COMPETITIVIDADE


Atual sensação nacional do funk, MC Niack revela ter sofrido com depressão e ansiedade social; em parte, ele acredita que estímulo a competição levaram ao adoecimento mental

Quem vê hoje o sucesso de Davi Alexandre Magalhães de Almeida, mais conhecido por MC Niack, nem imagina o quanto o artista de 17 anos sofreu por depressão e ansiedade social. Ele acredita que corroborou para o quadro de adoecimento mental o fato de ser estimulado a se comparar com outros adolescentes em consequência da constante cobrança por “ser o melhor” – algo muito presente em uma sociedade que valoriza resultados e estimula a competição entre pessoas sob o pretexto de um vago conceito de meritocracia.


Hoje dono de dois dos maiores hits da quarentena –  “Na Raba Toma Tapão” e o “Oh Juliana” –, Niack chegou a abandonar no ano passado a escola descrente de que um dia teria sucesso. “Eu só ficava em casa, não tinha expectativa em um futuro. Foi muito difícil para mim. Na época apaguei todas as minhas músicas no YouTube porque achava que eu não era bom, que era uma vergonha”, relembra o paulista. “Eu criava coisas na minha cabeça do tipo:  ‘não vou sair não de casa, não vou tocar, porque as pessoas vão ver só defeito em mim’. Então era uma questão de autoestima também”, pontua.

Esse medo de não ser aceito se relaciona à necessidade de validação e de pertencimento que são características do ser humano, avalia a psiquiatra Jaqueline Bifano. “Integrar um grupo é algo que traz a sensação de autorrealização, de sucesso, de orgulho”, sinaliza. E é neste cenário que a comparação surge como o fiel da balança: é por meio dessa prática que se torna possível avaliar se estamos no caminho certo e se nos encaixamos naquele universo que nos propomos a fazer parte. Nem sempre, portanto, o ato será negativo. “Trata-se de algo que é ruim e vai levar ao adoecimento se o comportamento se tornar excessivo”, examina, ponderando ainda que nem sempre a comparação é sinônimo de inveja. Bifano ainda lembra que o ato pode ser positivo, funcionando como  motivação para que o sujeito se movimente e busque se aperfeiçoar.

Outros aspectos benéficos são apontados pela psicóloga Isabel Pimenta. “A comparação é importante no sentido de balizar o nosso desempenho, de reafirmar nossa diferenciação com o outro. Não existe desenvolvimento humano sem que esse olhar para o outro e se volte, depois, para mim”, observa. Além disso, a professora do departamento de psicologia do Centro Universitário Una acredita que, em certa medida, a comparação contribui para o desenvolvimento das identidades. “Para nos reconhecermos como pessoas, precisamos reconhecer que o outro é o outro. É assim que vamos nos diferenciar, entender que existe o outro e existe o eu”, examina Isabel. 

Portanto, “a comparação, até certo nível, não só é esperada e comum, mas também necessária”, garante. O problema é quando a prática se torna muito habitual e “passamos o tempo todo nos comparando e isso acaba nos colocando como inferiores ao outro”, diz, lembrando que essa atitude potencializa, a exemplo do relato de Niack, as sensações de baixa autoestima e de menos valia.

COMPARAÇÃO PODE FAVORECER A AUTO SABOTAGEM E SE TORNAR FATOR ESTRESSOR


Sublinhando que a comparação em si não é problema, a psicóloga Renata Borja destaca que, quando a prática se torna desmedida e a pessoa se coloca sempre inferiorizada em relação aos outros, é possível que o comportamento evidencie um sintoma de depressão. Ela lembra ainda da chamada mania de comparação, quando o sujeito fica o tempo todo se equiparando e, em geral, faz isso de forma depreciativa em relação a si mesmo. “É um comportamento que acaba confirmando crenças negativas que essa pessoa tem a respeito dela própria”, comenta, lembrando que comumente associada à inveja, o ato também pode se desdobrar em outros sentimentos como tristeza, medo e insegurança.

A psicóloga e educadora parental Fernanda Teles acrescenta que, se por um lado a comparação é fundamental para a formatação das identidades, o excesso pode levar ao ímpeto de uma pavimentação das diferenças. “A mania de se comparar ignora a individualidade de cada um e nos coloca em desvantagem, favorecendo a auto sabotagem quando, por exemplo, comparamos nossos pontos fracos com os fortes de outra pessoa”, expõe.

Esse desejo constante de confrontar nossas qualidades e conquistas com as dos outros pode se converter em um gerador de ansiedade e, até mesmo, em transtornos mais severos, como os relacionados à imagem corporal, além da depressão. “Nossa autoestima está ligada diretamente à nossa autocrítica. Logo, quanto mais somos críticos com nós mesmos, menos será nossa autoestima, pois o que fazemos não nos parecerá bom o suficiente”, esclarece a mestre em psicologia clínica Daiana Quadros Fidelis

No caso do MC Niack, foi só depois de muita terapia e com a ajuda da música que o funkeiro conseguiu dar a volta por cima. “Hoje eu consigo me comparar de forma saudável. A música sempre me ajudou, desde criança já que meu pai é músico. Então fui tentando colocar em prática o conselho das psicólogas e consegui recriar meu canal, usar as redes sociais e, este ano, entrar mais confiante”, garante ele, que  já soma quase 100 milhões de visualizações no Youtube, atropelando MC Zaac, Anitta e Tyga, que reinavam na plataforma. “Hoje estou mil vezes melhor. Com a mente ocupada é só alegria. Quero fazer shows e viajar muito, fazendo sucesso”, celebra o artista.

REDES SOCIAIS POTENCIALIZAM COMPARAÇÃO DESLEAL


“Sabemos que a comparação excessiva pode ter consequências para a saúde mental, favorecendo a baixa autoestima e levando a reafirmação de uma crença de desvalor. Neste cenário, é importante lembrar que as redes sociais têm, muitas vezes, ativado esse comportamento”, destaca a psicóloga Isabel Pimenta. Para ela, as mídias digitais vendem um modelo de perfeição – de estilo de vida, de beleza ou de sucesso profissional – que, na verdade, só reflete um padrão social que preza pelo perfeccionismo e que não lida bem com o erro, impondo uma ideia errônea de felicidade e de juventude eternas. Dessa forma, pessoas que já têm uma crença inferiorizante internalizada podem ver essas questões serem potencializadas em função de uma comparação desleal. 

“Mas é importante deixar claro que as redes não provocam esse fenômeno, mas o intensificam, agravando esse problema em alguns indivíduos que têm essas questões adormecidas”, pondera Isabel. 

A psiquiatra Jaqueline Bifano e a educadora parental Fernanda Teles concordam. Elas lembram que as redes sociais possibilitam a apresentação de um “eu” editado aos outros. Ou seja, podemos selecionar e exibir apenas momentos especiais, ignorando a rotina da vida ordinária. À medida que mais pessoas adotam essa mesma postura, essas plataformas se tornam um mosaico de esporádicos instantes de felicidade. E como só essa dimensão é exposta, passa-se a ideia de um modelo a ser seguido, como se o efêmero fosse, na verdade, a regra. Logo, “qualquer comparação com o que está sendo apresentado, e que é inalcançável, fará que o sujeito sinta que sua vida é menos interessante do que a de todas aquelas outras pessoas”, diz Jaqueline.

DICAS PARA UM USO SAUDÁVEL DAS REDES SOCIAIS
Um uso saudável dessas plataformas, avalia a psicóloga Renata Borja, vai passar pelo entendimento de que as publicações são apenas recortes momentâneos da vida do outro, que todos, invariavelmente, têm altos e baixos – por mais que exista a tendência de aspectos negativos serem “empurrados para debaixo do tapete”.

Por sua vez, a mestre em psicologia clínica Daiana  Quadros sugere que, ao perceber que a presença virtual tem desencadeado sofrimento, o usuário busque rever suas práticas e as formas de uso dessas plataformas. Ela dá dicas de como melhorar essa relação:

Se possível, desative as notificações dos aplicativos que mais te distraem no seu dia a dia;


Ao usar o celular, respire fundo e pense sobre qual o seu objetivo: se pergunte “o que estou pensando agora?”, “o que estou sentindo?”, “o que preciso agora?”, “o que está faltando?”. Assim você evitará navegações desnecessárias;


Deixe de acompanhar perfis que fazem você se sentir mal consigo mesmo ou sentir raiva;


Tente criar uma rotina de uso das redes sociais: quando você faz isso, é possível que otimize o seu tempo off e online;


Evite usar o celular enquanto faz suas refeições ou quando interage com entes queridos. Se algo urgente acontecer, certamente alguém irá te ligar;


Não use as redes sociais pelo menos 30 minutos antes de dormir: assim  o seu organismo vai se preparar melhor para o sono;


Siga perfis que façam você se sentir bem consigo mesmo: páginas de boas notícias, amigos que você se sente conectado, e outros assuntos que despertam emoções boas em você são uma ótima pedida;


Interaja de forma propositada com seus amigos: comente, curta, pergunte como eles estão. Procure uma conexão real que fortaleça o vínculo offline de vocês.