Estudo de dez anos mostrou que tumores cardíacos apareceram em ratos expostos à radiofrequência

No ônibus, na rua ou em casa, o smartphone se tornou nosso companheiro inseparável. Até o fim deste ano, a previsão é que 4,9 bilhões de pessoas estejam conectadas à internet móvel no mundo. Mas uma pesquisa do Programa Nacional de Toxicologia (NTC), ligado ao Departamento de Saúde dos Estados Unidos, reacendeu o debate sobre um tema que intriga os cientistas: os impactos do uso do celular na saúde.

Concluído em novembro, o estudo mostrou que a exposição prolongada de 3.000 ratos e camundongos à radiofrequência das ondas eletromagnéticas 2G e 3G foi responsável pelo surgimento de cânceres cardíacos em 5% a 7% dos machos.

A pesquisa foi um pedido da Food and Drugs Administration (FDA) – a agência federal americana que avalia e autoriza a utilização de medicamentos e verifica o efeito de novas substâncias – e demorou dez anos para ficar pronta.

Os tumores cardíacos identificados pelos cientistas são raros, de crescimento lento e podem causar desde dores locais até infarto. Eles acometem as células de Schwann, que atuam na regeneração de nervos do organismo. Há evidências, ainda, do surgimento de cânceres cerebrais e na glândula suprarrenal em 3% dos animais expostos à radiação. “Acreditamos que a conexão entre a radiação das radiofrequências e os tumores dos ratos machos seja real”, afirmou o coordenador do trabalho, John Bucher, cientista sênior do NTC.

Bucher disse que é preciso cautela, pois ainda não é possível determinar como a radiofrequência atuaria no organismo humano. “Os níveis e as durações de exposição dos animais eram muito superiores àqueles que uma pessoa normalmente enfrentaria. Além disso, os níveis usados no experimento eram equivalentes ao da exposição máxima regulamentada nos EUA para o uso do celular”, disse.

Quanto às novas frequências de rádio, como 4G, 5G (previsto para 2020) e o Wi-fi, Bucher disse que, até o momento, é impossível prever algum tipo de ameaça à saúde, já que os mesmos testes não ainda foram realizados e novas tecnologias estão sempre mudando e se aperfeiçoando.

Agora, a agência de toxicologia está construindo câmaras de exposição menores, que permitirão avaliar novas tecnologias em semanas ou meses, em vez de anos. O foco serão os sinais mensuráveis dos potenciais efeitos da radiação de ondas eletromagnéticas, como os danos ao DNA, que podem ser detectados mais rapidamente que o câncer.

Sinal alarmante

De qualquer forma, os resultados não deixam de ser preocupantes. Bucher afirmou que, se até mesmo uma pequena alta demonstrada na incidência de câncer acontecesse nos seres humanos, as consequências seriam altamente impactantes na população mundial, já que bilhões de pessoas usam celulares hoje.

A preocupação é maior com os adolescentes. Conectados com maior frequência aos seus aparelhos, eles estão expostos a um risco que deve levar anos para ser provado em humanos e, assim, embasar alguma regulamentação. Além disso, na puberdade o corpo está em pleno desenvolvimento e é mais suscetível a agressões externas.

De olho tanto nos malefícios do celular já comprovados quanto naqueles sob investigação, o músico Henrique Silva, 35, evita, a todo custo, estar com o celular por perto. A crença no surgimento de um tumor por causa da radiação é tamanha que ele incentiva o filho Arthur, 14, a fazer o mesmo. “Nem ele nem eu quase não fazemos ligações. O contato é por texto ou áudio com fone. Na hora de dormir, o celular fica a pelo menos dois metros de distância”, afirma Silva.

A empresária Deborah Ribeiro, 32, também demonstra preocupação com a filha de 11 anos, Maria Luiza. “Com estudos como esse, fico cada vez mais preocupada. Dentro das minhas possibilidades, tento diminuir a exposição da minha filha ao aparelho, deixando poucas horas por dia”, conta.

Reflexos na saúde não são consenso

Pesquisar uma conexão entre o uso do celular e o desenvolvimento de câncer interessa à ciência há anos, mas os resultados obtidos sempre variaram. Em 2016, o mesmo relatório divulgado pelo Programa Nacional de Toxicologia dos EUA apontava que esse risco não existia.

Outro estudo, realizado pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha, indicou que o uso do smartphone pode piorar os sintomas de um câncer cerebral já existente, mas não contribuir para seu surgimento.

Em 2016, pesquisadores da Universidade de Sydney, na Austrália, constataram que não havia aumento da incidência de tumores cerebrais em virtude do uso do celular. Eles analisaram a saúde de 34 mil pessoas, que não sofreram interferência da telefonia.