Desde o início da pandemia de coronavírus no Brasil, quando as primeiras recomendações para ficar em casa começaram a aparecer, a convivência familiar e conjugal entrou em pauta principalmente nas redes socais. Enquanto muitos ainda brincavam de se questionar como iriam viver semanas ou até meses confinados com seus cônjuges ou parentes, alguns criticavam essa postura ou se preocupavam com aqueles que não possuíam boas relações com quem dividem a casa.

O fato é que a situação, como tudo o que envolve a pandemia, não promete ser fácil. Uma prova disso foi que na China, onde as pessoas agora começam a sair do isolamento e voltar à atividade, a cidade de Xi’an, na província de Shaanxi, e outras localidades têm registrado recordes nos pedidos de divórcio, segundo informações da BBC Brasil.

De acordo com a terapeuta familiar sistêmica Fernanda Seabra, isso acontece porque, nesse momento em que nos voltamos para o interior de nossas casas e de nossos seres, passamos a ter contato com o que antes não estávamos prestando a devida atenção. Ao mesmo tempo em que nos damos conta da nossa vulnerabilidade e falta de controle diante de um vírus, temos que nos engajar em atividades que antes estavam diluídas no cotidiano e numa dinâmica relacional intensa com as pessoas com quem partilhamos o teto.

Nesse contexto, as diferenças vêm à tona e a intensidade das relações gera atritos e conflitos maiores entre os confinados. Assim, pessoas que já não possuíam bom convívio familiar ou conjugal vivenciam os aspectos negativos de maneira mais intensa e frequente, o que pode levar a crises familiares ou conjugais.

Em casos mais graves, a situação não só gera crise, mas ultrapassa os limites e atinge o ponto da violência doméstica. Prova disso foi que, nas primeiras semanas de distanciamento social voluntário no Rio de Janeiro, a Justiça carioca registrou aumento de 50% dos casos de violência dentro dos lares.

Nos casos de violência, a saída é denunciar e buscar proteção da lei e do Estado, especialmente nesse momento delicado que tende a confinar no mesmo espaço vítima e agressor.

Entretanto, nos casos de conflitos e crises corriqueiras, esse momento pode ser uma oportunidade para as famílias e casais. Como pontua Fernanda, este  é um momento excelente para que as pessoas conversem, repensem e recontratem suas relações, além de estabelecer rotinas e limites junto a si mesmos, filhos ou outros sob seus cuidados.

Porém, tudo isso fica a cargo das pessoas e das intenções delas nas relações. Para a psicóloga Maria Bernadete Viana, só possibilitam crescimento e desenvolvimento dos envolvidos, aqueles conflitos que acontecem em ambientes que permitem condições de expressão e trabalho das diferenças.

Com espaço para se expressarem e exercerem suas diferenças, é possível que habitantes da mesma casa divirjam, mas sejam capazes de se acolherem nesse momento que é tão delicado. Caso as pessoas não estejam voltadas para esse acolhimento e convivência das diferenças, é provável que seu sofrimento e solidão sejam ainda maiores, ocasionando uma real sensação de confinamento.