Amauri Meireles (*)

A propósito da discussão, em andamento, sobre a conveniência de possível desmembramento do atual Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), convém que se debatam, dentre outras, alterações institucionais e modificações estruturais decorrentes, tópicos que, à primeira vista, podem parecer periféricos, mas, na verdade, são nucleares. É que, às vezes, há órgãos demais e efetividade de menos; há superposições de um lado, há lacunas de outros; há abundância de anacronismos, há escassez de doutrina genuína; privilegiam-se utopias, relegam-se abordagens objetivas.

Partindo-se da premissa de que é oportuno o desmembramento, urge que se pense na composição do futuro Ministério da Segurança Pública – MSP. Antes, rever o  anacrônico nome. E, aqui, um parêntese. Embora não haja consenso conceitual, ou mesmo percepções aproximadas, constata-se prevalecer o equivocado entendimento  de que a expressão segurança pública se refere, restritivamente, apenas à contenção criminal, principalmente a violenta. Ora, e como ficam as demais ameaças ao organismo social? Lembre-se, aqui e agora, que uma das responsabilidades basilares do Estado é prover a proteção (nacional e social) e que segurança, melhor analisada, não é sinônimo de proteção. É um ambiente (utópico) que decorre da proteção, operacionalizada através instrumentos (instituições) e mecanismos (defesas). Logo, Ministério da Salvaguarda Social – MSS parece mais adequado, pois, o contemporâneo Sistema de Defesa Social tem origem na inteiração (isso mesmo, inteiração) social e na salvaguarda social.

Retomando, o MSS deve receber, do espólio do atual ministério, dentre outros, a Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, Força Nacional de Segurança Pública, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal – PRF, Secretaria de Operações Integradas – SEOPI (total ou parcial), Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, Conselho Nacional de Segurança Pública – CNSP; Conselho Gestor do Fundo Nacional de Segurança Pública – CFNSP.

De muitas questões a serem analisadas, sob os aspectos legais, organizacionais, doutrinários e, principalmente, da efetividade, pretende-se discutir, aqui, desejável estrutura. Começando pela Força Nacional de Segurança Pública ou Departamento da Força Nacional de Segurança Pública, que integra a atual SENASP. Criada em 2004, tem a finalidade de suplementar o esforço de órgãos federais e estaduais na contenção de eventos que, atentatórios à lei e à ordem,  possam sair ou já tenham saído do controle dos órgãos locais de salvaguarda social. Desde então, ainda que tenha cumprido, com êxito, as missões recebidas, não tem tido o necessário reconhecimento, em virtude de não estar inserida no Art.144 da CF/88, sendo vista, por alguns, como uma entidade impura, bastarda, por haver sido gestada através de Decreto (5.289) e não através da CF. Referido decreto é um artifício jurídico que, dissimuladamente, disciplinou o desenvolvimento de um programa de cooperação federativa, denominado Força Nacional de Segurança Pública. Isso é um entrave às desejáveis comemorações esfuziantes de sucesso em operações, que têm reprimido o esplendor, a fulgurância do êxito, ao contrário do que acontece com as celebrações de extraordinários resultados da Polícia Federal.

O surgimento do MSS é um evento que ensejará a criação de força federal permanente, a Força Federal de Salvaguarda Social (FFSS), que socorrerá a União, em atendimento a pedidos dos três poderes, ou a Governadores, precedendo ou atuando em episódios de grave perturbação da ordem social (antessala da ordem nacional), antecedendo eventual emprego das FFAA.

O Batalhão de Pronta Resposta, unidade de elite da FNSP, foi criado com o intuito de ser a principal e mais bem treinada tropa policial brasileira, objetivo que deve ser ampliado para a novel FFSS. Deve ser uma instituição enxuta, para realizar, apenas e tão somente, ações de força de polícia. Portanto, seu setor de Polícia Judiciária (bastante ativo, composto por delegados, agentes e escrivães de polícia, cedidos pelos Estados) deve ser deslocado para a atual Polícia Federal (que deveria denominar-se Polícia Judiciária Federal- PJF), detentora exclusiva dessa atividade (CF/88, Art.144, §1º, 1). A Perícia Forense (composto por peritos criminais, médico-legistas, odonto-legistas e papiloscopistas) deve ser deslocada para a Polícia Científica Federal (PCF), que deve ser inserida na CF/88. Aliás, essa nova instituição (PCF) também deve receber a Diretoria Técnico-Científica da PJF. Por outro lado, o setor da PJF que realiza operações de força deve ser transferido para a FFSS, permitindo àquela concentrar-se no que tem feito com qualidade exemplar: apuração de infrações penais contra a ordem política e social, a par de exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Assim, operações de restauração da ordem social, devem ficar a cargo da FFSS, dando-se a opção, para aqueles que realizam essas tarefas na PJF, de transferência para a FFSS. Aliás, o preenchimento dos quadros da FFSS deve ser feito em duas frentes. A primeira, por funcionários públicos federais que tiverem deferida sua manifestação de remanejamento, através análise legal e, também, de qualificação e desenvoltura, dentre outros atributos e requisitos. A segunda, através concurso público. O aproveitamento, em caráter excepcional, de reservistas é uma transferência de instabilidade profissional, que deve ser evitada. O fato de ser ex-militar pode, eventualmente, gerar pontos, conforme o edital. Em relação ao DEPEN- Departamento Penitenciário Nacional- convém mantê-lo como órgão diretivo, com o nome de Departamento de Polícia Penal.

O órgão operativo seria a Polícia Penal Federal. A atual Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil- SEDEC, do Ministério da Integração Nacional, deveria ser transferida para o novo MSS e constituir-se em um novo Departamento de apoios técnico e logístico, suplementares, aos Corpos de Bombeiros Militares e aos órgãos de Defesa Civil, além de responsabilizar-se por ações administrativas da Defesa Civil na esfera da União. Este departamento receberia, ainda, a atual Força Nacional de Apoio Técnico de Emergência, por vezes denominada  Força Nacional contra Desastres Naturais, que congrega geólogos e hidrólogos. Isso porque desastre também é uma ameaça/objeto específica da Salvaguarda Social e, por extensão, da Defesa Social.

            Tem-se como importante, ainda, a criação de um Departamento que dê suporte às Guardas Municipais e a órgãos de Vigilância Privada. A exemplo da recém-criada Força Nacional Ambiental (que não deve ficar adstrita, apenas, à Amazônia), a PJF, a FNSS, a PPF, a PCF devem ser instituições autônomas.

            Por certo, em razão da profusão de polícias, é conveniente haver um órgão de coordenação técnica que promova a interação, a harmonização, a efetividade dessas instituições, pelo que se sugere a criação do Conselho Nacional da Salvaguarda Social (em lugar do atual Conselho que tem a inadequada denominação de Segurança Pública e Defesa Social) nos moldes do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, do Conselho Nacional de Medicina – CNM, etc.

            Será necessário rever a Lei nº13.675, de 11 de junho de 2018, que disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública (sic), descritos no § 7º, art. 144 da CF/88, que cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

            A revisão deve ocorrer em razão de terminologia equivocada e conceituações difusas, abrangendo, quase que na totalidade, apenas, a criminalidade, em particular a violenta.

            Enfim, a criação de um ministério para cuidar da salvaguarda social abre perspectivas reais para se fazer correções necessárias, estruturais e comportamentais,  bem como manter e/ou maximizar resultados. A exemplo da Medicina, da Engenharia e outras ciências, que acumulam êxitos, partindo para especialidades e, mais ainda, para especificidades, entende-se que a estratégia, de centralizar em um órgão policial as atividades dos vários ramos de Polícia, está superada, representando um retrocesso.

 

                                                           (*) Coronel Veterano da PMMG

                                                           Foi Comandante da Região Metropolitana de BH