O Coronavírus forçou os brasileiros a ficar em casa por muitas semanas, e como quase todos os estabelecimentos comerciais estiveram fechados no período, nós percebemos, na prática, que foi possível viver sem gastar muito dinheiro. E, ao mesmo tempo, sem deixar de ser feliz, cercado pelo carinho e a amizade da família.

Esse maravilhoso efeito colateral da epidemia, levou a equipe editorial da revista MatériaPrima a propor um projeto aos nossos leitores. Em resumo, sugerimos que todos aproveitem definitivamente o grande benefício econômico, social e humano, causado pelo isolamento social, para aprendermos a viver com desprendimento e de maneira simples. Sem lojas e restaurantes abertos, economizamos em compras por impulso, entretenimento e viagens, só
para citar uns poucos exemplos. Nós nos livramos de muitas coisas inúteis e onerosas.

No entanto, alcançar a simplicidade nem sempre é um processo fácil de por em prática. Foi preciso enfrentar essa epidemia aterrorizante que, subitamente, nos colocou diante dos filhos e esposa adoráveis e de livros e discos fantásticos que nunca tivemos tempo de ler e ouvir. Porque, então, não tornar essa simplicidade pemanente? O costume só nos trará alegria na alma e dinheiro no bolso. Como o leitor percebeu, eu também me incluí nessa empreitada. A primeira providência que me aconselharam foi fazer uma lista das coisas que são verdadeiramente importantes mim. O primeiro passo dessa caminhada, conforme disseram, é o de estabelecer as nossas prioridades e abrir espaço para que elas aconteçam.

Os extensos dias de isolamento

Aproveitei o momento para ligar para especialistas, como psicólogos e gerentes de bancos, mas me consultei, em especial, com meus filhos Sandro, Bárbara e Helena. Esta última, como funcionária de uma grande empresa de auditoria, a Deloitte Touche, não apenas sugeria, mas tudo conferia com a mesma lupa com que avalia os balancetes de seus clientes.

Uma das perguntas mais constrangedoras foi da minha filha Bárbara, assessora de comunicação do Centro Cultural do Banco do Brasil. Ela indagou: “ Vale realmente a pena se encontrar com todos os seus colegas em happy-hour no botequim em frente ao escritório se não há novidades diárias para tratar?”. E arrematou: “Basta uma vez por semana, e olhe lá. Abandone todas essas coisas repetitivas, que não enriquecerão sua vida”.

Minha filha se referia ao crescimento intelectual, mas olhei os registros do cartão de crédito que apontavam despesas de quase R$ 1 mil por semana naquele palavrório que, destacadamente, apenas detonava meu fígado, baço e regiões afins no abdômen. Quantos livros deixei de ler solitariamente, quantos filmes foram adiados e sobretudo quantos ensaios no saxofone foram abandonados?

Provavelmente meus vizinhos estariam mais amistosos e não, como é o atual costume, cutucando com vassouras o piso do meu apartamento.
A epidemia me possibilitou, como provavelmente aconteceu com muitos leitores, olhar para trás, nesses meus 71 anos de vida, e me amargurar com o enorme tempo dilapidado. Mas não me estenderei em detalhes pessoais e solicitei aos meus filhos que fossem piedosos em suas observações, até então devastadoras.

Definir o supérfluo
O teor simples (ou simplório) das sugestões que se seguem mostram que optamos, em primeiro lugar, por não sugerir nada complexo. As matérias tratam de listas elaboradas com o propósito de acompanhar como gastamos o nosso dia-a-dia, desde o momento que acordamos até a hora de dormir. E propor mudanças, que nunca serão graves ou radicais.

Da minha parte, já eliminei a televisão no quarto e, por via de consequência, como dizia um ex-governador, aqueles malditos telejornais que só me atormentavam com suas péssimas notícias – e fofocas, que aliás eu já tinha lido no notebook, apenas acrescidas de imagens em movimento. Enfim, estou redesenhando meu dia. Também decidi, assim que voltar ao escritório, simplificar as minhas tarefas no trabalho, eliminando coisas inúteis. Não preciso acompanhar visualmente tudo o que meus subordinados fazem ou bisbilhotar as conspirações que tramam contra mim e contra todos.

Não quero, porém, como aqueles indesejados que nos contam o final dos filmes, roubar-lhes o prazer de ler as listas. Antes, quero confessar que, a partir de agora, farei como Abílio Diniz, o antigo proprietário do Supermercado Pão de Açúcar, que só usa ternos no tom azul-marinho e camisas brancas. Ou como o jornalista Elio Gaspari, que usa apenas calca cinza e camisa azul claro, todos os dias do ano. Nenhum deles têm dificuldades em selecionar roupas para vestir na manhã seguinte.

Mas, por favor, leiam as listas que se seguem. Todos nós cometemos erros. E, mais importante que os admitir, é trabalhar para corrigi-los. Examine cuidadosamente os seus hábitos financeiros. Avalie erros na gestão do dinheiro. Busque maneiras de economizar, sem perder a alegria de viver. E lembre-se: ao comprar qualquer objeto, você fica um pouco mais pobre. Veja abaixo nossas sugestões.

1. Evite gastar muito


Este erro é meio óbvio, mas tudo começa com a resposta às seguintes perguntas: “Você gosta de dinheiro? Ou gosta apenas de gastá-lo?”. Quem gosta de dinheiro, guarda-o, carinhosamente. Isso é fundamental. Quem gosta apenas de gastá-lo, vai ficar sem ele e acaba se transformando num pária, em gente a ser evitada, porque sempre tem a facada pronta para atingir o amigo distraído mais próximo.  Exemplo: – Você tem cem pratas para me emprestar?
– Não, só tenho cinquenta.
– Tudo bem, me passe o dinheiro. E fica
me devendo os outros cinquenta.
O diálogo acima é o que você encarará sempre que vacilar na guarda da sua pecúnia. Ande sempre armado com um pesado e sinistro “Não!” Gastar muito não é apenas a ultrapassar sua renda. Gastar muito abrange também emprestar seu dinheiro, comprar objetos fuleiros, ou fazer coisas desnecessárias, que você acha que pode pagar.
Alguns dos maiores crimes contra o seu bolso são praticados nas áreas da “dívida aceitável”: casa, carro, roupas e farras. Só porque o gerente da Caixa disse que sua ficha foi aprovada, isso não significa que você deve ter um apartamento maior. Viva no seu meio, abandone aquele sonho maluco de comprar uma cobertura no Belvedere.
Evite dívidas e a consequente falência. Que costuma dar cadeia…

2. Faça seguro


Muitas pessoas ignoram o seguro. Isso é um grande erro na gestão de dinheiro. A maioria rejeita fazer seguro da casa, esquecendo-se de que tem um fogão sempre aceso na cozinha, às vezes com o botijão de gás a tiracolo. Lembre-se de que a desgraça nunca vem sozinha, mas em turma. A casa pega fogo de manhã, seu carro é roubado
à tarde e à noite o filho quebra o braço no futebol. E você não tem plano de saúde.

3. Tenha os mesmos sonhos da sua mulher


Ou, então, que seja o contrário: que ela sonhe os seus sonhos. Lembre-se do velho samba-canção do lendário e desquitado Herivelto Martins: “Quando o infortúnio bate à porta, o amor nos foge pela janela”. Para ser bem-sucedido financeiramente como uma unidade familiar, vocês precisam ter objetivos comuns. Se os estilos de vida
são diferentes, se um gosta de gastar mais do que ganha, ou dilapida o patrimônio na aquisição de supérfluos, o casal está abrindo o caminho para a ruptura. Além disso, o divórcio pode ser financeiramente devastador. Para as duas partes.

 

4. Seja saudável


Lutar para zelar pela sua forma física também fará bem ao bolso. Você se tornará saudável, manterá as doenças à distância e logo adquirirá o hábito de comer alimentos saudáveis. E em menor quantidade. Você vai se sentir melhor e ter mais energia, conseguindo fugir, com dignidade, dos caldeirões de feijoada e espetões de picanha
maturada.

5. Pense três em um


Uma das maiores despesas mensais, aquela que dilacera as nossas esquálidas algibeiras, é o custo dos serviços da Internet, da tevê a cabo e do telefone. Os principais fornecedores hoje oferecem descontos quando você adquire os serviços num único pacote. Além disso, haverá a comodidade de uma única fatura a cada mês

6. Pesquise antes de comprar


Nunca faça compras sob impulso, do tipo: “Vi, gostei e vou comprar”. Você não precisa correr para fazer um mau negócio. Veja na internet se o preço está adequado. Converse com amigos. Pergunte. Alguém sempre sabe onde se compra melhor e mais barato. Você sabe onde é a avenida Oiapoque? Lá tem o imbatível Shopping Oi…

7. Pague sempre à vista


O dinheiro é a mercadoria mais desejada do mundo. Ela vale muito em qualquer parte do planeta. Sobretudo, se for representado pelos flutuantes dólares. Se você tem as verdinhas nas mãos, defenda-as com unhas, dentes e munhecas. Compra à vista tem direito ao desconto referente às despesas e aos prazos que o lojista teria com o cartão de crédito. Além do mais, seu pagamento cash será, para ele, dinheiro no caixa. De liquidez imediata.

8. Não compre apenas objetos novos


Objetos novos são para nouveaux riches ou exibicionistas precoces. Experimente frequentar sebos e locais em
que livros escolares, de literatura e especializados podem ser comprados de segunda mão. Adicionalmente você se
divertirá com obras que foram deixadas nos sebos com dedicatórias, já que osex-proprietários não tiveram, sequer,
a delicadeza de arrancar o autógrafo do péssimo, porém orgulhoso autor. As crianças também se cansam rapidamente dos seus jogos eletrônicos. Tente comprá-los de segunda mão. Há sítios onde os escambos rolam soltos.

Outra: por que comprar móveis novos, se há sempre há bons móveis usados nos brechós da praça? Depois que a criança cresce, o que fazer com a escumalha de brinquedos? Tente comprá-los de mães que têm filhos maiores e estão a fim de se verem livres das tralhas (são capazes até de doá-las). A aquisição de instrumentos
novos para um músico aprendiz também é, raramente, uma boa ideia. Caso o seu prodígio cheio de espinhas deseje aprender a tocar outro instrumento, veja quanto tempo ele insistirá nessa fugaz fantasia (sobretudo se ele exigir uma guitarra elétrica; ou, pior, uma bateria). Se ele insistir, compre um instrumento usado. Um oboé ou uma
harpa, por exemplo.

9. Fuja do cartão de crédito como o demo do madeiro


A coisa mais fácil é esquecer o pagamento da fatura do cartão na data certa. A coisa mais difícil é arrumar dinheiro para pagar os juros de mora, que extrapolam sempre os 12% ao mês. Agiota é trombadinha perto dos tubarões do sistema financeiro. Fuja deles e pague somente à vista, com as vantagens expostas no item oito deste excelente texto que agora finalizamos.

10. Festa? Não compre roupa, só alugue


Alguém lá em cima ouviu suas preces e você foi agraciado com a Medalha da Inconfidência. Ou, então, aquela sua filha à beira do mais desesperançado encalhe, encontrou um noivo estrábico (mas bem de vida), que decidiu levá-la ao altar. As duas situações – de medalhado e de pai da noiva – irão exigir roupas especiais, aquelas que, antigamente, chamávamos de farpelas. Mas que serão usadas uma única vez. Nesse caso, não se acanhe, vá a uma loja de aluguel de roupas. Há roupas fantásticas, que você sonhará até em levar, definitivamente, para o seu guarda-roupa. Mas não caia em tentação, só alugue, brilhe na festança e devolva para a loja. E trate de pegar a nota fiscal, pois o imposto de renda poderá enquadrá-lo na faixa do enriquecimento ilícito.
Pela atenção, obrigado! E boa sorte.

 
Durval Guimarães/https://osnovosinconfidentes.com.br

Pouco mais novo que os antigos inconfidentes, comemorou em outubro os seus primeiros 50 anos de jornalismo. Foi repórter de Veja, chefe de sucursal da Gazeta Mercantil e repórter em Belo Horizonte do Vigia do Vale, de Almenara, MG. Atualmente ocupa todos os cargos na redação da revista Matéria Prima.