos americanos.


Além desses mercados, os chineses podem rever as compras de carne bovina de fornecedores americanos, cuja participação é inexpressiva, enquanto a do Brasil é predominante (vide a atual alta do preço do produto no mercado brasileiro com a forte demanda dos chineses).


Já no que tange à carne suína, embora os EUA superem o Brasil, as exportações brasileiras têm apresentado um crescimento expressivo, com menos de US$ 14 milhões em 2010 para algo em torno de US$ 570 milhões neste ano.


Jank disse ainda que houve uma quebra de safra nos EUA com a disputa, o que vai dificultar a reposição rápida do volume das exportações ao anterior ao da disputa.


"Isso demoraria mais do que dois anos. Então mais uma vez, chegar em US$ 55 bilhões nesse período parece inexequível", disse.


Assim, para conseguir responder a demanda prevista num eventual acordo pleno com o governo Trump, os chineses teriam que fazer concessões para novos produtos, o que também pode impactar o Brasil.


"Os chineses podem criar um sistema preferencial para os Estados Unidos, como o de milho, arroz e etanol", segundo o coordenador do Insper.


Embora aberturas preferenciais, como a desenhada acima, possam ser questionadas na OMC (Organização Mundial do Comércio), Jank lembra que há meios para os chineses contornarem a situação e também há a questão do desmonte da entidade, com o enfraquecimento do Órgão de Apelação.


"Os chineses não podem conceder a outro país da OMC um tratamento privilegiado sem fazer a mesma concessão aos outros países membros. A única maneira para fazer isso é utilizando suas empresas estatais para fazer as compras", disse.


"E nós vamos reclamar para quem? A não nomeação dos juízes da OMC é exatamente o mundo em que a gente vai viver agora, de toma lá da cá. É complicado o mundo em que estamos vivendo."