Livro que conta essa história, de autoria de Daniela Levy, teve os direitos comprados por cineasta brasileiro radicado nos EUA e pode virar filme
O entusiasmo na voz do cineasta brasileiro Frederico Lapenda é o mesmo daqueles descobridores que, séculos atrás, partiam em navios, rumo a novos horizontes com um desejo básico: unir mundos.
Lapenda se tornou uma espécie de porta-voz de uma história conhecida por poucos e que foi contada pela historiadora Daniela Levy, da Universidade de São Paulo, em sua obra "De Recife para Manhattan: Os Judeus na nova formação de Nova York", da editora Planeta.
Livro também foi lançado em Recife
DivulgaçãoNascido em Recife, Lapenda, 50 anos, se encantou pelo tema, também por se identificar com ele, como recifense, e como residente em Los Angeles há 32 anos, onde aprendeu a admirar a cultura judaica.
Produtor em Hollywood, de filmes como "Homens de Coragem", com Nicolas Cage, ele comprou os direitos da obra de Daniela.
O livro já está sendo traduzido para o inglês e será lançado, segundo ele, brevemente em Los Angeles e em Nova York.
"Acredito que não exista uma outra história relacionada ao Brasil com tanto impacto global como essa", diz, já do Panamá, dias após estar presente no lançamento do livro na sinagoga de Recife, definido por ele como um momento mágico.
Sinagoga antiga
É de Recife, afinal, que tem início uma das viagens mais importantes da história, fundamental para construir nada mais nada menos o que é hoje a "capital do mundo": Nova York e toda a sua concretude impulsionada pelos sonhos.
A noite de autógrafos de Daniela, em 25 de março último, na sinagoga Kahel Zur Israel, construída nos idos de 1640 e depois reconstruída em 2001, foi como uma viagem pela história.
Serviu como um reencontro com aquele ambiente no qual os judeus, tanto da Holanda quanto de Portugal, tinham espaço para praticar seus ritos e, ao mesmo tempo, realizar negócios.
Nesta que foi a primeira comunidade judaica das Américas, a liberdade religiosa era uma exceção, em um mundo marcado por perseguições como a Inquisição, reiniciada em 1478 na Espanha e em 1536 em Portugal, e a dos cossacos, em regiões da Polônia.
A perseguição à comunidade judaica ibérica, obrigada a se converter ao cristianismo, originando os cristãos-novos, decorria do desejo dos governantes de eliminar qualquer oposição aos impérios, além de livrar os governantes de dívidas contraídas com comerciantes judeus.
Parte do Nordeste brasileiro, conquistada por tropas holandesas, permaneceu sob o domínio holandês, entre 1630 e 1654, após muitas tentativas. A chegada de judeus era bem-vinda pelos novos conquistadores. Vindos da Península Ibérica e da Holanda, eles iriam auxiliar na retomada da economia local.
A invasão holandesa foi organizada principalmente pela Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, formada por mercadores aliados da coroa, que exploravam diversas regiões no mundo. No Brasil, eles estavam interessados em reestruturar o comércio internacional da cana-de-açúcar.
De Amsterdã a Recife
O ápice da presença holandesa ocorreu durante o governo de Mauricio de Nassau (1637-1644), enviado pelas autoridades da Holanda. A influência holandesa e judaica deu a Recife algumas características de Amsterdã, a Nova York da época.
Recife nunca mais foi a mesma, ao ser redesenhada com canais, drenos, palácios, diques, em bairros como Santo Antônio e São José. Surgiram também o jardim zoológico e o jardim botânico, assim como foram incrementados serviços públicos.
Enquanto isso, em Amsterdã, os judeus também podiam praticar sua religião em um ambiente efervescente, com o comércio ao redor da praça Dam fazendo as pessoas se movimentarem pelas ruas floridas e pelos canais locais.
Na verdade, formou-se uma espécie de ponte entre os dois países, um canal imaginário e gigante que unia as duas populações.
O plano holandês deu certo por um tempo no Brasil, até os portugueses reconquistarem a região e expulsarem os judeus de lá. O governador Francisco Barreto de Menezes deu um prazo de quatro meses para a saída da comunidade.
Às pressas, um grupo de judeus deixou a capital pernambucana no navio Valk, tentando voltar para a Holanda.
Eles, porém, foram prejudicados por uma tempestade e por um ataque de piratas espanhóis ao navio, que foi destruído. Membros do grupo morreram.
Outros foram salvos por uma fragata francesa, chefiada por Jacques Lamot, que os deixou na Jamaica, em troca de dinheiro. O problema, porém, ainda não estava resolvido.
Um novo lar
O grupo de judeus ficou preso na região, dominada pela Espanha e, por conseguinte, por inquisidores. Só foi libertado por intervenção do governo holandês e rumou para Nova Amsterdã (futura Nova York), mais próxima do que o objetivo inicial, Amsterdã.
Mesmo a chegada foi difícil, houve resistência de governantes. No entanto, os 23 judeus remanescentes desembarcaram.
Com o tempo, eles ajudaram a construir a cidade, que se formava desde décadas anteriores, alimentada também pela atividade da mesma Companhia das Índias Ocidentais. No Nordeste americano, a companhia estava interessada em comercializar a pele de castor extraída de lá.
Os descendentes deste grupo foram se multiplicando e sendo determinantes para o desenvolvimento da metrópole. Segundo a escritora, foram eles que fundaram Nova York. E, de lá, se espalharam pelos Estados Unidos, inserindo hábitos na cultura do país.
Em épocas de outras perseguições em séculos posteriores na Europa, principalmente o 19 e o 20, foram os Estados Unidos o principal destino para os judeus em fuga. Eles acabaram se inserindo nas mais inesperadas atividades.
Oito entre os maiores estúdios de Hollywood no início do século foram criados por judeus: Universal, 20th Century-Fox, Paramount, Warner Brothers, Metro-Goldwin-Mayer e Columbia.
Possível filme
E para não perder o foco, Lapenda, que é presidente do Beverly Hills Film Festival, sonha em ver o livro se transformar em filme. Ele diz que ainda não há nada
"Eu quero difundir essa aventura em todas as mídias que conseguir. Comecei com livro escrito pela Daniela. O resto é deixar nas mãos de Deus. Essa história tem uma magia e as coisas estão acontecendo de forma natural. É um fato até agora apenas conhecido por estudiosos, mas é algo importante para o Brasil, tem peso histórico e turístico."
Os mais detalhistas irão reparar que, em Nova York, há um monumento em homenagem aos peregrinos judeus, chamado Jewish Pilgrim Fathers. No bairro de Chinatown, o Cemitério de Judeus, há os túmulos dos membros do grupo.
Lapenda, ao analisar a obra, comenta, em tom reflexivo, que "a gente sonha, se esforça e nada acontece. De repente, quando menos se espera, o acaso apresenta uma história fantástica."
A história daqueles judeus, o canal gigantesco entre Espanha, Portugal, Holanda, Brasil e Nova York, num verdadeiro laço que abraçou o mundo, diz mesmo muita coisa. É, com certeza, em meio a tantas desgraças e perseguições, uma das respostas para o sentido da vida.