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Enquanto Jair Bolsonaro deixou claro, em 2 minutos pela tv, que sua proposta de futuro para os brasileiros é estimular a uberização das relações de trabalho, assunto que vamos discutir nos parágrafos finais desse texto - a boa notícia do 1 de maio de 2019 é que as lideranças do movimento operário conseguiram estabelecer um pacto de unidade poucas vezes visto em nossa história.
Num esforço de ação conjunta que não chegou a ser efetivado nem mesmo nos períodos mais difíceis da ditadura militar (1964-1985), o ponto central do dia foi avançar nos preparativos para uma greve geral que pretende parar o país em 14 de junho, numa tentativa de barrar a aprovação da Previdência com base na mobilização popular.
Pelo que pude apurar em conversas com uma dezena de lideranças presentes no palanque do Vale do Anhangabaú, na manhã de quarta-feira, a proposta de greve geral é uma opção de luta assumida pelas direções que estão à frente de entidades sindicais grandes, média e pequenas do pais, a começar por Wagner Freitas e Sérgio Nobre, da CUT, Miguel Torres e José Carlos Gonçalves ( "Juruna"), da Força Sindical, as duas maiores. A unanimidade passa ainda por dirigentes ligados a sindicatos de setores específicos e também Guilherme Boulos, líder do MTST, presente na manifestação.
"Não tenho dúvidas de que as condições para a greve geral estão dadas", diz Boulos. "A greve já conta com o apoio necessário de entidades sindicais e populares e tem tudo para ser bem sucedida".
Referindo-se à greve de 2017, na qual estima-se que 40 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, levando o governo Temer a desistir de uma proposta de reforma da Previdência infinitamente menos selvagem que o projeto de Paulo Guedes, o ex-ministro Gilberto Carvalho, presente ao palanque, acredita que "o mínimo que se espera é um patamar igual à greve de dois anos atrás".
Para Juruna, "pela unidade que estamos consolidando, o caminho é fazer mais do que tudo que foi feito antes". Para Wagner, "todos temos clareza de que o caminho que temos é o da luta. Todos sabemos que é preciso reformar a Previdência para cobrar contribuição de quem sonega e eliminar privilégios que a população rejeita. Só não se pode obrigar o pobre a pagar a conta".
Única voz dissonante sobre a greve geral no palanque do Anhangabaú, Ricardo Patah, da UGT, diz que não é contra a paralisação. Argumenta que os comerciários, categoria que forma a base principal de sua entidade, tem uma maior dificuldade de organização e mobilização do que as demais.
Para Julio Turra, da direção da CUT, o panorama geral é outro, de qualquer modo. Ele recorda que em março os sindicatos lançaram um abaixo assinado contra a reforma, que já recebe um apoio importante. "Os trabalhadores estão fazendo fila para assinar e isso mostra que o debate está chegando a base, que compreende a ameaça que irá enfrentar". Num sinal visível da mobilização, trabalhadores do metrô de São Paulo usam coletes que denunciam a reforma da Previdência.
Outro sinal claro dessa compreensão veio do movimento de professores. Num universo no qual os ataques específicos à condição feminina atingem uma proporção maior do que em outras profissões, a categoria saiu na frente na mobilização e nos protestos.
Mais recentemente, o setor dos universitários, de maior prestígio e ressonância nas altas esferas, passou a enfrentar a ameaça de corte de 30% verbas das universidades federais. É assim que, para 15 de maio -- dentro de duas semanas, portanto -- os professores farão uma paralisação nacional que é vista como ensaio geral para a greve nacional.
Este ambiente de reconstrução da luta dos trabalhadores após ataques aos direitos trabalhistas e a própria sobrevivência dos sindicatos, ajuda a entender o pronunciamento de Bolsonaro na noite de 1 de maio.
Há quase 80 anos Getúlio Vargas inaugurou o costume de utilizar a data para dar uma notícia de interesse dos assalariados, o valor do salário mínimo. Criticado pelos adversários como um gesto fundador do populismo brasileiro, o momento sempre foi reconhecido pela população pobre como uma rara demonstração de respeito pelos assalariados de um dos países mais desiguais do planeta.
O 1 de maio de 2019 ficará marcado por uma cena oposta. O vídeo de um presidente de pronuncia trôpega que aproveitou a data para encerrar possíveis ambiguidades e anunciar medidas coerentes a favor de seu único compromisso social conhecido -- usar a força do Estado para defender o empresariado, atitude que implica, em matéria trabalhista, ignorar garantias e direitos assegurados pela CLT e mesmo pela Constituição.
Anunciando a assinatura da Medida Provisória da Liberdade Econômica, Bolsonaro fugiu de temas como a tragédia do desemprego e também evitou qualquer menção ao salário mínimo, cuidado compreensível num governo que há duas semanas anunciou o abandono da política de valorização que em 15 anos elevou o menor salário brasileiro em 70% em termos reais. Não exibiu a sinceridade bombástica de fevereiro de 2018, quando disse que "é difícil ser patrão no Brasil" mas a essência do pronunciamento é a mesma.
Num discurso que na prática oficializa a uberização das relações de trabalho como nova realidade do país, ele se dirigiu a um universo imaginário no qual desaparecem as contradições e conflitos entre patrões e empregados que estão na base do capitalismo. Em sua visão, o único papel do Estado é lavar as mãos, na suposição de que cada um poderá vencer de acordo com a própria competência. Disse que " a plena liberdade da atividade econômica " é "a única maneira de proporcionar por mérito próprio e sem interferência do Estado o engrandecimento de cada cidadão".
Dirigindo-se aos trabalhadores como indivíduos, despidos de sua real condição social, oficializou a conversão presidencial à mais recente e pérfida forma de exploração do trabalho, a uberização -- esse universo dissimulado no qual antigos assalariados têm remuneração de empregados mal pagos, sem registro em carteira e sem poder de reivindicação, mas devem responder por sua atividade como se fossem micro empresários autônomos e bem estabelecidos. Não se trata de luta ideológica, apenas, mas de guerra econômica para elevar os ganhos de uns e prejudicar os outros.
Na noite deste mesmo 1 de maio de 2019, encontrei uma dezena deles, na fila de encomendas de uma lanchonete de São Paulo. Chegavam falando no celular, iam embora carregando pacotes.
"Consigo pagar a creche da minha filha pequena", me disse um deles. "As vezes compro produto de limpeza", acrescentou, cidadão de um país no qual o presidente utiliza o Dia do Trabalhador para produzir mensagens dirigida a empresários -- e talvez nem tenha percebido a falta de respeito.
Este é o processo em curso no país em 2019 -- o que só torna mais urgente a luta contra a destruição da Previdência, base do Estado de Bem-Estar, obra de um Estado que já passou por vários governos, mas desde 1930 nunca deixou de reconhecer as diferenças entre trabalhadores e patrões, elemento essencial na dinâmica das sociedades de nossa época.
Alguma dúvida?
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Num esforço de ação conjunta que não chegou a ser efetivado nem mesmo nos períodos mais difíceis da ditadura militar (1964-1985), o ponto central do dia foi avançar nos preparativos para uma greve geral que pretende parar o país em 14 de junho, numa tentativa de barrar a aprovação da Previdência com base na mobilização popular.
Pelo que pude apurar em conversas com uma dezena de lideranças presentes no palanque do Vale do Anhangabaú, na manhã de quarta-feira, a proposta de greve geral é uma opção de luta assumida pelas direções que estão à frente de entidades sindicais grandes, média e pequenas do pais, a começar por Wagner Freitas e Sérgio Nobre, da CUT, Miguel Torres e José Carlos Gonçalves ( "Juruna"), da Força Sindical, as duas maiores. A unanimidade passa ainda por dirigentes ligados a sindicatos de setores específicos e também Guilherme Boulos, líder do MTST, presente na manifestação.
"Não tenho dúvidas de que as condições para a greve geral estão dadas", diz Boulos. "A greve já conta com o apoio necessário de entidades sindicais e populares e tem tudo para ser bem sucedida".
Referindo-se à greve de 2017, na qual estima-se que 40 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, levando o governo Temer a desistir de uma proposta de reforma da Previdência infinitamente menos selvagem que o projeto de Paulo Guedes, o ex-ministro Gilberto Carvalho, presente ao palanque, acredita que "o mínimo que se espera é um patamar igual à greve de dois anos atrás".
Para Juruna, "pela unidade que estamos consolidando, o caminho é fazer mais do que tudo que foi feito antes". Para Wagner, "todos temos clareza de que o caminho que temos é o da luta. Todos sabemos que é preciso reformar a Previdência para cobrar contribuição de quem sonega e eliminar privilégios que a população rejeita. Só não se pode obrigar o pobre a pagar a conta".
Única voz dissonante sobre a greve geral no palanque do Anhangabaú, Ricardo Patah, da UGT, diz que não é contra a paralisação. Argumenta que os comerciários, categoria que forma a base principal de sua entidade, tem uma maior dificuldade de organização e mobilização do que as demais.
Para Julio Turra, da direção da CUT, o panorama geral é outro, de qualquer modo. Ele recorda que em março os sindicatos lançaram um abaixo assinado contra a reforma, que já recebe um apoio importante. "Os trabalhadores estão fazendo fila para assinar e isso mostra que o debate está chegando a base, que compreende a ameaça que irá enfrentar". Num sinal visível da mobilização, trabalhadores do metrô de São Paulo usam coletes que denunciam a reforma da Previdência.
Outro sinal claro dessa compreensão veio do movimento de professores. Num universo no qual os ataques específicos à condição feminina atingem uma proporção maior do que em outras profissões, a categoria saiu na frente na mobilização e nos protestos.
Mais recentemente, o setor dos universitários, de maior prestígio e ressonância nas altas esferas, passou a enfrentar a ameaça de corte de 30% verbas das universidades federais. É assim que, para 15 de maio -- dentro de duas semanas, portanto -- os professores farão uma paralisação nacional que é vista como ensaio geral para a greve nacional.
Este ambiente de reconstrução da luta dos trabalhadores após ataques aos direitos trabalhistas e a própria sobrevivência dos sindicatos, ajuda a entender o pronunciamento de Bolsonaro na noite de 1 de maio.
Há quase 80 anos Getúlio Vargas inaugurou o costume de utilizar a data para dar uma notícia de interesse dos assalariados, o valor do salário mínimo. Criticado pelos adversários como um gesto fundador do populismo brasileiro, o momento sempre foi reconhecido pela população pobre como uma rara demonstração de respeito pelos assalariados de um dos países mais desiguais do planeta.
O 1 de maio de 2019 ficará marcado por uma cena oposta. O vídeo de um presidente de pronuncia trôpega que aproveitou a data para encerrar possíveis ambiguidades e anunciar medidas coerentes a favor de seu único compromisso social conhecido -- usar a força do Estado para defender o empresariado, atitude que implica, em matéria trabalhista, ignorar garantias e direitos assegurados pela CLT e mesmo pela Constituição.
Anunciando a assinatura da Medida Provisória da Liberdade Econômica, Bolsonaro fugiu de temas como a tragédia do desemprego e também evitou qualquer menção ao salário mínimo, cuidado compreensível num governo que há duas semanas anunciou o abandono da política de valorização que em 15 anos elevou o menor salário brasileiro em 70% em termos reais. Não exibiu a sinceridade bombástica de fevereiro de 2018, quando disse que "é difícil ser patrão no Brasil" mas a essência do pronunciamento é a mesma.
Num discurso que na prática oficializa a uberização das relações de trabalho como nova realidade do país, ele se dirigiu a um universo imaginário no qual desaparecem as contradições e conflitos entre patrões e empregados que estão na base do capitalismo. Em sua visão, o único papel do Estado é lavar as mãos, na suposição de que cada um poderá vencer de acordo com a própria competência. Disse que " a plena liberdade da atividade econômica " é "a única maneira de proporcionar por mérito próprio e sem interferência do Estado o engrandecimento de cada cidadão".
Dirigindo-se aos trabalhadores como indivíduos, despidos de sua real condição social, oficializou a conversão presidencial à mais recente e pérfida forma de exploração do trabalho, a uberização -- esse universo dissimulado no qual antigos assalariados têm remuneração de empregados mal pagos, sem registro em carteira e sem poder de reivindicação, mas devem responder por sua atividade como se fossem micro empresários autônomos e bem estabelecidos. Não se trata de luta ideológica, apenas, mas de guerra econômica para elevar os ganhos de uns e prejudicar os outros.
Na noite deste mesmo 1 de maio de 2019, encontrei uma dezena deles, na fila de encomendas de uma lanchonete de São Paulo. Chegavam falando no celular, iam embora carregando pacotes.
"Consigo pagar a creche da minha filha pequena", me disse um deles. "As vezes compro produto de limpeza", acrescentou, cidadão de um país no qual o presidente utiliza o Dia do Trabalhador para produzir mensagens dirigida a empresários -- e talvez nem tenha percebido a falta de respeito.
Este é o processo em curso no país em 2019 -- o que só torna mais urgente a luta contra a destruição da Previdência, base do Estado de Bem-Estar, obra de um Estado que já passou por vários governos, mas desde 1930 nunca deixou de reconhecer as diferenças entre trabalhadores e patrões, elemento essencial na dinâmica das sociedades de nossa época.
Alguma dúvida?