(FOLHAPRESS) - Quatro meses depois das enchentes de maio no Rio Grande Sul, os bairros mais afetados pelas águas de duas cidades vivem situações opostas. O centro de Sinimbu, localizada no vale do rio Pardo, a 177 km de Porto Alegre, vem se recuperando e a vida de seus moradores e o comércio já estão praticamente normais.

Em contrapartida, o bairro Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul, no vale do rio Taquari, a 124 km da capital do estado, está do mesmo jeito que a enxurrada o deixou, com todas as casas destruídas e abandonadas.

Em Sinimbu, um exemplo de volta ao normal é o Schulz Supermercado, reinaugurado nesta sexta-feira (30), depois de quatro meses de portas fechadas.

"Tivemos uma perda de 98% das mercadorias e equipamentos, com um prejuízo de cerca de R$ 4 milhões", conta o dono do local, Samuel Schulz. "Não era possível voltar a funcionar e reabrir a loja a partir do nada. Precisávamos de financiamento, o que demorou para conseguirmos. Agora, estamos retomando as atividades, embora ainda falte recuperar algumas máquinas e equipamentos."

Também recuperado dos prejuízos está Eunísio Vitalis, gerente comercial de uma rede de lojas de móveis e eletrodomésticos. A enchente de maio causou danos nas casas de seus pais e sua avó, que fica ao lado, e no estabelecimento onde ele trabalha. As casas foram restauradas e remobiliadas e a loja voltou a funcionar 45 dias depois da enchente.

"Estamos trabalhando com 70% a 80% do que é necessário para o estabelecimento funcionar plenamente", diz. "O comércio da cidade, em geral, está andando. Hoje, por exemplo, além do Schulz Supermercado, vão ser inauguradas mais duas lojas de roupas e um salão de beleza."

Perto da loja de Vitalis, o mestre de obras Diego Evandro Mueller trabalhava para recuperar a construção, na qual antes da enchente funcionava outro salão de beleza, que deixou o local. "Os danos foram grandes, pois a enchente ultrapassou o nível do teto, chegando até o telhado. Agora, estamos reerguendo a construção para ser realugada. Não sei que tipo de estabelecimento vai funcionar aqui."

Apesar do retorno do comércio, a recuperação dos serviços públicos, no entanto, está sendo muito lenta. O professor aposentado de história Hardvig Meinhardt dá como exemplo a reconstrução do posto do SUS (Sistema Único de Saúde) na cidade. "As paredes foram reerguidas, mas as salas ainda estão incompletas", diz. "Outro exemplo é a ponte Centenário, construída em 1952 sobre o rio Pardinho, que corta a cidade ao meio. Esse é um dos maiores problemas nossos, a cidade dividida."

A enchente derrubou uma das cabeceiras da ponte e até hoje não foi consertada. Só há passagem para motos, bicicletas e pessoas a pé. Quem mora do outro lado e trabalha no centro propriamente dito tem que deixar o carro perto da ponte e cruzá-la a pé. A passagem interrompida também dificulta o atendimento médico em caso de emergência. "A ambulância precisa dar uma volta de 10 km para chegar do outro lado", explica Meinhardt.

Embora seja uma situação difícil não é tão grave quanto o que ocorreu no bairro Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul. Das mais de 350 casas que existiam ali, só sobraram os alicerces e escombros. E as que ficaram de pé estão danificadas e vazias. Virou uma área fantasma, onde não se vê praticamente ninguém. Apenas alguns carros passando pela rua que margeia o rio Taquari.

Os moradores abandonaram o bairro e se mudaram para outros locais.

É o caso do fisioterapeuta Glaucio Coutinho, 53, e sua mulher, a veterinária, Luciani Maria da Silva, 43, e seus três filhos. Quatro familiares morreram na tragédia. "Estamos nos mudando para Sorriso ou Lucas do Verde, em Mato Grosso", conta Coutinho.

De acordo com ele, as ruas de Passo de Estrela foram recuperadas, mas sem asfalto, e as redes hidráulica e elétrica foram reestabelecidas. "Mas ninguém pode recuperar ou reformar as suas casas e morar nelas nem construir novas", explica. "Ninguém sabe o que vai acontecer com o bairro, é uma incógnita para os moradores."

A Prefeitura de Cruzeiro do Sul informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a área será desapropriada, mas não disse quando nem quanto os moradores irão receber.