Você se lembra de quantas vezes visitou ou foi visitado por pessoas amigas do início do ano para cá? Digamos que isso tenha acontecido três ou quatro vezes por iniciativa de um lado ou de outro. Além disso, essas pessoas podem ter diferentes espectros políticos e ideológicos, bem como viver em bolhas distintas, mas tem a capacidade de polir as amizades para renová-las sempre e com o devido cuidado inerente a quem sabe falar e ouvir. Aliás, para muitas pessoas isso pode até parecer uma utopia nesses tempos que estamos atravessando.

 
Estou dizendo tudo isso por causa de um caso que me contaram. Ocorreu com um professor de matemática, 48 anos, que leciona no Ensino Médio da rede privada de Belo Horizonte. Foi no início de julho, no apartamento dele. Fazia um ano que o professor tinha se encontrado pessoalmente com o amigo no inverno passado e estava recebendo uma visita de retribuição. Assim que o amigo – também de 48 anos – chegou, no início da noite, houve uma efusiva troca de abraços pontuada pela lembrança de que o tempo passou muito rápido após o último encontro. 
 
Logo de cara o professor percebeu que o amigo, médico cardiologista, portava na mão direita seu telefone celular. Logo que começaram a conversar o anfitrião ficou pensando quanto tempo levaria para que o amigo passasse da posse para o uso efetivo do aparelho. Para a sua “não surpresa” passaram-se exatos 15 minutos da euforia inicial pelo reencontro e o visitante começou a olhar com maior frequência para a tela do seu dispositivo tecnológico, inclusive ficando atento aos sinais sonoros emitidos. Logo logo o professor e o amigo estavam plenamente divididos entre a conversa e a novidade do último minuto trazida pelo celular. Ficou visível a alta conectividade do cardiologista com seu aparelho e a sua crescente dificuldade para se conectar na conversa com o amigo. O hiato causado pela dispersão era cada vez mais cansativo para o professor, que dedicou seu tempo ao encontro e simplesmente ficou longe de seu próprio telefone celular que foi desligado. O fato é que o encontro ficou prejudicado pela presença de uma inteligência artificial que estava roubando a cena. 
 
Diante da realidade ensejada pelo comportamento do amigo em sua relação com o celular o professor propôs uma pausa para que pudessem tomar um café e que o telefone ficasse desligado, simples assim. Passaram-se exatos 50 minutos de boa conversa quando o professor começou a perceber uma certa inquietação por parte do amigo, que só foi aumentando à medida em que a noite avançava. Não demorou muito e depois de 5 minutos o visitante solicitou ao anfitrião sua compreensão, pois precisava religar seu telefone celular em função principalmente de seus compromissos profissionais. Só restou ao professor acatar a solicitação e conversar mais um pouco com o amigo, sempre que possível, sem deixar de atender aos chamados prioritários do celular. A conversa durou mais uma meia hora e tudo caminhou para o fim do encontro em função de tanta coisa envolvida em pouco espaço de tempo. Nova tentativa de visita ficou marcada para daqui a algum tempo, mas pelo que vai se vendo haverá pouco ou nada para se insistir em ficar com esse tipo de preocupação diante de tanta impaciência e necessidade.
 
Você acha que ainda é possível tentar ficar sem ouvir o celular ou é melhor render-se e adaptar-se diante da atual realidade cada vez mais dominada pela conectividade obrigatória? Pelo visto, é o que é possível nessa mudança de era…