A “Mangueira foi Mangueira” é uma expressão usada por especialistas em desfiles de escolas de samba para dizer que a Estação Primeira desfila mantendo a tradição à história e suas raízes. Ao final, foi saudada com gritos de é campeã, das arquibancadas populares da apoteose, a área de dispersão. Até a entrada da Mangueira não houve outra escola que tenha provocado a reação do público nos desfiles deste ano.
“Um enredo completamente emocionante. A Mangueira tem essa responsabilidade”, disse a cantora Alcione ao analisar o enredo “História para ninar gente grande”, criado pelo carnavalesco Leandro Vieira. No enredo, Alcione representou Dandara, a mulher de Zumbi dos Palmares. “Foi uma honra representar Dandara, uma líder das pessoas escravizadas”, afirmou.
A intenção do enredo foi mostrar a participação de líderes populares que influenciaram a história do Brasil e não têm suas realizações contadas nos livros. Neles, personagens negros, índios, com destaque também para mulheres como a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), Maria Felipe Oliveira, que liderou a resistência aos portugueses na Bahia e Luiza Mahin, líder do levante dos Malês, de pessoas escravizadas.
Emoções
A cantora Leci Brandão, que é mangueirense, disse ter sido tomada por um misto de sentimentos durante o desfile, pois foi homenageada e citada na letra do samba-enredo. “A gente entra para a ala dos compositores nos anos de 1970 e, em 2018, ter o nome no samba é pra gente chorar, uma emoção muito grande mesmo, principalmente porque vim representando Luiza Mahin”, afirmou a artista.
Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco, morta em março do ano passado, disse que foi um enredo urgente e atual. “Fala de representatividade, de resistência, e a Marielle sendo homenageada, ter ela hoje como símbolo de esperança é, sobretudo, uma emoção muito grande”, disse.
Para a jornalista Hildegard Angel, que passou na avenida no alto da alegoria a História que a História não conta, o desfile também foi uma emoção forte. O irmão dela Stuart Angel desapareceu em 1971, quando atuava na militância política. “Enorme, enorme. Além da expectativa”, reagiu a jornalista.
Ao fim do desfile, o carnavalesco Leandro Vieira afirmou estar com sentimento de dever cumprido. “Com certeza, não sei se bem, mas cumprido. Mexeu com o público e eu me diverti pra caramba”, disse.
União da Ilha
Com irreverência e alegorias coloridas, a União da Ilha entrou na avenida para fazer uma homenagem a dois autores brasileiros que nasceram no Ceará: Rachel de Queiroz e José de Alencar. O enredo A Peleja Poética entre Rachel e Alencar no Avarandado do Céu, do carnavalesco Severo Luzardo Filho, empolgou o público com um samba leve que ajudou os componentes da evolução da escola.
A atriz Cacau Protásio, que em outros anos veio em comissões de frente, neste carnaval estava no alto de um carro alegórico, mas com um motivo muito especial. Cacau representou Rachel de Queiroz.
“Uma emoção diferente porque vim representando Rachel de Queiroz. Não tem presente melhor do que isso. Uma mulher importante, que levou o Ceará para o mundo. Isso é maravilhoso”, disse a atriz. “Acho que a gente está precisando disso. O Brasil precisa disso. As escolas precisam de história e de saber que o carnaval ajuda. Tem gente que não sabe o que tem no Ceará e hoje a União da Ilha pôde mostrar isso. A galera nas arquibancadas veio com a gente.”
Cordel
O presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, Gonçalo Ferreira da Silva, de 82 anos, representou José de Alencar. O escritor ficou feliz por isso e por ter sido na União da Ilha. “É uma oportunidade de ouro, porque também sou cearense e ele também, para mim, é o maior romancista brasileiro. Portanto, razão dupla para eu estar feliz”, disse o presidente, no cargo há 30 anos.
Gonçalo ficou impressionado com a reação do público à passagem da escola. “Já fiz muitas outras coisas, mas esta foi singular e a primeira vez que desfilo em uma escola de samba”, completou.
O autor Mailson Furtado, ganhador em novembro de 2018 do prêmio Jabuti de melhor livro do ano, também gostou da experiência de desfilar em uma escola de samba. “É uma alegria imensa estar aqui e falar de literatura e poesia, neste que é o maior espetáculo da Terra. É uma difusão para que mais pessoas leiam e produzam. É um grande momento para que a nossa literatura seja mais vista.”
Paraíso do Tuiuti
Ao desfilar na Avenida Marquês de Sapucaí com enredo também relacionado ao Ceará, a Paraíso do Tuiuti contou a história do bode Ioiô, que foi eleito vereador em Fortaleza, e mostrou o enredo O Salvador da Pátria. Como no ano passado, o carnavalesco Jack Vasconcelos fez um enredo crítico, agora à política.
O desfile levantou o público. Tia Sandra, coordenadora da ala de baianas, revelou que foi um ano difícil para as componentes por causa das dificuldades financeiras. “Este ano foi pedreira, muito difícil. Um ano complicado para todo mundo e, claro, para as baianas. Todo mundo sem dinheiro. Mas a gente foi levando, tentando fazer o nosso melhor, é nosso carnaval, estão aí as Mães do Alagadiço”, disse Tia Sandra referindo-se ao nome das fantasias das baianas no enredo.
A compositora Luzia Faria Silva, de 93 anos, que desfilou em uma cadeira de rodas, disse que faz tudo pela Tuiuti. “Sou nascida, criada, tenho netos, bisnetos e tataraneta, tudo no Tuiuti, 93 anos de Tuiuti. Comecei a ser compositora no tempo do Bolinha, menina não entra”, disse.
Luiza acrescentou que “para defender a sua música era uma coisa. Tenho um hino que ainda vou ver divulgado e declamou: ‘No arco-íris da vida, a minha cor preferida é o verde, porque representa a esperança’. Eu sei que quem espera sempre alcança. Se algum sonho meu se realizar, sei que foi a esperança que me ajudou a triunfar”.
A escola teve problemas com o último carro. Para entrar na avenida, parte das laterais foi retirada e alguns destaques foram obrigados a desfilar no chão.
Mocidade Independente de Padre Miguel
Os desfiles do Grupo Especial de 2019 foram encerrados com a apresentação da verde e branco de Padre Miguel, na zona oeste. O carnavalesco Alexandre Louzada escolheu o enredo Eu sou o Tempo, Tempo é Vida, com vários tipos de apresentações. Ele passa rápido, devagar, não volta, não perdoa. A busca pelo tempo eterno, a vida.
As características que marcam a escola e o próprio carnavalesco foram mantidas. A Mocidade levou para a avenida alegorias gigantes e cheias de efeitos. Como seria a última do segundo dia de desfiles e já com o céu claro, a opção foi carros muito coloridos e com detalhes que pudessem refletir o sol.
O resultado agradou ao público que permaneceu no Sambódromo e aplaudiu muito a presença da cantora Elza Soares logo no início do desfile. Segundo a porta-bandeira Cristine Caldas, se pudesse voltar no tempo reviveria o carnaval de 2009 quando defendeu pela primeira vez o estandarte da Mocidade.
“Gostaria de voltar a esse tempo. Ainda era muito jovem e agora estou mais amadurecida, aqui de volta, tive esse retorno”, ressaltou Cristine. Na dispersão, ela passou mal, mas ao beber água, melhorou. “Foi cansaço. Peso da roupa , mas está tudo bem. Tudo que a gente ensaiou foi feito”, destacou.
Alegria
A alegria contagiante da dona Alônia Borges, de 71 anos, cantando forte o samba-enredo e dançando, mesmo depois de toda a extensão da Marquês de Sapucaí, tinha uma razão de ser. “Amor pela escola, gratidão ao público, à diretoria que fez essa fantasia maravilhosa para que pudéssemos rodar. Gratidão a Deus por estar viva e na Mocidade, a minha escola amada, de coração. É emocionante”, disse.
Dona Alônia entrou para a escola aos 17 anos como passista, participou de ala de comunidade até se tornar baiana. Quando se encaminhava para o fim da passagem na Marquês de Sapucaí, parte do público invadiu a pista e acompanhou a Mocidade até a dispersão. Foi uma consagração popular.
As escolas e seus torcedores precisam aguardar até amanhã (6) para saber quem venceu o carnaval de 2019.