“Marielle, presente!” Há cinco anos, o grito é ouvido em manifestações pelo país. Nele, está expressa a indignação pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O grito é, ao mesmo tempo, uma homenagem à memória de quem dedicou boa parte da vida na luta contra as desigualdades. Os tiros que tiraram a vida de Marielle interromperam, de maneira precoce, uma trajetória política ascendente, mas não silenciaram as pautas que representava. A morte reverberou o nome dela pelo mundo. De agente direta, virou símbolo e inspiração para os que defendem os direitos humanos e a justiça social.

O dia 14 de março virou “Dia Marielle Franco – Dia de Luta contra o genocídio da Mulher Negra” no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro. E pode virar também uma data nacional, se o Congresso Nacional aprovar o projeto de lei enviado pelo presidente Lula na semana passada. Um auditório da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi batizado com o nome dela, assim como a tribuna da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. 

Marielle Franco virou nome de prêmios: um que contemplava os melhores ensaios feministas de uma editora de livros e outro, aprovado na Câmara dos Vereadores de São Paulo, para celebrar defensores dos direitos humanos na cidade. Escolas de samba prestaram homenagens a ela no Carnaval de 2019. No Rio, a Estação Primeira de Mangueira citou a vereadora no samba-enredo sobre heróis da resistência. Em São Paulo, o rosto dela foi o destaque de uma ala da Vai-Vai, que apresentou enredo sobre lutas do povo negro.

Nesses cinco anos, o rosto da vereadora passou a estampar murais e grafites em diferentes partes do Brasil, geralmente acompanhados de pedidos de justiça. Das homenagens mais emblemáticas, em 2018, manifestantes colaram uma placa com o nome dela em cima da sinalização da praça Marechal Floriano, no Centro do Rio. Dois deputados de extrema-direita (Rodrigo Amorim e Daniel Silveira) quebraram a placa em um ato de campanha eleitoral. Mas uma grande mobilização, que incluiu financiamento coletivo, garantiu a produção de outras milhares, iguais à original. 

Em 2021, a Prefeitura do Rio de Janeiro inaugurou oficialmente uma placa na mesma praça. Em 2022, uma estátua de bronze da vereadora foi colocada no Buraco do Lume, também no Centro, no lugar onde ela costumava se reunir com eleitores e ativistas.

O reconhecimento internacional veio de diferentes maneiras. Uma oficina de arte digital foi realizada em Nairóbi, Quênia, com o nome de Marielle. Ela virou nome do terraço da Biblioteca Municipal delle Oblate, em Florença, Itália; de um jardim suspenso em Paris, na França; de uma parada de ônibus em Grenoble, no sudeste da França; de uma rua em Lisboa, Portugal; de uma bolsa de estudos na universidade Johns Hopkins, em Washington, DC, Estados Unidos. Teve o nome inserido em uma placa da estação de metrô Rio de Janeiro, em Buenos Aires, Argentina. O rosto foi pintado em um mural em Berlim, Alemanha, e em um grafite na fachada do Museu Stedelijk, em Amsterdã, Holanda.

“Quando veio a primeira homenagem internacional, eu me lembro perfeitamente da surpresa que eu tive. Mas eu comecei a entender um pouco a missão da minha irmã aqui”, lembra a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. “Eu acho que a Mari passou por isso para abrir muitos caminhos. Passou por isso para trazer uma visão fortalecida para as mulheres, principalmente para as mulheres negras, mas para todas as mulheres que se reconheciam nela e na luta. Eu acho que ela virou onipresente”.

Legado político
Para além das homenagens, o legado de Marielle continuou vivo, sobretudo, pela ação política direta das que assumiram as pautas que ela defendia. A viúva Mônica Benício foi eleita vereadora no Rio pelo PSOL em 2020 com 22.919 votos. Na campanha, prometeu representar os projetos de Marielle, focar nos direitos humanos e nas demandas do universo LGBTQIA+.

“Hoje, o sentido da minha luta é justamente para que ninguém sinta uma dor parecida com a que eu senti naquele momento. Isso é um pouco do que norteia o meu fazer tanto na política institucional, quanto no meu fazer de militante”, diz Mônica. “Lutar pela memória da Marielle fala também sobre um lugar que não é só o da minha companheira, mas de todos os aspectos que envolvem hoje a imagem dela de representação, de luta, de esperança. Essa imagem da luta política também é uma imagem que me dá esperança em um mundo melhor, me dá esperança em entender que a Marielle continua em algum lugar”.

Em 2019, três assessoras diretas da Marielle – igualmente negras e oriundas de favelas – assumiram mandatos como deputadas estaduais. Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco fizeram parte da bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Na eleição seguinte, em 2022, as duas primeiras tiveram um aumento expressivo de votos e conquistaram um segundo mandato. Renata Souza, saiu de 63.937 para 174.132 votos; Dani Monteiro, de 27.982 para 50.140 votos.

“Marielle era grande demais para que uma só pessoa representasse toda a sua luta. A grandeza da Marielle representa a luta por uma nova sociedade. E o principal recado deixado por ela é que a humanidade não se desumanize. Marielle é presente em todas as lutas contra as desigualdades sociais, em especial contra as desigualdades de gênero, raça e classe”, afirma Renata Souza. “Que a gente sinta afeto pelo outro, para garantir que a vida seja plena para qualquer pessoa, seja ela mulher, negra, pobre, indígena, quilombola, caiçara, seja a população LGBTQIA+. Que a gente possa ter esse nível de humanidade que a Marielle tanto nos ensinou”.

Renata Souza e Dani Monteiro estão entre as 44 pessoas eleitas em 2022, no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas do país, que adotaram as diretrizes da Agenda Marielle Franco. O projeto, criado em 2020, reúne um conjunto de compromissos políticos inspirados no legado da vereadora, como antirracismo, feminismo, direitos LGBTQIA+, saúde e educação pública, justiça ambiental e climática, além de demandas de moradores de favelas e periferias.

Instituto Marielle Franco

A diretora do instituto Marielle, Lígia Batista, (de amarelo), recebe pai, filha e mãe da vereadora - Arquivo pessoal
Quem coordena a Agenda é o Instituto Marielle Franco, criado pela família da vereadora em 2018. O propósito inicial era defender a memória da parlamentar e pressionar as autoridades que investigavam o assassinato. Mas o Instituto ampliou o alcance e passou a focar também na promoção de mudanças sociais. 

Na página oficial, consta que uma das missões é “potencializar e dar apoio às mulheres, pessoas negras e faveladas que querem ocupar a política, para que os espaços de tomada de decisão tenham mais a cara do povo”. A direção ficou com Anielle Franco, irmã da vereadora, desde a criação até o início desse ano, quando ela assumiu o cargo de ministra da Igualdade Racial.

Anielle coordenou uma série de projetos no Instituto Marielle Franco. Entre eles, o lançamento da Plataforma Antirracista (Pane) em 2020, para apoiar candidaturas negras nas eleições municipais, e o projeto Escola Marielles em 2021, para formar politicamente mulheres de grupos minoritários.

“Eu precisava tomar conta da minha família, tomar conta desse legado, tomar conta dessa memória. E não digo ‘tomar conta’ como uma pessoa que vai pegar, ter como posse, mas para legitimar a luta que é de uma família preta, que sempre lutou para ter tudo que tinha. E três coisas me motivaram a seguir: cuidar dessa memória, cuidar da minha mãe e da minha sobrinha”, afirma a ministra.

O Instituto Marielle Franco hoje está sob nova direção: Lígia Batista, de 29 anos. Ela é formada em direito e mestranda em Políticas Públicas e Direitos Humanos. Antes, trabalhou na Anistia Internacional Brasil e na Open Society Foundations. A diretora enfatiza que defender o legado de Marielle é inspirar mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas a ocupar espaços de poder e tomada de decisão.

“Que o medo não seja um impeditivo para que elas estejam ali. Ao mesmo tempo que a gente quer ver cada vez mais mulheres negras eleitas, também queremos que elas se sustentem no poder. Então, a gente entende o lugar do debate sobre violência política como muito central para esse trabalho. Até porque o Instituto surge a partir de um feminicídio político. A nossa intenção é mobilizar através desse trabalho com a memória. Que as pessoas não esqueçam da história da Marielle, não esqueçam desse legado político deixado para o Brasil”, diz.