Andreia Verdélio – Agência Brasil
Por unanimidade, o filme Construindo Pontes foi o vencedor do 20º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), da Cidade de Goiás, com o Grande Prêmio Cora Coralina, no valor de R$ 100 mil.
Dirigido pela paranaense Heloísa Passos, com sensibilidade, o documentário de 73 minutos aborda o dualismo político a partir das posturas incisivas da própria diretora e de seu pai, Álvaro. “É uma imersão e uma entrega, onde estou atrás e na frente das câmeras com meu pai”, disse ela.
A discussão do filme surge a partir de uma coleção de filmes em Super-8 com imagens das Setes Quedas, no Paraná, paraíso natural destruído no início dos anos 1980, para a construção da Usina de Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo.
Lembrar a construção da usina, realizada no auge do regime militar, desperta recordações de um passado imerso em autoritarismo político e econômico. Paralelo a isso, há conflitos de opinião da diretora e do seu pai conservador, diante da conturbada situação política do Brasil de hoje.
O júri se comoveu com a coragem da diretora Heloísa Passos em expor uma relação pessoal, deixando evidente a urgência e necessidade de abrir diálogos, saber ouvir e não fugir de conflitos. “O filme propõe a reconciliação de uma família e talvez até de um país”, comentou o júri.
Para Heloísa, é uma película de descoberta cinematográfica e pessoal, a partir do momento em que ela se propõe a filmar na casa de seu pai, com duas câmeras e um gravador. “Eu descobri um pai generoso fazendo cinema com ele. Isso para mim é transformador porque é o tempo do cinema fazendo a gente olhar a vida dentro e fora da nossa casa”, disse. “A nossa demanda e a correria do dia a dia não nos permitem esse olhar, no cinema, você para pra isso”, observa.
Esse é o primeiro longa-metragem de Heloísa, mas ela já assumiu a direção em sete curtas-metragens, além de atuar como diretora de fotografia em mais de 25 longas.
Dualismo político
Para o cineasta João Batista de Andrade, membro do júri de premiação, o meio ambiente é muito presente no filme, já que uma das grandes discussões ambientais aborda as represas das usinas e de como essa política de geração de energia está inserida na questão ambiental. “E ali a política era a ditadura militar”, disse.
Andrade vê no documentário um retrato da situação política do Brasil de hoje “onde as pessoas não se entendem e onde a verdade de cada um é absoluta”. “É uma divisão que está na sociedade em geral, na opinião pública, mas está no lar, nas relações de irmão, de filho com pais, de gerações”, explicou.
Segundo o cineasta, o filme mostra que cada pessoa tem um histórico de relacionamento com o mundo e analisa as coisas de acordo com sua vivência. “Não há filme melhor para refletir o que acontece no Brasil de hoje e a necessidade de criar pontes e acabar com o absolutismo da visão de cada um”, afirmou. “O filme realmente merecia a premiação”.
Construindo Pontes também ganhou o Troféu do Júri Jovem do Fica, grupo composto por estudantes e representantes dos cursos das áreas de cinema e humanidades das universidades locais.
Para esse júri, a película é premiada por tratar da superação de conflitos pessoais, políticos e ambientais, que dependem da capacidade de combater a intolerância e construir diálogos em busca de uma sociedade mais justa e sustentável.
A diretora Heloísa Passos dedicou a premiação a todas as cineastas e produtoras goianas de cinema. Segundo ela, 74% da equipe do filme premiado no Fica são mulheres. “Nós, mulheres, já trabalhamos há muitos anos no setor do audiovisual, mas de um tempo para cá estamos tendo mais visibilidade. Também temos mais paridade nas comissões de fomento e curadoria, então mais projetos onde a mulher é protagonista e tem esse lugar de fala estão sendo selecionados”, disse.
O Fica foi realizado entre 5 e 10 de junho na Cidade de Goiás e recebeu 40 mil pessoas nos seis dias de programação. O festival é uma realização da Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do governo de Goiás.
Confira os outros filmes vencedores da Mostra Competitiva:
Troféu Carmo Bernardes, de melhor longa-metragem (R$ 50 mil)
O júri definiu como melhor longa-metragem o documentário Coros do Anoitecer, de Nika Saravanja e Alessandro d`Emilia, por se tratar de um olhar para a Amazônia totalmente inesperado. Num mundo dominado pelo visual, o som se revela um instrumento poderoso de preservação e resistência.O filme italiano trabalha a temática inusitada da devastação sonora da Amazônia e retrata a empreitada do compositor ecoacústico David Monacchi para registrar o som de ecossistemas da floresta.
Troféu Acary Passos, de melhor curta e média metragem (R$ 35 mil)
O júri premiou a animação Plantae, de Guilherme Gehr, pela estética deslumbrante aliada a um tema urgente, o desmatamento, construído por uma narrativa lúdica e envolvente.
Troféu João Bennio, de melhor filme goiano (R$ 50 mil)
O júri escolheu como melhor filme goiano o documentário Diriti de Bdè Burè, de Silvana Beline, por relacionar o presente com o passado para criar e pensar o futuro. O filme projeta luz sobre a vida de uma ceramista de bonecas do povo Karajá que luta pela preservação de sua língua e modo de fazer de seu povo.
Troféu José Petrillo, de segundo melhor filme goiano (R$ 35 mil)
Por lembrar da existência de uma humanidade que segue sonhando à margem, criando subjetividades, o documentário A viagem de Ícaro, de Kaco Olimpio e Larissa Fernandes, foi o escolhido pelo júri para essa premiação. O filme explora o território fantástico através de um catador de materiais recicláveis que sonha em voar.
Troféu Jesco Von Putkammer, de melhor filme escolhido pela imprensa
Penúmbria, de Eduardo Britto, escolhido pelos profissionais da imprensa que trabalharam no festival, também recebeu Menção Honrosa do júri. O grupo ficou provocado pela sofisticada narrativa que faz refletir sobre uma relação de amor e conflito entre o ser humano e a natureza. A obra conta a história da cidade fictícia que dá nome ao filme.
Troféu Luiz Gonzaga Soares, de melhor filme escolhido pelo júri popular (R$ 10 mil)
O curta-metragem de animação, Corp., de Pablo Polledri, recebeu as melhores avaliações do público que assistiu os filmes da Mostra Competitiva. Com uma narrativa que explora efeitos sonoros, o diretor mostra como uma corporação cresce às custas da exploração ambiental e humana.
O júri de premiação da Mostra Competitiva do Fica, neste ano, contou com Ailton Krenak, Fábio Moreira, João Batista de Andrade, Laís Bodanzky, Mário Branquinho, Susan Wrubel e Susanna Lira. A mostra, realizada no Cine Teatro São Joaquim e no Cine Cora Coralina, teve 22 filmes de oito países, sendo 10 produções nacionais e 11 produções estrangeiras. Ao todo, foram oferecidos R$ 280 mil em prêmios.
16ª Mostra ABD Cine Goiás
O Fica também recebeu a Mostra da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas de Goiás (ABD), que dá destaque a produções locais. Este ano, foram 20 obras de Goiânia, Anápolis e da Cidade de Goiás concorrendo a R$ 120 mil em prêmios, além de troféus e menções honrosas.
O destaques da mostra foi o filme A Piscina de Caíque, de Raphael Gustavo da Silva, que recebeu o Prêmio Beto Leão, de melhor filme de ficção. O filme foi premiado também com prêmios de melhor atriz, para Eliana Santos; melhor trilha sonora, para Thiago Camargo; e melhor roteiro e para Raphael Gustavo da Silva.
A obra mostra o reflexo das ações formativas que o Fica vem promovendo em suas 20 edições. O diretor conta que o roteiro foi trabalhado no laboratório de roteiro ABD, do Fica do ano passado.
O filme A Viagem de Ícaro, de Kako Olímpio e Larissa Fernandes, levou os prêmios de melhor ator, para Washington da Conceição, o Bazuka, e montagem/edição, para Luciano Evangelista.
Além do prêmio de melhor filme goiano na Mostra Competitiva, a produção Diriti de Bdè Burè também levou os prêmios da Mostra ABD de melhor som, para Sankirtana Dharma e Guile Martins, e direção de fotografia, para Matheus Leandro.
O documentário Kris Bronze, de Larry Machado, também foi premiado em duas categorias: Prêmio Eduardo Benfica, de melhor filme documentário, e melhor direção. Na trama, o celular é a ponte entre as duas realidades.
O prêmio de melhor direção de arte foi para Ursula Ramos, pelo média-metragem Hugo, dirigido pelo vilaboense Lázaro Ribeiro. Hugo mostra os últimos dias de Hugo de Carvalho Ramos, goiano, nascido no distrito de Santana da Cidade de Goiás.
O prêmio Fifi Cunha de melhor filme de animação foi para O Malabarista, dirigido por Iuri Moreno. A narrativa mostra o trânsito caótico da cidade e a rotina da malabarista que segue seu dia colorindo a cidade.
A Mostra ABD também entregou o Prêmio Martins Muniz de melhor filme experimental para o filme Sete Peles, de direção de Ana Simiema. A produção foi feita no estúdio da diretora, em sua casa, e foi lançado no último dia da mostra.
2° Mostra Saneago
Em seu segundo ano, a Mostra Saneago trouxe três obras temática sobre água. O júri foi composto pela produtora cultural e diretora do Instituto Icumam, Maria Abdalla e pelo professor e pesquisador Rafael Almeida. Foram selecionados documentários de três países: Brasil, Israel e Itália.
O vencedor do prêmio de R$ 30 mil foi o filme do diretor israelense Avi Belkin, Winding, a River Story, que explora o jogo entre sociedade, política e natureza para documentar a história do Rio Yarkon, em Israel. A obra incorpora uma pauta polêmica e extremamente atual: os conflitos entre Palestina e Israel.
Também foram exibidos o documentário Baía Urbana, de Ricardo Gomes, que mostra a Bahia de Guanabara, no Rio de Janeiro, em sua relação com os moradores da região, e a obra italiana Water Keepers, do diretor Giulio Squarci, que promove uma discussão política sobre a privatização e o senso de comunidade proporcionado pelo uso compartilhado de recursos naturais.
A equipe da Agência Brasil viajou a convite da organização do evento.