Um estudo brasileiro com uma nova molécula sintetizada pode fazer com que seja desenvolvido em alguns anos um novo medicamento contra a malária no país.
Embora o medicamento ainda não tenha sido produzido, os resultados dos estudos com essa molécula, até o momento, estão sendo positivos. “Tem um grande potencial para, quem sabe, no futuro, termos um novo medicamento para a malária”, disse o professor Rafael Victorio Carvalho Guido, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à Agência Brasil.
Os testes desenvolvidos mostram que a molécula é capaz de matar o parasita, e até mesmo a cepa, que vem sendo resistente aos medicamentos atuais usados no tratamento contra a malária.
O estudo é resultado de uma colaboração. Além de Rafael Guido, participam da pesquisa os professores Célia Garcia. da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USD), Glaucius Oliva, da USP de São Carlos, e Carlos Roque Duarte Correia, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre outros colaboradores.
A molécula
A pesquisa tem demonstrado que a molécula, derivada da classe das marinoquinolinas, tem apresentado seletividade e baixa toxicidade, atuando no parasita [o protozoário causador da malária] e não em outras células do hospedeiro. Ela foi desenvolvida no Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiado pela Fapesp. O estudo também recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Instituto Serrapilheira.
“Há alguns anos, o professor Roque já trabalha com uma classe de moléculas, produtos naturais marinhos, de bactérias marinhas, chamada de marinoquinolinas, e já havia sido publicado um trabalho, há algum tempo, sobre a atividade anti-infecciosa dessas moléculas”, explicou Guido.
No entanto, os produtos naturais apresentavam ação moderada ou fraca contra os patógenos. Mas, para esse estudo, a potência das moléculas foi aumentada. O objetivo inicial foi aumentar a potência das moléculas porque elas eram fracas.
"Precisamos de uma molécula que seja potente para matar o parasita e para poder ser um candidato. E conseguimos, finalmente, uma molécula que fosse bastante potente, de baixa concentração, ou seja, uma pequena quantidade dela que fosse capaz de matar o parasita”, disse Guido. “E, mais importante do que isso, a gente conseguiu fazer com que a molécula fosse seletiva, que matasse o parasita sem matar células ou serem tóxicas para células humanas”, acrescentou.
Durante o estudo, os pesquisadores começaram a observar que, além disso, essa molécula também tinha outra vantagem: ela agia em mais de uma forma do parasita. “Conseguimos ver que essa molécula não só matava essa forma [de parasita] que estava no sangue, como matava também a forma que estava no fígado”,disse o professor.
A molécula tem conseguido, ainda, matar cepas resistentes aos principais medicamentos. Atualmente, o medicamento mais usado no tratamento da malária é a artemisina, que, embora seja eficaz, já está com os anos contados. “Embora a gente tenha tratamento para essa doença, e ele é eficaz, já temos começado a observar o surgimento de cepas resistentes a esse medicamento”, explicou Guido.
Foi então que os pesquisadores descobriram outra vantagem da molécula. “Conseguimos ver que a malária, por ser um parasita que já está aqui há bastante tempo, consegue gerar resistência aos medicamentos atualmente em uso. Por isso, precisamos de novos tratamentos. Então, testamos contra cepas resistentes do parasita, aquelas que não são mais sensíveis ao medicamento. E conseguimos mostrar que essa molécula também conseguia matar esses parasitas resistentes.”
Desse modo, ressaltou Guido, há uma molécula potente para matar o parasita, que matava o resistente e era bastante seletiva.
Testes
Até agora, os estudos foram feitos em laboratório e testados também em camundongos afetados pela malária. Os estudos têm se concentrado na malária causada pelo protozoário Plasmodium falciparum. “O grupo não tratado [de camundongos doentes] morria por volta dos 15 ou 20 dias. E os camundongos que foram tratados sobreviveram durante os 30 dias de experiência, mostrando que a molécula era bastante tolerada pelo organismo e não chegou a ser tóxica. E o grupo tratado, além de ter sobrevivido durante esse período de estudo, tinha redução da carga de parasita no sangue”, destacou o professor, ao falar sobre o resultado dos testes em animais.
Ainda são necessárias várias etapas – e anos de estudo e de testes – para que o medicamento seja testado em humanos e produzido. Os estudos, até agora, foram desenvolvidos com a forma mais letal da malária e ainda é preciso avaliar com outras formas do protozoário, como o Plasmodium vivax, mais prevalente no Brasil. “Não publicamos esses resultados ainda, mas conseguimos ver que essa molécula consegue matar o vivax também.”
De acordo com Guido, outra etapa necessária é desenvolver a parte farmacocinética do projeto – a reação do organismo ao medicamento, ou seja, melhorar as características desta molécula para que ela possa ser administrada via oral. “Ela tem que entrar no nosso organismo, ser absorvida pelo intestino e ser distribuída - porque o parasita está em toda a corrente sanguínea, ser metabolizada, eliminada, excretada. Estamos melhorando essas características das moléculas.”
“Se conseguir isso, aí se teria um candidato pré-clínico e só então chegaríamos aos estudos clínicos”, acrescentou o professor. Ele lembrrou, porém, que todos esses processos e etapas ainda podem fazer com que sejam necessários entre 10 ou 15 anos até que o medicamento seja produzido.
A malária
A malária é uma doença infecciosa febril aguda, causada por protozoários transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles. Segundo o Ministério da Saúde, qualquer pessoa pode contrair malária, mas a cura é possível se a doença for tratada em tempo oportuno e de forma adequada. Contudo, a malária pode evoluir para forma grave e para óbito.
Os sintomas geralmente associados à malária são febre alta, calafrios, tremores, sudorese e dor de cabeça, que podem ocorrer de forma cíclica. Muitas pessoas sentem náuseas, vômitos, cansaço e falta de apetite.
A doença mata, atualmente, cerca de 445 mil pessoas a cada ano, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Dividindo esse número pelo de minutos no ano, percebemos a razão de [quase] uma morte [por malária] a cada minuto”, destacou Guido. A malária é a parasitose que mais mata no mundo. “Se não fizermos nada hoje, daqui a alguns anos vai matar muito mais”, acrescentou.
A maior parte das mortes ocorre na África, e a maioria é de crianças. De acordo com o professor, entre as pessoas que morrem, 75% são crianças. “Então, esse estudo tem um impacto social imenso”, afirmou.