Milhares de brasileiros que votaram no capitão reformado do Exército cruzam o país para ver a consagração do seu candidato e de uma visão de mundo calcada em preceitos conservadores
O sol e o calor intenso da tarde do último dia de ano tornava a Esplanada dos Ministérios —um amplo gramado totalmente desprovido de sombras que conecta o centro de Brasília à Praça dos Três Poderes— um lugar hostil para uma caminhada. Mesmo assim algumas dezenas de pessoas percorriam no início da tarde de segunda-feira o trajeto até a Catedral Metropolitana, onde um bloqueio do Exército impede que os cidadãos desçam ao Congresso Nacional. Embora provenientes de cidades diferentes, as camisetas, faixas e gestos dos que passavam por ali revelavam que eles tinham algo em comum: cruzaram o Brasil para assistir à cerimônia de posse do presidente eleito Jair Messias Bolsonaro, nesta terça-feira na capital federal.
“Há muita esperança que ele [Bolsonaro] venha realmente a fazer um grande Governo. Desfazer todas as mazelas causadas por 13 anos do PT e pelo tempo que o Michel Temer ficou. Varrer essa corrupção e trazer de volta a esperança do povo brasileiro”, diz Isidoro Pinheiro de Barros Neto, um arquiteto de Belém do Pará que viajou de ônibus com familiares durante 36 horas para acompanhar a posse da Esplanada. Com Barros Netos vieram outros paraenses que enfrentaram mais de 2.000 quilômetros de estrada para seguir de perto a inauguração do novo Governo. Podem não se conhecer, mas partilham uma visão de mundo fortemente contrária à esquerda. Além do mais, são fãs declarados do perfil do novo mandatário: um político claramente conservador, com um jeito simples e direto (por vezes ofensivo) de falar; e que faz promessas de ser linha dura na questão da segurança pública e de acabar com o velho toma lá dá cá na política.
"Todos os princípios que ele coloca são os nossos. E ele está cumprindo com eles: não está fazendo conchavo, [tem] valores familiares", dizem, quase que em uníssono, Márcia Penalber, Bruna Guimarães e Shirley Prata, que também vieram a Brasília da capital paraense. Renan Felipe, de apenas 17 anos, complementa: "Eu não iria votar no Bolsonaro, ele não era o melhor candidato para mim. Mas eu percebi que a polarização seria PT ou Bolsonaro. Antes do PT eu prefiro o Bolsonaro." As amigas mal o deixam terminar e assentem: "Antes da esquerda melhor o Bolsonaro. É isso."
As celebrações que marcam o início do Governo Bolsonaro carregam um nível de ansiedade e expectativa que a capital federal não via desde 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a faixa presidencial de Fernando Henrique Cardoso. Foi naquele ano a última vez que uma posse presidencial brasileira representou também uma guinada ideológica, ainda que não da mesma magnitude, com a chegada ao poder de uma força política nova no Planalto. Dessa forma, seja por acreditarem que fazem parte de um movimento de regeneração da política do país, seja pela derrota imposta à esquerda e ao PT, os apoiadores de Bolsonaro que vieram ao Distrito Federal exibem orgulhosos a indumentária que caracterizou toda a campanha presidencial: roupas militares, bandeiras do Brasil e camisetas com o rosto de Bolsonaro ou com a frase "meu partido é o Brasil."
Não há estimativas da Polícia Militar do DF sobre quantas pessoas devem participar das celebrações da posse. As autoridades dizem apenas haver preparado a Esplanada para receber até 500.000 pessoas. O esquema de segurança montado para o evento deste 1º de janeiro não encontra paralelos na história recente das festas de início de Governo no Brasil, com diversos pontos de controle instalados em toda a Esplanada e uma série de restrições impostas aos que queiram acompanhar.
"O Brasil é um país conservador"
Vladimir Codinhoto, policial reformado de 51 anos que mora em São Paulo, se engajou na campanha de Bolsonaro e combinou a vinda a Brasília com um grupo de amigos que também atuou em prol do novo presidente do País. Considera que o candidato do PSL foi o único a levantar a bandeira anticorrupção com legitimidade —"gosto muito do Alckmin, acho um cara muito bom, mas ele estava cercado de gente ruim", explica. "Ele [Bolsonaro] defende o combate à corrupção, que é um câncer da nossa sociedade e do nosso país. Se combater com firmeza esse país vira de primeiro mundo fácil", acrescenta.
Nem as acusações que caíram sobre um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, que levantam suspeitas de um possível esquema de devolução de salários praticado pelo filho do presidente eleito enquanto deputado na Assembleia estadual do Rio de Janeiro, abalaram a confiança de Codinhoto no capitão reformado do Exército. "A gente sabe que tem muita especulação. A gota d'água nele [em Bolsonaro] hoje é transformada numa cachoeira."
No mesmo grupo veio a empresária Gilvânia Medeiros, que se define também como ativista política. Ela acredita que a eleição de Bolsonaro significa um reflexo do que é a sociedade brasileira. "Somos conservadores e temos valores cristãos", sentencia. "O povo cansou de tanta corrupção e resolveu e vir às ruas. E enxergaram no Bolsonaro essa figura que de fato possa falar por elas, por esse país conservador."