JURISPRUDÊNCIA DA "LAVA JATO"
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região divulgou, nesta terça-feira (6/2), o último voto que faltava no acórdão que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o do desembargador federal Victor dos Santos Laus. Como os demais colegas, ele viu provas de que o réu recebeu um triplex da empreiteira OAS em troca de benefícios indevidos na Petrobras.
Sylvio Sirangelo/TRF-4
Para ele, embora executivos e empregados da construtora — escalados como testemunhas da defesa — não tenham confirmado a entrega do imóvel em Guarujá (SP), os depoimentos demonstraram “que não era prática comum da OAS fazer reformas personalizadas a potenciais compradores (‘customização’)”.
Laus também entende que não é preciso demonstrar qual contrato específico beneficiou a empreiteira.
A ConJur já havia divulgado entendimentos do relator, desembargador João Pedro Gebran Neto, e do revisor, Leandro Paulsen.
Lula foi julgado no dia 24 de janeiro, quando a 8ª Turma do TRF-4 ampliou a pena fixada em primeiro grau, de 9 anos e 6 meses de prisão para 12 anos e 1 mês.
Leia abaixo os principais fundamentos do acórdão:
DOMÍNIO DO FATO
O chamado domínio do fato, lembre-se, pode se dar pelo domínio da ação criminosa, pelo domínio da vontade ou pelo domínio funcional. Descabido, isso sim, é condenar alguém pelo simples fato de ocupar uma posição hierarquicamente superior, como se fosse um garantidor universal da conduta de seus subordinados. (...)
Relativamente a Luiz Inácio Lula da Silva, há elementos de sobra a demonstrar que concorreu para os crimes de modo livre e consciente, que concorreu para viabilizar esses crimes e concorreu para perpetuá-los. Não se trata, simplesmente, da sua superioridade hierárquica enquanto Presidente, mas do uso que fez desse poder”
Leandro Paulsen, revisor
Havia, nessa esteira, inequívoca ciência do réu com relação aos malfeitos havidos na estatal. Ademais disso, dele dependia a continuidade e eficácia do esquema milionário de financiamento de campanhas eleitorais, de maneira que a sua capacidade de decisão e conhecimento dos efeitos e da abrangência do esquema espúrio, mostrou-se fundamental. Não se cuida, pois, de mero intermediário dos atos de corrupção, mas, sim, do próprio avalista e comandante do sistema”
João Pedro Gebran Neto, relator
Fica clara a influência, porque implícita ao rol de suas atribuições/competências, que o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tinha sobre a escolha dos diretores da Petrobras, sendo, portanto, peça essencial ao funcionamento, e manutenção, do concerto delituoso em que a petrolífera viu-se envolvida”
Victor Laus
PRODUTO DO CRIME
Denúncia e sentença não vincularam o dinheiro usado pela OAS para pagar o triplex, e suas benfeitorias, especificamente ao lucro obtido pela construtora com os contratos no bojo da RNEST [refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco], nem mesmo a qualquer outro formalizado com a Petrobras. Afinal, em verdade, considerada a fungibilidade do capital, o rastreamento de tais quantias seria mesmo tarefa impossível (...)
Não se exige, para a configuração do delito de corrupção passiva em tela, que as vantagens indevidas cristalizadas no triplex, e suas benfeitorias, tenham advindo, precisamente, dos contratos da RNEST ou qualquer outro da Petrobras. Poderiam ter como origem, por exemplo, qualquer capital da OAS, mesmo um de origem lícita”
Victor Laus
A alegação de que rastrear o caminho do dinheiro é essencial à prova da lavagem, por sua vez, no caso, é uma petição de princípio. A lavagem de dinheiro, neste caso, não é propriamente de dinheiro, mas da vantagem indevida consistente no próprio triplex e nas suas benfeitorias, o que se fez de modo simplório, numa única fase, mantendo-se-o em nome da OAS, que também contratou a reforma e os móveis. Não houve circulação, transferência, mas, justamente, imobilidade, omissão, e nisso consistiu a ocultação do produto do crime de corrupção”
Leandro Paulsen, revisor
AUMENTO DE PENA
Regra geral, a culpabilidade é quem deve guiar a dosimetria da pena (...) No caso em exame, trata-se de ex-Presidente da República que recebeu valores em decorrência da função que exercia e do esquema de corrupção que se instaurou durante o exercício do mandato, com o qual se tornara tolerante e beneficiário. É de lembrar que a eleição de um mandatário, em particular o Presidente da República, traz consigo a esperança de uma população em um melhor projeto de vida. Críticas merecem, portanto, todos aqueles que praticam atos destinados a trair os ideais republicanos”
João Pedro Gebran Neto, relator
Primeiramente, repiso a culpabilidade diferenciada do réu, é dizer, o elevadíssimo juízo de reprovação de sua conduta delituosa, conforme já abordado no item anterior.
De outra banda, dou parcial provimento ao apelo ministerial para considerar desfavorável, também, a vetorial circunstâncias do delito, tendo em vista a origem do dinheiro branqueado (a corrupção de um Presidente da República), bem como a pluralidade dos atos de lavagem (dissimulação da propriedade de fato de um apartamento, e das despesas envolvendo sua reforma e mobília), os quais ocorreram durante, ao menos, 5 (cinco) anos”
Victor Laus
POSSE DO TRIPLEX
A entrega das chaves não implica outorga de propriedade (...) Ninguém aprova projeto para mudanças estruturais em um apartamento que não é seu, não se manda quebrar paredes, instalar elevador, mudar a posição da piscina senão no seu próprio bem e para o seu próprio uso. O mesmo se diga quanto à aprovação de projetos de móveis sob medida e solicitação de instalação, inclusive, com cobrança de prazo. É ato de quem se entende titular do bem, não de terceiros.
A absoluta despreocupação da Sra. Marisa Letícia e do Sr. ex-Presidente (...) acerca da diferença de preço a ser suportada para aquisição de um apartamento três vezes superior ao originalmente negociado, em cujo interior estavam sendo realizadas vultosas reformas, somente aponta em um sentido: não era com recursos pertencentes aos réus que o bem estava sendo adquirido”
Leandro Paulsen, revisor
A realidade, então apenas suspeitada, de que o triplex pertencia, de fato, mas não de direito (a transmissão da propriedade não havia sido providenciada/formalizada), ao acusado Luiz Inácio Lula da Silva, e à sua finada esposa (...) encontra remanso na prova dos autos, no sentido de que, (a) uma vez assumido o empreendimento pelo grupo OAS (OAS Empreendimentos, especificamente), as prestações relativas à unidade habitacional padrão adquirida, anteriormente, pelo casal (apartamento-tipo), deixaram de ser pagas, sem que tivesse havido opção por quaisquer das alternativas colocadas à disposição dos demais compradores, por ocasião do acordo aprovado em assembleia pelos cooperados; (b) a OAS não promoveu qualquer cobrança ao casal do valor em atraso; e (c) o imóvel triplex em questão nunca foi posto à venda, oferecido a terceiro, e constava como 'reservado' em documentação interna da OAS”
Victor Laus
A vantagem indevida recebida pelo ex-Presidente da República não foi constituída pela transferência formal da propriedade, o que efetivamente não houve, mas pela atribuição, a ele, no plano dos fatos, de prerrogativas próprias de quem é proprietário, o que se deu quando o imóvel foi excluído da comercialização com outras pessoas e se ensejou ao ex-Presidente que determinasse a realização de obras”
Leandro Paulsen, revisor
Não é crível — além de negado por Léo Pinheiro e outros envolvidos — que a construtora canalizasse tantos recursos apenas como forma de tornar o negócio mais atrativo. Os gastos extrapolam inclusive o próprio valor de mercado do bem.
Não se cuida, pois, de reforma decorativa, mas sim com características de personalização para um programa de necessidades específico, com intervenções bastante profundas na planta padrão do imóvel. A instalação de um elevador entre os pisos internos, somente implementado na unidade 164-A, é um claro exemplo de modernização que desborda do padrão mercadológico. (...) Há prova acima de dúvida razoável de que o imóvel era destinado ao ex-Presidente e sua família, bem como as melhorias e compra de equipamentos foram realizadas em seu benefício”
João Pedro Gebran Neto, relator
VALIDADE DE DEPOIMENTOS
É possível aos colaboradores prestarem depoimentos na qualidade de testemunhas com fulcro no art. 4º, § 12, da Lei nº 12.850/13. Referida disposição diz apenas que o colaborador, ainda que tenha sido beneficiado pelo perdão judicial, poderá ser ouvido em juízo a pedido das partes ou por iniciativa da autoridade policial, mas não diz a que título. (...)
Assim, uma vez excluídos do pólo passivo da ação penal e tendo o dever de falar a verdade em decorrência do acordo firmado, natural que suas oitivas sejam realizadas na condição de testemunhas”
João Pedro Gebran Neto, relator
ARGUMENTOS DA DEFESA
Em via oposta, inexistem contra-indícios suficientes e aptos para desmerecer o restante da prova. (...) No caso, os contra-indícios são por demais etéreos e incapazes de fragilizar as conclusões a que chegou o magistrado de origem com base no somatório de proeminentes indícios e na boa prova material”
João Pedro Gebran Neto, relator
Busca a defesa descreditar as declarações de 11 (onze) testemunhas (...) e dos corréus neste processo, por terem firmado acordos de colaboração premiada ou por pretenderem consegui-lo, sem desafiá-las estritamente contrastando-as com outros elementos probatórios, mas também questionando a confiabilidade em si dos depoentes. Não obstante, resta argumentativamente frágil esse proceder”
Victor Laus
O depoimento do ex-presidente foi mendaz. Diante da acusação feita contra ele, criou uma versão hipotética que não o comprometesse, mas que está em contradição não apenas com os depoimentos tomados nos autos, como com as provas materiais.
Lembre-se que há provas materiais demonstrando que desde antes da adesão formal ao empreendimento já se cogitava do biplex (depois transformado em triplex), que o triplex jamais foi colocado à venda, que há registro de visitas ao ex-Presidente, há os projetos de reforma e de móveis sob medida, tudo demonstrando que o triplex foi, sim, admita o senhor ex-presidente ou não, reformado e mobiliado por solicitação dele próprio e da sua esposa, para seu próprio uso. Aliás, essa obra envolveu diversos executivos da empresa, justamente porque se tratava de um apartamento do ex-presidente”
Leandro Paulsen, revisor
GRAMPO EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA QUE DEFENDE LULA
Não há registro na sentença de utilização de qualquer das interceptações ou mesmo de que tenham alguma utilidade para o presente processo. Tampouco a defesa aponta expressamente qual ou quais seriam as interceptações prejudiciais, limitando sua insurgência ao campo da teoria e da nulidade genérica”
João Pedro Gebran Neto, relator
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5046512-94.2016.4.04.7000
Fonte:ConJur