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string(104) "Filme pernambucano 'A Vida Secreta de Meus Três Homens' é o mais marcante da 28ª Mostra de Tiradentes"
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string(8062) "Murilo Sampaio (esq), Giordano Castro e Guga Patriota (dir) interpretam os três homens do título. (Divulgação)
Iluminar, transformar e ressignificar a dor a partir dos códigos da ficção e do documentário está se tornando a tônica do cinema de Letícia Simões, que apresentou, na última sexta-feira (31), o seu novo longa, A Vida Secreta de Meus Três Homens, na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O filme é uma das duas produções pernambucanas que integram a Mostra Olhos Livres e consegue o raro equilíbrio entre o experimentalismo e um envolvimento emocional orgânico da plateia, o que foi possível notar pelos entusiasmados aplausos após a sessão na cidade histórica de Minas Gerais.
Neste projeto, a diretora e roteirista convoca três figuras importantes da sua história para, através de uma investigação do passado delas, tecer um panorama histórico do país. O primeiro é Arnaud (Guga Patriota), adolescente que teve participação no cangaço; o segundo é o pai de família Fernando (Giordano Castro), que colaborava com o serviço de inteligência da ditadura militar, e o terceiro é o fotógrafo Sebastião (Murilo Sampaio), cuja experiência como homem negro e gay inclui uma irremediável tragédia.
De maneira menos alegórica, Letícia Simões já visitou - e confrontou - seu passado no belíssimo Casa (2019), em que registrava seu retorno à convivência com a mãe. Agora, com A Vida Secreta dos Meus Três Homens, ela avança na representação dos seus fantasmas com uma abordagem mais ambiciosa na relação entre verdade e criação. O resultado é, com uma boa vantagem, o mais forte entre os longas exibidos na Olhos Livres, tanto devido à originalidade na concepção formal e narrativa quanto à eficiência da sua dramaturgia.
"Sempre quis entender como a gente joga com essas frestas entre o que é autobiografia e o que é fantasia", conta a diretora Letícia Simões ao Viver. (Divulgação)
A separação em três blocos ligados pela presença da atriz Nash Laila, que interpreta o papel da própria cineasta, imprime ao filme um caráter de arqueologia lírica. Cada uma das investigações concentradas nos homens explora distintas camadas da violência perpetuada pelo tempo no Brasil - sobretudo, nos estados nordestinos. De uma brutalidade masculina mais arcaica até relações incômodas e subliminares de poder, o roteiro analisa como as complexidades desses homens moldaram o existir da diretora/personagem no mundo.
Inquieta com a sua ancestralidade e cada vez mais corajosa em mergulhar nas contradições dela, Letícia coloca o elenco central na mesa (às vezes literalmente) para um franco diálogo entre o que pode ser remediado pelas desconstruções do presente e as feridas que jamais vão sarar. Nash, Guga, Giordano e Murilo põem seus corpos e olhares à disposição dessas figuras defendendo-os como se fossem suas próprias narrativas. Destaca-se o confronto de reflexões entre Nash e Giordano - representando a diretora e seu pai - pelo modo como representa uma arquitetura incômoda de poder entre pai e filha, homem e mulher, passado e presente.
Ao se dividirem entre documentos reais e um estúdio quase limpo, com uma iluminação controlada e auxiliada por um imersivo trabalho sonoro, as imagens evocam uma teatralidade que reforça o caráter alegórico daqueles atores. O formato híbrido (ou de "docuficção") tem sido um dos mais recorrentes na Mostra de Tiradentes, mas A Vida Secreta de Meus Três Homens evita truques e experimentações fáceis para fugir do drama. Pelo contrário: ele olha no espelho de seu próprio processo por tempo suficiente para que a essência de seus temas venha à superfície.
Em entrevista exclusiva concedida ao Viver, a diretora e o elenco falam sobre os assuntos delicados trabalhados na produção e as interceções encontradas entre eles para dar vida a esse passado tão cheio de arestas.
"Sempre quis entender como a gente joga com essas frestas entre o que é autobiografia e o que é fantasia, o que é memória e o que é criação. Isso tem me interessado muito. Eu já fazia de alguma maneira antes, mas estou buscando novas possibilidades de a gente pensar na representação da memória", conta Letícia.
"Qualquer processo de criação cinematográfica que investiga os desdobramentos da memória vai passar pela dor em algum momento, sobretudo quando a gente se localiza no tempo/espaço: estamos falando como Nordeste, como Brasil. A grande questão é: o que a gente faz com isso? A gente estagna ou cria? Os processos acabam passando, portanto, por esses sentimentos, mas eu acho que há um horizonte muito compartilhado para cultivar, para transformar isso em algo que toque o outro", continua a diretora.
A atriz Nash Lalia compartilha um pouco da experiência de assistir à estreia mundial do longa. "Foi a primeira vez em que eu consegui de fato assistir a um filme que eu fiz sem ficar olhando para o meu próprio trabalho e, sim, aproveitando a obra em si. Estava muito ansiosa pela sessão e ela me emocionou profundamente. Me senti respirando junto com as pessoas, o que já é uma experiência coletiva que eu adoro. Chorei que nem criança. Foi muito bom virar espectadora de algo em que participei tão intensamente", explica.
"Era um filme muito afetivo, em que a gente lembra de cada momento de diversão enquanto contávamos essa história e que, ao mesmo tempo, lida com coisas muito delicadas. Quando Letícia me chamou para interpretar o pai dela eu topei na hora e, durante todo o processo, ela me contou várias histórias dele e me conectei rapidamente. Na minha geração, se você não teve um pai ruim, você é privilegiado, mas mesmo com as várias questões desse personagem, foi bastante importante para mim defender esse personagem, gostar dele enquanto eu o fazia, algo que aprendi com Hilton Lacerda. Se você não gostar de seu personagem, não tentar entendê-lo, a coisa não anda", explica Giordano.
"Sebastião é o único dos três homens que Letícia não conheceu, então é também aquele sobre o qual mais existe uma fabulação. Nossas conversas beiravam em como chegar naquilo da forma mais autêntica possível. É uma história de marginalidade, de dor e de sofrimento totalmente diferente da minha, mas tive que buscar recursos em mim para contá-la com o máximo possível de veracidade", conclui Murilo.
Ainda sem previsão de estreia comercial, o filme deve seguir por outros festivais antes de chegar aos cinemas brasileiros.
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Neste projeto, a diretora e roteirista convoca três figuras importantes da sua história para, através de uma investigação do passado delas, tecer um panorama histórico do país. O primeiro é Arnaud (Guga Patriota), adolescente que teve participação no cangaço; o segundo é o pai de família Fernando (Giordano Castro), que colaborava com o serviço de inteligência da ditadura militar, e o terceiro é o fotógrafo Sebastião (Murilo Sampaio), cuja experiência como homem negro e gay inclui uma irremediável tragédia.
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A separação em três blocos ligados pela presença da atriz Nash Laila, que interpreta o papel da própria cineasta, imprime ao filme um caráter de arqueologia lírica. Cada uma das investigações concentradas nos homens explora distintas camadas da violência perpetuada pelo tempo no Brasil - sobretudo, nos estados nordestinos. De uma brutalidade masculina mais arcaica até relações incômodas e subliminares de poder, o roteiro analisa como as complexidades desses homens moldaram o existir da diretora/personagem no mundo.
Inquieta com a sua ancestralidade e cada vez mais corajosa em mergulhar nas contradições dela, Letícia coloca o elenco central na mesa (às vezes literalmente) para um franco diálogo entre o que pode ser remediado pelas desconstruções do presente e as feridas que jamais vão sarar. Nash, Guga, Giordano e Murilo põem seus corpos e olhares à disposição dessas figuras defendendo-os como se fossem suas próprias narrativas. Destaca-se o confronto de reflexões entre Nash e Giordano - representando a diretora e seu pai - pelo modo como representa uma arquitetura incômoda de poder entre pai e filha, homem e mulher, passado e presente.
Ao se dividirem entre documentos reais e um estúdio quase limpo, com uma iluminação controlada e auxiliada por um imersivo trabalho sonoro, as imagens evocam uma teatralidade que reforça o caráter alegórico daqueles atores. O formato híbrido (ou de "docuficção") tem sido um dos mais recorrentes na Mostra de Tiradentes, mas A Vida Secreta de Meus Três Homens evita truques e experimentações fáceis para fugir do drama. Pelo contrário: ele olha no espelho de seu próprio processo por tempo suficiente para que a essência de seus temas venha à superfície.
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"Qualquer processo de criação cinematográfica que investiga os desdobramentos da memória vai passar pela dor em algum momento, sobretudo quando a gente se localiza no tempo/espaço: estamos falando como Nordeste, como Brasil. A grande questão é: o que a gente faz com isso? A gente estagna ou cria? Os processos acabam passando, portanto, por esses sentimentos, mas eu acho que há um horizonte muito compartilhado para cultivar, para transformar isso em algo que toque o outro", continua a diretora.
A atriz Nash Lalia compartilha um pouco da experiência de assistir à estreia mundial do longa. "Foi a primeira vez em que eu consegui de fato assistir a um filme que eu fiz sem ficar olhando para o meu próprio trabalho e, sim, aproveitando a obra em si. Estava muito ansiosa pela sessão e ela me emocionou profundamente. Me senti respirando junto com as pessoas, o que já é uma experiência coletiva que eu adoro. Chorei que nem criança. Foi muito bom virar espectadora de algo em que participei tão intensamente", explica.
"Era um filme muito afetivo, em que a gente lembra de cada momento de diversão enquanto contávamos essa história e que, ao mesmo tempo, lida com coisas muito delicadas. Quando Letícia me chamou para interpretar o pai dela eu topei na hora e, durante todo o processo, ela me contou várias histórias dele e me conectei rapidamente. Na minha geração, se você não teve um pai ruim, você é privilegiado, mas mesmo com as várias questões desse personagem, foi bastante importante para mim defender esse personagem, gostar dele enquanto eu o fazia, algo que aprendi com Hilton Lacerda. Se você não gostar de seu personagem, não tentar entendê-lo, a coisa não anda", explica Giordano.
"Sebastião é o único dos três homens que Letícia não conheceu, então é também aquele sobre o qual mais existe uma fabulação. Nossas conversas beiravam em como chegar naquilo da forma mais autêntica possível. É uma história de marginalidade, de dor e de sofrimento totalmente diferente da minha, mas tive que buscar recursos em mim para contá-la com o máximo possível de veracidade", conclui Murilo.
Ainda sem previsão de estreia comercial, o filme deve seguir por outros festivais antes de chegar aos cinemas brasileiros.