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Cruzamento de informações com dados da Receita Federal brasileira apontam que acionistas de 20 das 500 empresas que mais empregam no Brasil têm contas em paraísos fiscais
Os acionistas de 20 das 500 empresas que mais empregam no Brasil têm offshores em paraísos fiscais. Ao todo, 25 acionistas ou donos no quadro social de companhias como Prevent Senior, MRV Engenharia, Grendene e Riachuelo, entre outras, abriram essas empresas com objetivos que foram desde a compra de imóveis e iates, até a economia de impostos e a proteção de suas fortunas contra crises políticas e econômicas do Brasil. Uma colaboração jornalística organizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), do qual o Metrópoles faz parte, investigou nos últimos meses milhares dessas offshores, abertas principalmente nas Ilhas Virgens Britânicas e cujos documentos foram entregues ao ICIJ por uma fonte anônima há cerca de um ano.
O resultado dessa investigação deu origem à série de reportagens Pandora Papers, que começa a ser publicada a partir deste domingo (3/10) por veículos como EL PAÍS, Washington Post, Le Monde, The Guardian e BBC, entre outros. No Brasil, além do Metrópoles, também participaram da investigação o site Agência Pública, a revista piauí e o site Poder 360.
Offshores são empresas em paraísos fiscais. São instrumentos populares entre as pessoas mais ricas do mundo. Elas são criadas por motivos que vão desde economizar no pagamento de impostos — um drible fiscal eufemisticamente chamado de eficiência tributária — até a proteção de ativos contra o risco político ou confiscos, como o que ocorreu no Brasil em 1990. Por estarem localizadas em países com pouca transparência e fiscalização, as offshores também são usadas por quem quer ocultar patrimônio ou por corruptos ou integrantes de organizações criminosas que desejam esconder dinheiro sujo. No Brasil, é permitido ter offshores, desde que declaradas à Receita Federal e, quando seus ativos ultrapassam 1 milhão de dólares, ao Banco Central.
O ICIJ entende que revelar a existência de offshores de ricos e poderosos, mesmo quando não há nenhum crime envolvendo a sua criação, é de interesse público porque esse é um mecanismo de economizar impostos e proteger patrimônio exclusivo da elite econômica mundial. Em outras palavras, a maioria da população não tem dinheiro nem meios para abrir uma offshore.
Os brasileiros estão em destaque dentro desse clube exclusivo. Com 1.897 nomes, o país é o quinto com a maior quantidade de pessoas citadas na base do Pandora Papers, que conta com pelo menos 27.100 offshores. Dentre elas, estão os donos das maiores empresas do Brasil, como os irmãos Andrea, Eduardo e Fernando Parrillo, donos do plano de saúde Prevent Senior; o dono do grupo Guararapes (Riachuelo) e quase candidato à Presidência da República em 2018, Flávio Rocha; os donos da Grendene, Pedro e Alexandre Grendene; o patriarca da família Menin, Rubens Menin, e seus filhos, donos da MRV, o Banco Inter e a CNN Brasil, entre outras empresas, e o dono da Rede D’Or, Paulo Junqueira Moll. Todos eles afirmaram ter declarado a propriedade das offshores às autoridades brasileiras.
Para chegar aos nomes, o Metrópoles solicitou ao Ministério da Economia a lista das 500 empresas brasileiras com a maior quantidade de funcionários. Depois, uma pesquisa desses CNPJs nas informações societárias públicas da Receita Federal gerou uma lista de quem são os donos, diretores e conselheiros dessas empresas. Por fim, um último cruzamento identificou quais desses nomes tinham offshores com documentos no acervo do Pandora Papers.
As empresas dos brasileiros citados no Pandora Papers foram abertas por razões diversas, desde a compra de um barco e imóveis até a diversificação de portfólios de investimentos em contas em países como a Suíça e os Estado Unidos. Também houve quem abrisse a offshore para usar o cartão de débito de uma conta no exterior. Todos os 25 executivos e empresários foram contatados, seja por meio da assessoria de imprensa, seja por outros canais, para que informassem se declararam à Receita Federal e ao Banco Central a abertura da offshore e explicassem a razão de terem criado as empresas.
Veja a seguir os detalhes sobre os casos envolvendo os dez primeiros nomes desta lista e na sequência a relação completa, dos 25 executivos.
Irmãos Parrillo (Prevent Senior)
A Prevent Senior, plano de saúde que tem rede própria de hospitais, entrou no foco da CPI da Pandemia devido a supostos estudos realizados pela empresa para, sem a autorização dos pacientes, avaliar a efetividade da cloroquina e de outros medicamentos contra a doença. Os irmãos que controlam a Prevent Senior —Andrea, Eduardo e Fernando Fagundes Parrillo— figuram no banco de dados do Pandora Papers como detentores de quatro offshores, a Shiny Developments Limited, a Luna Management Limited, a Hummingbyrd Ventures Limited e a Grande Developments Limited. Juntas, totalizam quase 9 milhões de dólares em ativos.
Em todos os casos, o dono da empresa é uma offshore localizada em São Cristovão e Nevis, país que é um movimentado paraíso fiscal no Caribe, e que não informa quem são os donos de suas offshores. Os irmãos aparecem sempre como beneficiários, ou seja, as pessoas que efetivamente controlam a companhia. A manobra é comum, e muitas vezes seu objetivo é deixar mais opaca a propriedade de offshores. Beneficiários de offshores costumam alegar que não são donos, já que não detêm nominalmente as ações da empresa.
A Shiny e a Luna são ligadas a Andrea. Em um formulário de atualização dos dados da companhia de 2018, a empresária informou que a Shiny foi criada para manter um portfólio de investimentos e uma conta corrente, ambos no banco Raymond James da cidade de Coral Gables, na Flórida. A offshore detém 3,7 milhões de dólares em ações, títulos de dívida pública e participações em fundos mútuos, que são fundos de investimento que detêm uma série de ativos cujo rendimento é dividido entre seus cotistas. Os valores viriam, segundo o formulário preenchido dela, de rendimentos da Prevent Senior. De acordo com a descrição detalhada do objetivo da Shiny, ela receberia recursos “dos clientes no Brasil e transferiria os recursos para a conta pessoal de investimentos no Raymond James (Shiny Development)”.
Já a Luna Management detinha 50.000 dólares e serviria para movimentar dinheiro no Brasil e para uso de cartão de débito. A conta também é do Raymond James em Coral Gables.
A Hummingbyrd é ligada a Fernando e mantém, segundo os documentos do acervo do Pandora Papers, 3 milhões de dólares em investimentos diversos, também em contas no Raymond James. O formulário de atualização da companhia, de janeiro de 2018, diz que ela serviria exclusivamente para investimentos.
A Grande Developments é de Eduardo e, segundo o formulário de atualização da companhia, de janeiro de 2018, também tem foco em investimentos, mantendo 2 milhões de dólares em aplicações diversas no mesmo Raymond James. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Prevent Senior respondeu que “todas as movimentações são declaradas” às autoridades brasileiras.
Família Menin (MRV, Banco Inter, CNN Brasil)
Apesar do perfil discreto, a família Menin e principalmente seu patriarca, o bilionário Rubens Menin, têm aparecido mais nos últimos anos devido a operações empresariais com ampla repercussão, como a criação da CNN Brasil e os investimentos no time de futebol de coração de Menin, o Atlético Mineiro. As duas principais empresas da família são a construtora MRV e o Banco Inter.
A família Menin tem quatro offshores citadas nos documentos do Pandora Papers, que detêm pelo menos 82,2 milhões de dólares em ativos. A primeira se chama Costelis International Limited e tem jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas, um dos principais paraísos fiscais do mundo. A empresa existe pelo menos desde 2016, quando suas informações foram atualizadas.
Para abrir a offshore, eles contaram com os serviços da Trident Trust. A empresa é uma das maiores companhias especializada em abrir offshores em paraísos fiscais no mundo e conta com clientes em todo o planeta. Para isso, ela tem mais de 900 funcionários gerenciando fundos contendo mais de 35 bilhões de dólares. Ela também é a companhia com a maior quantidade de arquivos no Pandora Papers.
De acordo com o formulário enviado na ocasião à Trident Trust, a Costelis International detinha em 2016 75 milhões de dólares em ativos. Esse valor corresponde ao barco de luxo Dokinha V e outros bens não especificados. O Dokinha, ancorado na Flórida, entre as cidades de Aventura e Fort Lauderdale, tem 33 metros de comprimento —o tamanho de um prédio de dez andares. A embarcação, que está entre as 5.000 maiores do mundo, tem quartos capazes de acomodar até 10 passageiros.
Iate de Rubens Menin, dono da construtora MRV.METRÓPOLES
Em 2016, quando as informações da companhia foram atualizadas, a Costelis estava exclusivamente no nome de Rubens Menin. Em 2018, elas foram distribuídas igualmente entre seus três filhos, João Vitor, Maria Fernanda e Rafael. Depois disso, não houve mais registros de mudanças na participação societária da Costelis.
No fim de 2019, foi aberto um CNPJ para a Costelis International no Brasil. O nome da empresa no Brasil ganhou um L adicional e se tornou Costellis International. Em 26 de dezembro de 2019, oito dias após a criação do CNPJ brasileiro, a MRV emitiu um fato relevante sobre a compra pela MRV da incorporadora americana AHS, que antes pertencia à família Menin. A operação mudou a estrutura de controle da companhia dos EUA, mas não os donos, que, em última análise, seguem sendo os Menin. Este fato relevante cita a Costelli, que foi usada na operação.
De acordo com o fato relevante, o “capital social [da Costellis] é integralmente detido por Rubens Menin”. Os documentos presentes no banco de dados do Pandora Papers, entretanto, mostram que esse não é o caso. O documento datado de 21 de junho de 2018 deixa clara a emissão de 11.907 ações da Costellis para cada um dos três filhos (com exceção de Rafael, que fica com 11.906). Sendo assim, não era correta a informação divulgada no fato relevante que Rubens Menin é o único acionista da companhia.
Questionada sobre essa diferença entre o que foi informado ao mercado e o que mostram os documentos da Costellis, a MRV respondeu somente que a operação da offshore “está totalmente de acordo com as normas estabelecidas pela Receita Federal e demais órgãos reguladores”.
Os documentos mostram ainda outra incongruência. A Conedi Participações, family office dos Menin —ou seja, a empresa criada para gerir os investimentos da família—, afirma em seu site que faz “toda a gestão financeira onshore e offshore da família, bem como a administração de seus principais ativos com foco na eficiência fiscal e tributária”. O site, entretanto, não cita a Costellis. Ela também não lista outras offshores de Rubens Menin, também citadas no Pandora Papers: a Remo Invest Limited e a Sherkhoya Enterprises Limited. A Remo Invest, também com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, detinha em 2017 10,225 milhões de dólares em ativos não especificados. Em 2014, uma outra offshore da propriedade de Rubens Menin, a Stormrider Investments, se fundiu à Remo Invest. Não há informações sobre os ativos detidos pela Sherkhoya.
Irmãos Grendene (Grendene e Vulcabras Azaleia)
Os irmãos gêmeos Pedro e Alexandre Grendene Bartelle, donos das gigantes de calçados Grendene e Vulcabras Azaleia, são figuras frequentes nas investigações coordenadas pelo ICIJ. Offshores dos irmãos foram mencionadas no Bahamas Leaks, de 2016, e no Paradise Papers, de 2017. Desta vez, os dois aparecem no quadro societário de três offshores citadas em documentos do acervo do Pandora Papers. A primeira, AGB, traz as iniciais de Alexandre e tem jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas. Foi criada em 2005, um ano depois da abertura de capital da Grendene. Alexandre figura como proprietário e presidente e Pedro como vice-presidente da AGB. Não há documentos informando a razão de sua criação. O certificado apontando o dono da companhia também informa que a companhia recebeu 20 milhões de dólares de Alexandre quando foi criada.
Pedro é o proprietário de duas outras offshores, as duas em Delaware, um Estado americano conhecido pelas leis que favorecem a criação de empresas pouco transparentes. A PGB San Marino USA foi criada em 2016 e a PBCW San Peter USA em 2017. Esse foi o ano em que a Vulcabras, presidida por Bertelle, fez o re-IPO, quando a empresa já de capital aberto vende um novo lote de ações na bolsa de valores para levantar capital. A PGB recebeu 800.000 dólares quando foi criada. Já a PBCW recebeu 3 milhões de dólares. De acordo com o registro de empresas do Estado, ambas continuam ativas.
Procurados por meio da assessoria de imprensa da Grendene, para que informassem a razão de criação das empresas, Alexandre e Pedro limitaram-se a dizer que têm investimentos no Brasil e no exterior e todos são declarados perante as autoridades brasileiras.
Flávio Gurgel Rocha (Riachuelo)
Flávio Rocha é o dono do grupo Guararapes, que controla a varejista Riachuelo, entre outros negócios de menor porte. Rocha chegou a ser pré-candidato à Presidência da República em 2018 pelo PRB, atual Republicanos. Depois de desistir da campanha, apoiou o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O empresário aparece como diretor reserva da offshore Cruzcity Holdings desde a sua criação, em 19 de setembro de 2016. A diretora titular é a sua mulher, Anna Claudia Klein Rocha.
De acordo com o formulário de criação da companhia, a Cruzcity detinha na sua origem 1 milhão de dólares destinado para investimentos. Os recursos estavam em uma conta e em um portfolio de investimento mantidos pelo banco J. Safra Sarasin de Genebra, na Suíça. Os recursos viriam da renda pessoal de Anna, que se apresenta como proprietária do escritório de design de joias Ana Rocha e Apolinario e proprietária de uma herança, sem que esteja identificado de quem.
A assessoria de imprensa de Rocha informou que “os investimentos de Flávio Rocha e sua esposa seguem as normas das autoridades competentes e estão devidamente declarados ao Banco Central à Receita Federal”. “A offshore é parte de uma carteira diversificada de ativos e investimentos do empresário”, disse a nota.
Família Moll. (Rede D’Or)
Dois integrantes da família controladora da Rede D’Or, maior grupo de hospitais privados do país, são citados em documentos do Pandora Papers como proprietários de duas offshores. Ambas foram criadas em maio de 2016, meses antes do impeachment da presidente Dilma Rousseff, um dos momentos de maior turbulência no histórico recente da política brasileira.
A primeira delas é a PEEPM Group, de propriedade de Paulo Junqueira Moll, atual diretor-presidente da Rede D’Or e um dos sete maiores acionistas pessoa física da empresa. A segunda é a Vega IC, de Pedro Junqueira Moll, acionista e integrante do conselho de administração da companhia. As duas têm jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas.
Não há informações sobre os valores detidos pela PEEPM e pela Vega IC. O banco de dados do Pandora Papers conta apenas com os registros de diretores e acionistas das offshores, que trazem os nomes de ambos.
Procurados por meio da assessoria de imprensa da Rede D’or, eles responderam que “todas as atividades dos empresários estão em plena conformidade com a legislação pertinente e que seus investimentos e participações societárias foram declarados à Receita Federal e ao Banco Central”.
Lamacchia e Leila (Crefisa)
A Crefisa, uma das maiores empresas nacionais de empréstimos para pessoas físicas, foi fundada por José Roberto Lamacchia na década de 1960 e hoje é presidida por sua mulher, Leila Pereira. Ambos são conhecidos também pela sua participação na gestão do Palmeiras. Leila é cotada para ser a próxima presidente do clube. O casal aparece como proprietário da offshore Koba Investors Limited, criada em 2008 nas Ilhas Virgens Britânicas.
A empresa estava ativa até pelo menos 2019, quando o casal enviou documentos para atualizar o registro junto à Trident, provedora que criou a companhia. Nos documentos, eles não citam a Crefisa, mas sim um outro negócio do casal, a Sociedade Educacional das Américas S.A quando Lamacchia, em um formulário para os agentes registrados em companhias das Ilhas Virgens Britânicas, responde sobre a sua ocupação. Além dele, há também uma tabela especificando a participação acionária de cada um na Koba. Lamacchia possui 95% delas, e o restante pertence a Leila.
Procurados por meio da assessoria da Crefisa, eles não responderam aos questionamentos do Metrópoles até o fechamento desta reportagem. O espaço está aberto a manifestações.
Na investigação do Brasil participaram: Anna Beatriz Anjos, Alice Maciel, Yolanda Pires, Raphaela Ribeiro, Ethel Rudnitzki e Natalia Viana (Agência Pública); Guilherme Amado e Lucas Marchesini (Metrópoles), José Roberto Toledo, Ana Clara Costa, Fernanda da Escóssia, Allan de Abreu (Piauí); Fernando Rodrigues, Mario Cesar Carvalho, Guilherme Waltenberg, Tiago Mali, Nicolas Iory, Marcelo Damato e Brunno Kono (Poder360) e Marina Rossi, Regiane Oliveira (EL PAÍS)
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O resultado dessa investigação deu origem à série de reportagens Pandora Papers, que começa a ser publicada a partir deste domingo (3/10) por veículos como EL PAÍS, Washington Post, Le Monde, The Guardian e BBC, entre outros. No Brasil, além do Metrópoles, também participaram da investigação o site Agência Pública, a revista piauí e o site Poder 360.
Offshores são empresas em paraísos fiscais. São instrumentos populares entre as pessoas mais ricas do mundo. Elas são criadas por motivos que vão desde economizar no pagamento de impostos — um drible fiscal eufemisticamente chamado de eficiência tributária — até a proteção de ativos contra o risco político ou confiscos, como o que ocorreu no Brasil em 1990. Por estarem localizadas em países com pouca transparência e fiscalização, as offshores também são usadas por quem quer ocultar patrimônio ou por corruptos ou integrantes de organizações criminosas que desejam esconder dinheiro sujo. No Brasil, é permitido ter offshores, desde que declaradas à Receita Federal e, quando seus ativos ultrapassam 1 milhão de dólares, ao Banco Central.
O ICIJ entende que revelar a existência de offshores de ricos e poderosos, mesmo quando não há nenhum crime envolvendo a sua criação, é de interesse público porque esse é um mecanismo de economizar impostos e proteger patrimônio exclusivo da elite econômica mundial. Em outras palavras, a maioria da população não tem dinheiro nem meios para abrir uma offshore.
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As empresas dos brasileiros citados no Pandora Papers foram abertas por razões diversas, desde a compra de um barco e imóveis até a diversificação de portfólios de investimentos em contas em países como a Suíça e os Estado Unidos. Também houve quem abrisse a offshore para usar o cartão de débito de uma conta no exterior. Todos os 25 executivos e empresários foram contatados, seja por meio da assessoria de imprensa, seja por outros canais, para que informassem se declararam à Receita Federal e ao Banco Central a abertura da offshore e explicassem a razão de terem criado as empresas.
Veja a seguir os detalhes sobre os casos envolvendo os dez primeiros nomes desta lista e na sequência a relação completa, dos 25 executivos.
Irmãos Parrillo (Prevent Senior)
A Prevent Senior, plano de saúde que tem rede própria de hospitais, entrou no foco da CPI da Pandemia devido a supostos estudos realizados pela empresa para, sem a autorização dos pacientes, avaliar a efetividade da cloroquina e de outros medicamentos contra a doença. Os irmãos que controlam a Prevent Senior —Andrea, Eduardo e Fernando Fagundes Parrillo— figuram no banco de dados do Pandora Papers como detentores de quatro offshores, a Shiny Developments Limited, a Luna Management Limited, a Hummingbyrd Ventures Limited e a Grande Developments Limited. Juntas, totalizam quase 9 milhões de dólares em ativos.
Em todos os casos, o dono da empresa é uma offshore localizada em São Cristovão e Nevis, país que é um movimentado paraíso fiscal no Caribe, e que não informa quem são os donos de suas offshores. Os irmãos aparecem sempre como beneficiários, ou seja, as pessoas que efetivamente controlam a companhia. A manobra é comum, e muitas vezes seu objetivo é deixar mais opaca a propriedade de offshores. Beneficiários de offshores costumam alegar que não são donos, já que não detêm nominalmente as ações da empresa.
A Shiny e a Luna são ligadas a Andrea. Em um formulário de atualização dos dados da companhia de 2018, a empresária informou que a Shiny foi criada para manter um portfólio de investimentos e uma conta corrente, ambos no banco Raymond James da cidade de Coral Gables, na Flórida. A offshore detém 3,7 milhões de dólares em ações, títulos de dívida pública e participações em fundos mútuos, que são fundos de investimento que detêm uma série de ativos cujo rendimento é dividido entre seus cotistas. Os valores viriam, segundo o formulário preenchido dela, de rendimentos da Prevent Senior. De acordo com a descrição detalhada do objetivo da Shiny, ela receberia recursos “dos clientes no Brasil e transferiria os recursos para a conta pessoal de investimentos no Raymond James (Shiny Development)”.
Já a Luna Management detinha 50.000 dólares e serviria para movimentar dinheiro no Brasil e para uso de cartão de débito. A conta também é do Raymond James em Coral Gables.
A Hummingbyrd é ligada a Fernando e mantém, segundo os documentos do acervo do Pandora Papers, 3 milhões de dólares em investimentos diversos, também em contas no Raymond James. O formulário de atualização da companhia, de janeiro de 2018, diz que ela serviria exclusivamente para investimentos.
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Família Menin (MRV, Banco Inter, CNN Brasil)
Apesar do perfil discreto, a família Menin e principalmente seu patriarca, o bilionário Rubens Menin, têm aparecido mais nos últimos anos devido a operações empresariais com ampla repercussão, como a criação da CNN Brasil e os investimentos no time de futebol de coração de Menin, o Atlético Mineiro. As duas principais empresas da família são a construtora MRV e o Banco Inter.
A família Menin tem quatro offshores citadas nos documentos do Pandora Papers, que detêm pelo menos 82,2 milhões de dólares em ativos. A primeira se chama Costelis International Limited e tem jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas, um dos principais paraísos fiscais do mundo. A empresa existe pelo menos desde 2016, quando suas informações foram atualizadas.
Para abrir a offshore, eles contaram com os serviços da Trident Trust. A empresa é uma das maiores companhias especializada em abrir offshores em paraísos fiscais no mundo e conta com clientes em todo o planeta. Para isso, ela tem mais de 900 funcionários gerenciando fundos contendo mais de 35 bilhões de dólares. Ela também é a companhia com a maior quantidade de arquivos no Pandora Papers.
De acordo com o formulário enviado na ocasião à Trident Trust, a Costelis International detinha em 2016 75 milhões de dólares em ativos. Esse valor corresponde ao barco de luxo Dokinha V e outros bens não especificados. O Dokinha, ancorado na Flórida, entre as cidades de Aventura e Fort Lauderdale, tem 33 metros de comprimento —o tamanho de um prédio de dez andares. A embarcação, que está entre as 5.000 maiores do mundo, tem quartos capazes de acomodar até 10 passageiros.
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Em 2016, quando as informações da companhia foram atualizadas, a Costelis estava exclusivamente no nome de Rubens Menin. Em 2018, elas foram distribuídas igualmente entre seus três filhos, João Vitor, Maria Fernanda e Rafael. Depois disso, não houve mais registros de mudanças na participação societária da Costelis.
No fim de 2019, foi aberto um CNPJ para a Costelis International no Brasil. O nome da empresa no Brasil ganhou um L adicional e se tornou Costellis International. Em 26 de dezembro de 2019, oito dias após a criação do CNPJ brasileiro, a MRV emitiu um fato relevante sobre a compra pela MRV da incorporadora americana AHS, que antes pertencia à família Menin. A operação mudou a estrutura de controle da companhia dos EUA, mas não os donos, que, em última análise, seguem sendo os Menin. Este fato relevante cita a Costelli, que foi usada na operação.
De acordo com o fato relevante, o “capital social [da Costellis] é integralmente detido por Rubens Menin”. Os documentos presentes no banco de dados do Pandora Papers, entretanto, mostram que esse não é o caso. O documento datado de 21 de junho de 2018 deixa clara a emissão de 11.907 ações da Costellis para cada um dos três filhos (com exceção de Rafael, que fica com 11.906). Sendo assim, não era correta a informação divulgada no fato relevante que Rubens Menin é o único acionista da companhia.
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Os documentos mostram ainda outra incongruência. A Conedi Participações, family office dos Menin —ou seja, a empresa criada para gerir os investimentos da família—, afirma em seu site que faz “toda a gestão financeira onshore e offshore da família, bem como a administração de seus principais ativos com foco na eficiência fiscal e tributária”. O site, entretanto, não cita a Costellis. Ela também não lista outras offshores de Rubens Menin, também citadas no Pandora Papers: a Remo Invest Limited e a Sherkhoya Enterprises Limited. A Remo Invest, também com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, detinha em 2017 10,225 milhões de dólares em ativos não especificados. Em 2014, uma outra offshore da propriedade de Rubens Menin, a Stormrider Investments, se fundiu à Remo Invest. Não há informações sobre os ativos detidos pela Sherkhoya.
Irmãos Grendene (Grendene e Vulcabras Azaleia)
Os irmãos gêmeos Pedro e Alexandre Grendene Bartelle, donos das gigantes de calçados Grendene e Vulcabras Azaleia, são figuras frequentes nas investigações coordenadas pelo ICIJ. Offshores dos irmãos foram mencionadas no Bahamas Leaks, de 2016, e no Paradise Papers, de 2017. Desta vez, os dois aparecem no quadro societário de três offshores citadas em documentos do acervo do Pandora Papers. A primeira, AGB, traz as iniciais de Alexandre e tem jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas. Foi criada em 2005, um ano depois da abertura de capital da Grendene. Alexandre figura como proprietário e presidente e Pedro como vice-presidente da AGB. Não há documentos informando a razão de sua criação. O certificado apontando o dono da companhia também informa que a companhia recebeu 20 milhões de dólares de Alexandre quando foi criada.
Pedro é o proprietário de duas outras offshores, as duas em Delaware, um Estado americano conhecido pelas leis que favorecem a criação de empresas pouco transparentes. A PGB San Marino USA foi criada em 2016 e a PBCW San Peter USA em 2017. Esse foi o ano em que a Vulcabras, presidida por Bertelle, fez o re-IPO, quando a empresa já de capital aberto vende um novo lote de ações na bolsa de valores para levantar capital. A PGB recebeu 800.000 dólares quando foi criada. Já a PBCW recebeu 3 milhões de dólares. De acordo com o registro de empresas do Estado, ambas continuam ativas.
Procurados por meio da assessoria de imprensa da Grendene, para que informassem a razão de criação das empresas, Alexandre e Pedro limitaram-se a dizer que têm investimentos no Brasil e no exterior e todos são declarados perante as autoridades brasileiras.
Flávio Gurgel Rocha (Riachuelo)
Flávio Rocha é o dono do grupo Guararapes, que controla a varejista Riachuelo, entre outros negócios de menor porte. Rocha chegou a ser pré-candidato à Presidência da República em 2018 pelo PRB, atual Republicanos. Depois de desistir da campanha, apoiou o atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O empresário aparece como diretor reserva da offshore Cruzcity Holdings desde a sua criação, em 19 de setembro de 2016. A diretora titular é a sua mulher, Anna Claudia Klein Rocha.
De acordo com o formulário de criação da companhia, a Cruzcity detinha na sua origem 1 milhão de dólares destinado para investimentos. Os recursos estavam em uma conta e em um portfolio de investimento mantidos pelo banco J. Safra Sarasin de Genebra, na Suíça. Os recursos viriam da renda pessoal de Anna, que se apresenta como proprietária do escritório de design de joias Ana Rocha e Apolinario e proprietária de uma herança, sem que esteja identificado de quem.
A assessoria de imprensa de Rocha informou que “os investimentos de Flávio Rocha e sua esposa seguem as normas das autoridades competentes e estão devidamente declarados ao Banco Central à Receita Federal”. “A offshore é parte de uma carteira diversificada de ativos e investimentos do empresário”, disse a nota.
Família Moll. (Rede D’Or)
Dois integrantes da família controladora da Rede D’Or, maior grupo de hospitais privados do país, são citados em documentos do Pandora Papers como proprietários de duas offshores. Ambas foram criadas em maio de 2016, meses antes do impeachment da presidente Dilma Rousseff, um dos momentos de maior turbulência no histórico recente da política brasileira.
A primeira delas é a PEEPM Group, de propriedade de Paulo Junqueira Moll, atual diretor-presidente da Rede D’Or e um dos sete maiores acionistas pessoa física da empresa. A segunda é a Vega IC, de Pedro Junqueira Moll, acionista e integrante do conselho de administração da companhia. As duas têm jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas.
Não há informações sobre os valores detidos pela PEEPM e pela Vega IC. O banco de dados do Pandora Papers conta apenas com os registros de diretores e acionistas das offshores, que trazem os nomes de ambos.
Procurados por meio da assessoria de imprensa da Rede D’or, eles responderam que “todas as atividades dos empresários estão em plena conformidade com a legislação pertinente e que seus investimentos e participações societárias foram declarados à Receita Federal e ao Banco Central”.
Lamacchia e Leila (Crefisa)
A Crefisa, uma das maiores empresas nacionais de empréstimos para pessoas físicas, foi fundada por José Roberto Lamacchia na década de 1960 e hoje é presidida por sua mulher, Leila Pereira. Ambos são conhecidos também pela sua participação na gestão do Palmeiras. Leila é cotada para ser a próxima presidente do clube. O casal aparece como proprietário da offshore Koba Investors Limited, criada em 2008 nas Ilhas Virgens Britânicas.
A empresa estava ativa até pelo menos 2019, quando o casal enviou documentos para atualizar o registro junto à Trident, provedora que criou a companhia. Nos documentos, eles não citam a Crefisa, mas sim um outro negócio do casal, a Sociedade Educacional das Américas S.A quando Lamacchia, em um formulário para os agentes registrados em companhias das Ilhas Virgens Britânicas, responde sobre a sua ocupação. Além dele, há também uma tabela especificando a participação acionária de cada um na Koba. Lamacchia possui 95% delas, e o restante pertence a Leila.
Procurados por meio da assessoria da Crefisa, eles não responderam aos questionamentos do Metrópoles até o fechamento desta reportagem. O espaço está aberto a manifestações.
Na investigação do Brasil participaram: Anna Beatriz Anjos, Alice Maciel, Yolanda Pires, Raphaela Ribeiro, Ethel Rudnitzki e Natalia Viana (Agência Pública); Guilherme Amado e Lucas Marchesini (Metrópoles), José Roberto Toledo, Ana Clara Costa, Fernanda da Escóssia, Allan de Abreu (Piauí); Fernando Rodrigues, Mario Cesar Carvalho, Guilherme Waltenberg, Tiago Mali, Nicolas Iory, Marcelo Damato e Brunno Kono (Poder360) e Marina Rossi, Regiane Oliveira (EL PAÍS)