COMBATE


“Ninguém pode mexer no pinto e no bumbum!”. Esse é o conselho dado pela dentista Melissa Figueiredo Montenegro, 41, aos três filhos: Bernardo, 12, João Pedro, 9, e Matheus, 4. A frase direta e literal usada pela mãe é uma tentativa de evitar que os meninos sofram algum tipo de violação sexual, que, só de janeiro a abril deste ano, gerou 4.736 denúncias ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) em todo o país. São 39 denúncias por dia em média. No mesmo período, Minas Gerais, que no ranking fica atrás apenas de São Paulo, registrou 553 relatos de abusos.

Para proteger os filhos, a dentista sempre se atenta à rotina deles e procura se inteirar do que acontece quando estão sob a responsabilidade de outros adultos. “Sempre pergunto se vai alguém ao banheiro junto na escola. Em festas, questiono se as pessoas que estavam lá são parecidas conosco”, disse.

Apesar de o assunto ainda ser tabu em muitos lares, falar sobre sexualidade com as crianças é a melhor forma de prevenção. “Independentemente da idade, é essencial que os pais falem sobre o assunto em casa”, afirmou a psicóloga clínica Débora Galvani.

Segundo ela, muitos pais acreditam que exista uma idade específica para começar a abordar o assunto, mas, para ela, quanto antes, melhor. “Já atendi pacientes que conseguiram se prevenir do abuso porque, mesmo sem entenderem o que estava acontecendo, sabiam que algo estava errado”, contou. Ainda segundo ela, até os menores são capazes de assimilar o que for explicado.

Metodologia

Desde que os filhos começaram a falar, Carla* passou a repetir que “tudo que está dentro da calcinha ou dentro da cueca, ninguém pode colocar a mão”. Orientada por uma cartilha educacional, a mulher, que é mãe de uma menina de 5 anos e de um menino de 7, repete o ensinamento. “Explico quem são as pessoas em quem eles podem confiar. Pergunto: ‘Quem pode colocar a mão aí? Mamãe, papai, vovó, a babá, só para limpar. Titio pode? Não! Primo pode? Não!’”, afirmou.

A nomeação das pessoas de confiança, segundo Débora, é fundamental no diálogo preventivo. “Devemos sempre dizer quem pode e quem não pode fazer certas coisas”, explica a psicóloga.

Outra preocupação de Carla é transmitir aos filhos segurança de que nada de mal vai acontecer. “Sempre falo que, mesmo que alguém ameace que vai me matar, se eles contarem o que está acontecendo, eu garanto que vai ficar tudo bem, que eles podem me contar sem medo”, disse.

No ano passado, o MDH recebeu pouco mais de 17 mil denúncias de abuso contra menores. Um dos casos que chegaram ao conhecimento do governo federal é o dos filhos de Alice*. A sexualidade virou assunto na casa dela quando o casal de gêmeos, de apenas 5 anos, começou a apresentar sinais de que algo não estava bem. “Na conversa com eles, falei, perguntei e respondi a várias perguntas. Através desse diálogo, eles sentiram confiança para me contar o que havia acontecido”, disse. A Polícia Civil investiga se eles sofreram abusos por parte do marido da babá.

Comportamentos estranhos devem ser motivo de alerta

O diálogo entre pais e filhos é uma das formas mais eficazes de perceber se há algo errado com as crianças. Porém, em alguns casos, a comunicação verbal nem sempre é uma opção. Na casa da confeiteira Cíntia Rodrigues Melo, 36, mãe de Breno, 14, e de Davi, 9, por exemplo, é possível conversar apenas com o mais novo. “Meu mais velho é autista e não verbaliza. Preciso ficar atenta aos sinais que ele dá”, contou.

Segundo a mãe, o adolescente passou a apresentar um comportamento diferente quando ia para a escola. “A fisionomia dele mudava, ficava diferente”, disse. Depois de procurar a direção para saber se algo estava acontecendo, o comportamento dele voltou ao normal. Apesar da dúvida, nada foi descoberto.

Das possíveis vítimas de abusos sexuais denunciadas ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos neste ano, 3,13% possuem algum tipo de deficiência. A maioria delas, 1,7%, com comprometimento mental.

“Como ele (Breno) não fala, tenho que olhar todos os dias o corpo dele. Verificar se tem algo diferente de quando ele saiu de casa, se está machucado”, disse Cíntia.

Denúncias

Canais. Além do Disque 100, é possível fazer denúncias de abuso infantil pela Ouvidoria Online e pelo Clique 100, além do aplicativo Proteja Brasil.

* Nomes fictícios

Minientrevista

Ana Maria Lopes

Psiquiatra

UFMG

Quais os sinais que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual podem apresentar?

É importante sempre observar se o comportamento habitual está alterado: se há mudanças no padrão de sono, de alimentação, se está apresentando mais choro. Esses são sinais de que algo não vai bem.

E o que fazer em caso de suspeita?

Independentemente da idade, se o responsável pela criança suspeitar de qualquer tipo de abuso, deve-se, primeiramente, procurar um profissional da saúde. Esse profissional saberá orientar o adulto, além de fazer o atendimento médico.

Os pais devem fazer alguma abordagem?

As abordagens devem ser cuidadosas. Em alguns casos, se os pais fizerem perguntas muito diretas, podem acabar por fazer uma interpretação errônea das respostas dadas pelas crianças.