Amauri Meireles (*)
Há poucos dias, postei a notícia, para um grupo de amigos, que o número de registros de arma de fogo aumentou consideravelmente e, ao contrário do senso comum, o número de homicídios, com arma de fogo, teve inusitada queda, em nosso Estado.
O propósito não era fazer proselitismo, de forma subliminar, em favor de a população armar-se, complementarmente à salvaguarda que lhe é dada pelo Estado, nem mesmo difundir o livro de John Lott “More Guns, Less Crime” - Mais Armas, Menos Crime. Na verdade, a intenção primacial era apresentar a auspiciosa constatação de que, em MG, os homicídios estavam caindo, e, em particular, os que ocorriam com emprego de armas de fogo.
Contudo, a notícia caiu como uma verdadeira bomba, uma desconfiança marcante quanto à credibilidade, superficialidade e, até mesmo, à “responsabilidade” da divulgação. O fulcro dessa “incredulidade”, quero crer, estaria no fato de maioria da população, há muito tempo, estar sendo induzida a acreditar que há uma relação direta entre aumento de armas e aumento de homicídios. Herança popular que vem sendo pesquisada, confrontada, metodicamente analisada, na busca da verdade, em razão de o tema ser bastante controvertido.
Por precaução, e até mesmo para evitar a ocorrência de uma involuntária e eventual leviandade, antes de fazer a postagem, antes de divulgar a informação tivemos a preocupação, o cuidado de checá-la junto aos setores de estatística dos órgãos que fazem a salvaguarda social (vertente da defesa social) em nosso Estado.
Citam-se, de passagem, no acumulado de 2020, nos dois primeiros quadrimestres. a redução de 36% em roubos consumados, registro de 43,5 mil ocorrências de tráfico e uso de drogas, 199 mil prisões/apreensões, 34% de redução de crimes violentos, 10.800 veículos recuperados, redução de 24% em roubos de veículos, 18.833 armas apreendidas, redução de 26% em estupros consumados, redução de 22% de furtos consumados, 8.991 prisões/ apreensões de autores de crimes violentos, 1.025.401 ocorrências registradas, redução de 2,88% de homicídios consumados.
Foi ressaltado, na oportunidade, que o resultado ocorrera, ainda que criminosos perigosos, condenados, tenham sido colocados em liberdade e que os crimes domésticos tenham aumentado, ambos em razão da pandemia da COVID-19. Houve a constatação, também, de que os estelionatos mudaram de forma e formato (maioria agora é digital).
Por que essa postura pessimista de grande parte da população, de duvidar quando a notícia é uma boa notícia? Porque, em relação às notícias, em geral, sofremos uma lavagem cerebral, quase que diária, por parte de um segmento da imprensa brasileira, para quem “a boa notícia é a má notícia”. Assim, quando há uma boa notícia, surgem reações de rejeição, de desconfiança, de cepticismo.
Quanto à segurança, em particular, isso se deve ao fato de a grande massa popular desconhecer que ela é uma utopia, que se vive, em qualquer lugar do planeta, em um ambiente de insegurança e que todo o trabalho de proteção da sociedade visa a reduzir a insegurança, jamais a aumentar a segurança. Não sabe que, doutrinariamente, a segurança tem dois aspectos: o objetivo e o subjetivo. O primeiro, que corrobora a utopia, proclama que inexistem vulnerabilidades no tecido social (vulnerabilidades institucionais) ou estariam restritas, controladas, além de as ameaças ao organismo social estarem mitigadas; concomitantemente, o lado subjetivo, apregoa que há a crença de que tudo isso estaria ocorrendo, na contramão da realidade fática.
A questão objetiva pode ser mensurada através de indicadores de desempenho, de estatística criminal, enfim, utilizando-se ferramentas que medem ações relativas ao risco e ao perigo, enquanto que a subjetiva é o resultado de medidas de percepções de ações relativas ao receio e ao medo.
Lamentavelmente, observa-se que o prisma subjetivo tem prevalecido sobre o objetivo. Dessa forma, seria oportuno que instituições policiais idealizassem e operacionalizassem procedimentos que visassem a estimular a crença nos resultados objetivos. Essa providência contribuiria para reduzir a sensação de insegurança (percepção exagerada de que se vive em um ambiente de insegurança), a síndrome de violência urbana (conjunto de sinais e sintomas que define manifestação de uma doença social), a ilusão de isotopia (sensação de estar no local onde eclode uma ameaça à preservação da vida ou à perpetuação da espécie humana, ou de que, no local onde se encontra, irá eclodir ameaça idêntica àquela), além da síndrome do pânico, a sensação de próxima vítima e outras síndromes.
Enfim, o aspecto subjetivo da segurança, o clima de insegurança, não tem tido o destaque que tem o aspecto objetivo (o grau de insegurança), a ponto de influenciar positivamente no nível de insegurança. Identificada essa hipótese, que reflete em nossa qualidade de vida, seria oportuno haver planos, programas e projetos para seu fortalecimento junto à população.
Finalizando, convém esclarecer, residualmente, que a consulta à bibliografia internacional e nacional, extremamente controversa, não permite conclusões irrefutáveis sobre a tese da relação direta, ou indireta, entre taxas de posse de armas e taxas de homicídios.
Como exemplo, transcreve-se trecho da conclusão do artigo de Gary Kleck, “O Impacto das Taxas de Propriedade de Armas nas Taxas de Crime: Uma Revisão Metodológica das Provas”, que analisou 41 estudos, em língua inglesa, que testaram a hipótese de que níveis mais altos de prevalência de armas de fogo causam taxas de crime mais altas, especialmente taxas de homicídios mais altas: “Deve-se concluir provisoriamente que taxas mais altas de posse de armas não causam taxas de crime mais altas, incluindo taxas de homicídio”.
Já Mark Duggan, em seu livro “More Guns, More Crime” - Maia Armas, Mais Crimes -, anotou que: “Em teoria, o efeito da posse de armas sobre o crime é ambíguo. Se os criminosos são dissuadidos de cometer crimes quando as vítimas em potencial são mais propensas a possuir uma arma de fogo, então o aumento da posse de armas pode levar a uma redução na atividade criminosa. Se, em vez disso, as armas aumentam a recompensa para a atividade criminosa ou simplesmente aumentam a probabilidade de que qualquer confronto específico resulte na morte da vítima, um aumento na posse de armas tenderá a aumentar o índice de criminalidade”.
Por ora, convido-os a comemorar a significativa redução de taxas de vários crimes, lembrando que a criminalidade é menos um problema policial que um grave e complexo problema sociopolítico.
(*) Coronel Veterano da PMMG
Foi Comandante da Região Metropolitana de BH