O médium João de Deus, que faz curas espirituais na cidade goiana, é acusado de abusar sexualmente de mulheres que procuraram sua ajuda


João de Deus realiza cirurgia em 1987(foto: Sergio Seiffert/CB/D.A Press)

As denúncias de abuso sexual contra João de Deus transformaram a rotina da pequena Abadiânia, cidade goiana a 115km de Brasília onde o médium mais famoso do Brasil faz seus atendidmentos e curas espirituais. Os moradores do município e seguidores de João demonstram um misto de preocupação e raiva, com a maioria deles dizendo não acreditar nas acusações, que vieram à tona neste sábado (8/12). Por meio de sua assessoria, o médium rechaçou as denúncias.
"Tenho certeza de que estão tentando fazer alguma armação contra ele", disse uma admiradora, que pediu para não ter o nome revelado. Ela estava na Casa Dom Inácio de Loyola, centro erguido por João na cidade e local dos atendimentos espirituais que realiza. O movimento no local era bastante pequeno, embora no fim de semana costume ser mesmo um pouco menor (as sessões de cura acontecem de quarta a sexta-feira). "Fiquei chocada, porque aqui é um lugar com uma energia muito boa. Eu não acredito que algo ruim aconteça aqui", disse outra mulher, que também não quis se identificar.
Uma das poucas que aceitou falar abertamente ao Correio é a manicure Dulce Santana, 46 anos, moradora da cidade desde 1988. Ela também se mostra cética diante das denúncias. "Já trabalhei com ele e nunca fui desrespeitada ou maltratada. Pelo contrário, ele sempre foi uma boa pessoa, que dá emprego a todo mundo e já fez muitas curas", contou.

Policiais armados

A Casa Dom Inácio recebe visitantes de todo o mundo, que procuram paz espiritual. Dulce diz que há épocas do ano em que o lugar recebe mais de 3 mil pessoas num só dia. Neste sábado, um incomum clima de tensão dominava o lugar. Viaturas da Polícia Militar de Goiás começaram a chegar a partir das 14h, com policiais de arma em punho. Eles disseram que a cidade estava tranquila, mas estavam na casa para prevenir algum tipo de ocorrência após a repercussão do caso.
Nem João de Deus nem qualquer funcionário administrativo estava no local. Uma das poucas salas abertas era a biblioteca, onde os atendentes se recusaram a comentar qualquer assunto sobre o médium. A orientação partiu de um homem de camisa social e gravata que chegou às 15h e percorreu o lugar com pressa, mas não quis falar o que estava fazendo ali: "Não posso conversar, estou trabalhando", finalizou logo.
Comerciante, Leandro Dias, 39 anos, diz que "até Chico Xavier foi muito perseguido", ao comentar as acusações. O morador de Abadiânia só tem bons relatos de João de Deus. "Minha tia mesmo foi atendida por ele porque não conseguia mais andar. Ela chegou lá na Casa de táxi e voltou caminhando."
Leandro diz que Deus vai falar pelo médium e que as coisas serão esclarecidas. Enquanto isso, a cidade continua com um sentimento ruim, como se toda ela tivesse sido atingida. "Ele é um líder daqui e já fez muito por todos nós", diz.
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Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus faz os atendimentos espirituais(foto: Ed Alves/CB/D.A Press 20/4/2017)
Preocupação com o futuro

As pessoas que conversaram com o Correio demonstram apreensão também com o futuro do médium e da cidade, cuja economia hoje toda se baseia nas atividades da Casa Dom Inácio de Loyola. Pensões e comércios atendem milhares de devotos que chegam sem parar ao município.
João de Deus abriu o espaço em Abadiânia em 1976, após ser , durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, denunciado diversas vezes por falso exercício da medicina. Por isso, sempre gostou de mostrar à imprensa recomendações de delegados, juízes e políticos atestando a idoneidade, a eficácia, a compaixão e a generosidade de suas cirurgias espirituais, oferecidas sem qualquer pagamento.
O médium morou em Brasília nos tempos pioneiros da cidade, primeiro na Cidade Livre e, em seguida, no Cruzeiro. Conheceu o então presidente Juscelino Kubistchek, que era médico, mas sempre se interessou por tratamentos espirituais e prestigiou João. Apresentou o médium a pessoas influentes, que permitiram que João trabalhasse com mais tranquilidade.
Em razão das pressões de padres da igreja católica, João de Deus cogitou mudar a sede para outra cidade, em 1983. No entanto, ele foi convencido a permanecer graças a um bilhete do médium Chico Xavier, que reafirmou Abadiânia como lugar ideal para o centro: “Prezado João, caro amigo, Abadiânia é o abençoado recinto de sua iluminada missão e de sua paz”.