Brasília – "Quando em 18.05.2016 nós ajuizamos a Ação Direta de Constitucionalidade nº 43 junto ao Supremo Tribunal, não existia sequer a ação penal contra o ex-presidente Lula", diz o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, em artigo publicado neste domingo. "Quando estudante eu discursava falando que o cumprimento irrestrito da Constituição era uma postura reacionária. Hoje, cumprir a Constituição passou a ser revolucionário. Esta é nossa maior luta: cumprir a Constituição. Deveria ser simples assim".
Confira, abaixo, a íntegra:
QUE O SUPREMO CUMPRA A CONSTITUIÇÃO
Por Antônio Carlos de Almeida Castro
"Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? " (Fernando Pessoa)
Quando em 18.05.2016 nós ajuizamos a Ação Direta de Constitucionalidade nº 43 junto ao Supremo Tribunal, não existia sequer a ação penal contra o ex-presidente Lula.
O que nos moveu foi uma decisão da Corte no julgamento do habeas corpus nº 126.292, onde se ousou afastar o princípio constitucional da presunção de inocência. Em um dia infeliz, o Tribunal, agindo como se tivesse poderes constituintes, afastou uma cláusula pétrea da Carta Magna. Tenho dito que o Supremo pode muito, mas não pode tudo. Nenhum poder pode tudo, pois não existe poder absoluto.
Como cidadão me vi indignado. A garantia da presunção de inocência pressupõe que a pessoa só possa ser recolhida a prisão para cumprir pena após o trânsito em julgado de sentença condenatória. A liberdade é o bem maior a ser resguardado pela Carta Constitucional. Lembro-me sempre de Cervantes, na voz de D. Quixote: " A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos, que aos homens deram os céus: não se lhe podem igualar os tesouros que há na terra, nem os que o mar encobre; pela liberdade, da mesma forma que pela honra, se deve arriscar a vida".
Como advogado criminal tenho no meu sangue o DNA da liberdade. E foi em nome de milhares e milhares de pessoas, sem rosto e sem voz, que batemos às portas do Judiciário. Embora fôssemos criticados por parte da mídia opressiva que, injustamente, afirmava que a ADC 43 visava garantir o direito de condenados na Lava Jato, na realidade essa ação visa garantir o direito da clientela tradicional do direito penal: o negro, o pobre, as mulheres, os desassistidos.
Tanto que, logo após a ADC 43, o Conselho Federal da Ordem também ajuizou a ADC 44, no mesmo sentido. A única diferença é que na ADC da OAB a tese é uma tese pura, que visa preservar a garantia constitucional da presunção de inocência e pleiteia que o cidadão só possa ser recolhido à prisão após o trânsito em julgado da sentença condenatória. E por um motivo simples: porquê assim diz a Constituição. Simples assim.
Na ADC 43, além do pedido principal, idêntico ao da OAB fizemos um pedido alternativo.
Como o Recurso Extraordinário no Supremo exige a repercussão geral, poder-se-ia argumentar que o recorrente não teria o direito subjetivo de ver sua liberdade analisada pelo Supremo. No entanto, sem sombra de dúvidas, continuaria o cidadão com o direito de recorrer em liberdade até o Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial. Embora tenhamos a mais firme convicção de que o que diz a Constituição é que a prisão só pode se dar após o trânsito em julgado, criamos uma opção para o Supremo de garantir a liberdade até esgotar a via do STJ.
Para comprovar que a tese defendida não busca proteger clientes privados, felizmente tivemos o ingresso, como amicus curiae, de vários Institutos sérios e com credibilidade e, principalmente, das defensorias públicas. A presença das defensorias, com a análise estatística que desnuda a conta de padeiro, representada por números inexatos, feita por alguns ministros deixa-nos à vontade para dizer que estamos do lado da sociedade.
Em um país com a terceira maior população carcerária do mundo e com as condições sub-humanas e miseráveis dos presídios brasileiros, sustentar a possibilidade de prisão após o segundo grau é atentar contra a dignidade da pessoa. É cruel. É indigno. Como afirmou nosso decano o Ministro Celso de Mello, bastaria que um cidadão obtivesse a absolvição depois de ter cumprido parte da pena injusta e antecipadamente para fazer valer o princípio da presunção de inocência.
Em 5 de outubro de 2016 o Plenário do Supremo julgou a liminar nas ADC's. Em um juízo precário, não definitivo e sem efeito vinculante, próprio dos julgamentos das liminares, por 6x5 a Corte decidiu pela possibilidade de prisão após o segundo grau. Desde então a defesa clama pelo julgamento do mérito. O processo está pronto para ser levado em mesa ao Plenário desde 05.12.2017, muito antes da condenação do ex-presidente Lula pelo TRF. Ou seja, dizer que o julgamento das ADC's tem o objetivo de favorecer o ex-presidente é apequenar uma discussão tão séria e prejudicar o direito de milhares de cidadãos brasileiros. É falta de lealdade intelectual, assim como é falso atrelar este julgamento a operação Lava Jato. Está em jogo a discussão sobre um princípio constitucional.
Eu imaginava que a esta altura da vida eu estaria ocupando a Tribuna do Supremo para defender o abolicionismo, o fim da pena privativa de liberdade, salvo para casos excepcionais. Mas tenho que assumir a tribuna para defender a presunção de inocência. Quando estudante eu discursava falando que o cumprimento irrestrito da Constituição era uma postura reacionária. Hoje, cumprir a Constituição passou a ser revolucionário. Esta é nossa maior luta: cumprir a Constituição. Deveria ser simples assim.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay